O motor mais famoso da Porsche é seu boxer de seis cilindros. Não é para menos: o flat-6 é o motor de sua menina dos olhos, o 911, desde 1963. A fabricante de Stuttgart não poupou esforços para extrair o máximo possível do projeto original, e conseguiu aproveitá-lo por mais de três décadas – o primeiro motor realmente novo veio só em 1998.
Isto não quer dizer, contudo, que a Porsche não testou outras configurações mecânicas. O primeiro motor Porsche era um flat-four muito parecido com o projeto da Volkswagen. Houve motores de quatro cilindros em linha com turbo e muito em comum com o Volkswagen AP. Houve motores V6, V8 e V10. E houve versões extremas do boxer, com oito, doze e até dezesseis cilindros. Hoje, você vai ouvir a sinfonia de um flat-8: o motor do protótipo de corridas Porsche 908. E também belas imagens dele em ação. Depois, vamos mergulhar em seus detalhes.
Este exemplar em especial é um Porsche 908 1968, e fez parte da equipe de fábrica para o Campeonato Mundial de Protótipos-Esporte (equivalente ao atual WSC), enfrentando caras como o Ford GT40 e a Ferrari P. No entanto, ele só participou de uma prova: os 1.000 Km de Spa de 1968, que foram conquistados por Jacky Ickx e Brian Redman no Ford GT40 com a pintura azul-e-laranja da Gulf. A Porsche não foi exatamente mal naquela corrida, conquistando vitórias em várias categorias com os protótipos 907 e 910, além do Porsche 911 na categoria Grand Touring 2000.
O Porsche 908, contudo, não teve um final muito feliz: o carro conduzido por Vic Elford e Jochen Neerpasch bateu na volta 34, depois de sair rodando sobre o asfalto molhado. Foi o fim da linha para o 908-010, também conhecido como 908 K por causa de sua cauda curta (Kurzheck em alemão). O carro logo depois foi vendido a um colecionador suíço, que o deixou guardado por mais de vinte anos. No fim da década de 1990 um especialista em carros de corrida da Porsche chamado Dale Miller descobriu o carro, o comprou e o levou para os Estados Unidos. Lá, o carro foi vendido novamente a um certo Bill Ferren, que mandou restaurar o 908 por completo. Em 2004, o carro de corrida participou do RennSport Reunion no circuito de Daytona – um dos mais tradicionais eventos de bólidos históricos da Porsche. Agora, depois de 12 anos com seu atual dono, o Porsche 908-10 1968 será leiloado pela RM Sotheby’s.
É uma ótima oportunidade para comentar alguns dos detalhes desde que, na minha humilde opinião, é um dos protótipos mais bonitos e elegantes já feitos.
Nada mais justo, portanto, do que começar pela sua carroceria. O Porsche 908 é claramente parte de uma linha evolutiva – esta iniciada dois anos antes, em 1966, com o Porsche 906. Como comentamos recentemente, o Porsche 906 foi o sucessor do 904.
O Porsche 904, que usava um flat-four de dois litros com comando duplo nos cabeçotes e 200 cv. O carro que era construído sobre um chassi de aço do tipo escada e tinha a carroceria de fibra de vidro colada na estrutura para maior rigidez. A fibra de vidro era aplicada por spray em um molde, o que resultava em variações na espessura dos painéis e, consequentemente, fazia com que o peso de cada carro fosse ligeiramente diferente.
Formas limpas, precisas e com aerodinâmica eficiente: o Porsche 908 foi um dos primeiros com carroceria desenvolvida no túnel de vento.
Os dutos ao lado do sistema de supressão de incêndio são alimentado pelas entradas de ar no bico do carro, e levam ar frio para os freios dianteiros…
Que usavam discos sólidos de metal. Fading era uma realidade!
Nestas fotos dá para ver muito bem como a estrutura é “vestida” pela carroceria. E que o acabamento interno dos painéis de um Porsche 908 de 1968 não é muito diferente do acabamento interno dos painéis de um Puma com motor Volks. É tudo fibra.
Agora, um motor com o dobro de cilindros de um Puma, com corpos de borboleta individuais, comando duplo nos cabeçotes e injeção mecânica Bosch tem pelo menos seis vezes mais potência que um motor de Puma… embora sejam parentes distantes
O Porsche 906 trocou a estrutura do tipo escada por um chassi tubular, e a carroceria agora tinha as camadas de fibra de vidro formadas à mão, o que resultou em uma consistência muito maior. Além disso, o 906 usava um flat-six de dois litros com 220 cv, e ainda pesava cerca de 110 kg a menos que o Porsche 904/6 (equipado com o mesmo motor).
O Porsche 908 seguia o mesmo método de construção e as mesmas linhas gerais, mas seu motor agora era um flat-8 de três litros e 350 cv que tinha um dos roncos mais deliciosos de se ouvir no grid: estralado, grave, borbulhante e cheio de personalidade.
Era um motor menos potente que os V8 e V12 de 400 cv usado pela Fórmula 1, mas era mais confiável e apropriado para provas de longa duração. Não foi à toa que após 1972, quando a Porsche decidiu encerrar as atividades de sua equipe de fábrica, muitas equipes independentes colocaram as mãos no 908 – e ainda podiam contar com o suporte oficial da fabricante apesar de a própria não estar mais competindo. Por outro lado, naquela época a Porsche estava começando a fazer seus primeiros testes com o boxer de seis cilindros turbinado que seria usado no Porsche 911 Turbo, e deu origem a um motor de 2,1 litros sobrealimentado que chegou a mais de 600 cv no Porsche 935 “Moby Dick’, uma das variações mais extremas do nine-eleven.
O Porsche 908 seguiu na ativa nas mãos destas equipes particulares até o início dos anos 80, e muitos exemplares acabaram ganhando motores turbo como este. Também havia versões com carroceria aberta e peso ainda mais baixo (alguns tinham menos de 500 kg).
Detalhes que merecem a menção: os bancos que eram meras chapas de metal dobradas, a chave perfurada, a manopla de câmbio em madeira balsa e o o cluster de instrumentos que dispensava o velocímetro
Não foi a única vez em que a sobrelimentação venceu, aliás: naquela mesma época a Porsche aproveitou o projeto do flat-8 do 908 para dar forma a um flat-16 de 6,6 litros e 750 cv que quase foi utilizado no Porsche 917, mas no fim das contas deu lugar a um flat-12 turbo, menor, mais leve e tão potente quanto. Quer que a gente conte esta história, também?
Faremos isto em breve. Até lá, curta mais algumas fotos (enormes e totalmente wallpaperáveis) do Porsche 908K 1968.