Em 1998 o estado de São Paulo começou a construir um anel viário que prometia retirar os caminhões da cidade de São Paulo e facilitar a vida dos viajantes que precisavam atravessar as congestionadas ruas da capital. A ideia era construir uma ligação entre as dez principais rodovias que cortam o estado e formam os mais importantes corredores rodoviários do Brasil.
Para se ter uma ideia da urgência da construção desse anel viário, naquela época — exatamente 20 anos atrás — 6% do PIB brasileiro atravessava a cidade de São Paulo sobre caminhões. Impressionante, não? Mais impressionante ainda é que 10% da frota de caminhões da época circulavam pelas marginais Pinheiros e Tietê. Imagine sair de casa todos os dias para ir trabalhar, levar os filhos à escola, e topar com 10% dos caminhões do Brasil no caminho.
O projeto, como anunciado na época, era majestoso e promissor. Carros e caminhões poderiam viajar a 110 km/h, os pedágios seriam automáticos, haveria paineis eletrônicos informando os motoristas sobre as condições de cada rodovia e das Marginais, e havia até uma certa preocupação ambiental com as represas e áreas de preservação, com sistemas para impedir derramamento de fluidos nestas áreas em caso de acidentes.
Vinte anos depois, o Rodoanel Mário Covas ainda não é um anel (sem o trecho norte ele está mais para Rodoferradura). Os paineis eletrônicos não informam muita coisa além de mensagens enormes que distraem os motoristas e o limite de velocidade de 100 km/h (fiscalizado com radares escondidos mesmo no pouco movimentado trecho Leste) faz com que seja mais rápido atravessar a cidade no para-e-anda do trânsito urbano.
Não é exatamente um anel…
Como se não bastasse, os viajantes ainda podem ser ver obrigados a entrar na tumultuada capital paulista para abastecer. Isso porque o Rodoanel não tem um único posto de combustível em sua extensão. Sim: são pouco mais de 130 km sem lugar para abastecer. O resultado não poderia ser outro: somente o trecho Sul (que não tem retornos) chegou a registrar quase 3.500 casos de pane seca em 2013.
Agora você deve estar fazendo a pergunta que todo animal racional faria diante desta situação: por que cazzo o Rodoanel não tem postos de combustível?
A resposta está na característica da via. O Rodoanel foi projetado como uma rodovia de Classe 0 (zero), segundo a classificação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT). O que isso significa? Que ele é uma rodovia projetada de acordo com “o mais elevado padrão técnico, com pista dupla e controle total de acesso”. As aspas são do Manual Técnico de Geometria de Rodovias Rurais do DNIT.
Isso significa, em outras palavras, que o Rodoanel é uma rodovia tecnicamente ideal, e que os acessos a ela são controlados — mas não no sentido de controlar quando um veículo entra ou sai da rodovia, e sim no sentido de limitar os acessos ao estritamente necessário para otimizar a segurança, a capacidade e a qualidade da rodagem. São as únicas rodovias com segurança para limites de 130 km/h, por exemplo.
Isso não significa que não é permitido construir postos nestas rodovias, mas devido à exigência de acesso controlado, o órgão responsável pelo projeto da via deve realizar um estudo para determinar o local mais adequado para o acesso e, a partir disto, determinar o local onde o posto de combustível pode ser instalado. Isso, claro, se o local não for uma área de proteção ambiental — algo relativamente comum nas adjacências de nossas rodovias.
Por algum motivo o projeto inicial do Rodoanel não previa acessos a postos de serviço, mas com o aumento do volume de tráfego e a demanda dos usuários, a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) anunciou no início deste ano um projeto para iniciar a instalação de postos de serviço no Rodoanel ainda em 2018.
Três pistas, nenhum carro e… 100 km/h em uma rodovia Classe 0
Agora… ainda há uma pergunta muito pertinente que ninguém fez até agora: se o Rodoanel tem acessos controlados e geometria ideal para otimizar a qualidade da via, porque raios os trechos com trânsito menos denso têm limites de velocidade de rodovias de classes inferiores — e mais radares ocultos do que postos de combustível?