FlatOut!
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Técnica

Por que é preciso desmontar a traseira da Ferrari F50 para trocar sua embreagem?

Você certamente já havia visto antes esta foto aí de cima. Ela fez sucesso há alguns anos quando correu a internet mostrando a complexidade de uma mera troca de embreagem na Ferrari F50. É uma imagem impressionante, afinal, ela mostra uma das Ferrari mais raras da história claramente partida ao meio, como se tivesse sofrido um acidente ou mesmo como se estivesse sendo picotada para algum projeto bizarro.

O que acontece é que, apesar da imagem impactante, o procedimento é mais simples e rápido do que parece, e não demora muito mais que a troca em um carro convencional, que não exige a desmontagem completa do cofre do motor.

Isso porque a Ferrari F50, lembre-se, é um carro com motor estrutural. Isso significa que a única estrutura que suporta a traseira é o conjunto de motor e câmbio. Tudo fica apoiado sobre suportes na carcaça do câmbio em uma ponta, e preso à parte posterior do monocoque na outra. Você já viu detalhes dessa construção no post especial sobre as Ferrari F50 e F40 em Araxá, mas aqui vão algumas fotos para você lembrar:

Retirar o câmbio do carro sem retirar a traseira, seria como desmontar um cabide sem tirar a camisa de cima dele. Como a estrutura está concentrada em um único ponto, contudo, isso é um trabalho mais fácil do que parece: o mecânico precisa, resumidamente, soltar apenas as linhas hidráulicas do câmbio e dos freios, os chicotes elétricos que ligam a porção final do carro, e parte do escape. Aí é só desaparafusar o câmbio do motor e afastar as duas partes.

Se você está se perguntando sobre a cobertura do motor, removê-la é mais fácil do que parece: basta soltar as duas dobradiças que a prendem ao carro. Estas imagens do manual da F50 dão uma boa noção de como a carroceria é formada e onde ficam as dobradiças:

Esse layout mecânico se deve a algo que já mencionamos exaustivamente no FlatOut: a F50 tem seu V12 derivado do motor Tipo 036 da Ferrari 641, que disputou a F1 na temporada de 1990. A F1 adotou o motor estrutural como padrão de construção a partir de 1967, quando a Lotus desenvolveu o 49 com essa configuração para cumprir à risca à filosofia de Colin Chapman (simplifique e adicione leveza). O motor estrutural simplifica ao máximo a construção do carro, facilitando também sua manutenção, especialmente no caso dos Fórmula 1 não-carenados dos anos 1960.

A ideia, aliás, veio do trator Ford Fordson, dos anos 1930, que era basicamente um motor ligado aos eixos, e coberto pelo tanque de combustível. O banco ficava sobre o eixo traseiro, entre as rodas.

Antes da F50, o De Tomaso Vallelunga usou o motor como componente estrutural. Havia um subchassi tubular que era apoiado sobre a transmissão de Fusca instalada em posição invertida e com engrenagens Hewland.

Nesse caso, a troca de embreagem não exige a desmontagem da traseira, mas o transeixo precisa ser removido da mesma forma, deixando o subchassi apoiado somente na carroceria, sem estabilidade estrutural.

Por último, antes do Lotus 49 havia o Lancia D50, que foi o primeiro Fórmula 1 a usar o motor como componente estrutural.

Contudo, ele ainda era um carro de motor dianteiro, então o motor fazia a ligação do chassi spaceframe do cockpit com o eixo dianteiro. Mesmo assim, a troca da embreagem do D50 era exatamente como a da F50, porém separando a dianteira do restante do carro em vez da traseira.