Saiu na última segunda-feira uma medida provisória, a MP 680/15, que cria o Programa de Proteção ao Emprego, também chamado de PPE. De acordo com ele, empresas afetadas pela crise econômica que o país atravessa podem cortar a jornada de trabalho em 30%, com redução proporcional dos salários dos afetados.
Segundo a medida, os funcionários incluídos no Programa ficam com emprego garantido enquanto o acordo durar, ainda que ganhando menos. Sim: eles não poderão ser demitidos — uma fusão bizarra de setor público e privado, visto que o Estado garante a estabilidade do emprego, mas não do mercado, que afeta diretamente as contas das empresas.
Para que a coisa não fique feia, já que ninguém vai reduzir as contas pessoais desses trabalhadores em 30% no fim do mês, o governo pagará uma parte do salário, até 15%, com limite de R$ 900,84. A grana virá do FAT, ou Fundo de Amparo ao Trabalhador. A MP vale até o final do ano que vem. Isso se o Congresso não a derrubar ou se os sindicatos não a transformarem em letra morta. A questão é: até que ponto isso ajuda a indústria automotiva a se manter de pé?
Do jeito que está, a MP 680/15 parece ter sido feita sob medida para o setor. As vendas em maio caíram 27,5%, segundo a Fenabrave. A Anfavea informou, por coincidência no mesmo dia da edição da MP, segunda passada, que os licenciamentos haviam caído 20,7% no primeiro semestre de 2015 em relação ao de 2014. Mas dois episódios recentes mostrarm que a coisa toda pode estar muito distante de ser uma solução.
O primeiro deles foi protagonizado pelos metalúrgicos da Mercedes-Benz, em São Bernardo do Campo. Eles rejeitaram uma redução de 20% na jornada de trabalho com uma redução de apenas 10% dos salários. Isso aconteceu em 3 de julho, três dias antes da edição da MP 680/15.
Em resumo, eles receberiam só metade da redução nos salários em relação à redução da jornada. E não toparam. Se tivessem, iriam ganhar mais do que o governo propõe, até porque muitos metalúrgicos devem receber mais de R$ 6.000, e os R$ 900,84 do limite de pagamento da ajuda de custo do FAT são R$ 0,84 a mais do que 15% de R$ 6.000. Em resumo, o governo propôs algo que um dos sindicatos mais atuantes do Brasil já rejeitou.
Para que o PPE seja aplicado, ele precisa da concordância dos sindicatos, com a assinatura de um acordo coletivo. E ele oferece estabilidade de emprego, ou seja: quem aderir não pode ser demitido. O acordo da Mercedes-Benz foi feito justamente para evitar demissões e não colou. Por que colaria agora?
O segundo episódio está prestes a se concretizar: a demissão de 400 operários na fábrica da GM em São Caetano do Sul. Eles fazem parte de um grupo de 819 metalúrgicos com contratos suspensos (lay-off) desde novembro do ano passado. E o PPE não serve para eles. Isso porque o turno de trabalho destes caras foi extinto e, bem… sem ter uma jornada para onde voltar, não há como se falar em redução de jornada.
Além disso, essa bandeira foi levantada depois, muito depois de as consequências da crise terem começado a aparecer. Como explicamos neste post, desde o final do ano passado as vendas de carros novos vêm caindo, e como consequência as fábricas — de carros e fornecedores — estão reduzindo turnos e paralisando a produção para adequar a produção à baixa demanda. Com isso vêm as demissões, suspensões temporárias de contratos e férias coletivas e vai resultar na queda de quase 30% na produção.
E aqui chegamos ao X da questão: quem garante que a produção não vai cair ainda mais? Os 30% de redução de jornada são suficientes para preservar os empregos que ainda estão de pé? E a necessidade do governo de apresentar superávit primário, fundamental para o chamado ajuste fiscal, como fica com mais gastos pelo FAT? Com menos vendas, há menos arrecadação e o governo precisa apertar ainda mais o cinto.
Onde isso tudo vai dar é coisa que só o olho vivo no noticiário político permitirá acompanhar. No econômico, já se sabe que discursos e leis ajudam muito pouco diante da realidade. O melhor Programa de Proteção ao Emprego seria uma economia forte, com facilidades de empreendimento, pouca burocracia, regras claras de tributação, custos baixos de frete, certeza jurídica e, mais do que tudo, confiança para investir. Como perguntou Philipp Schiemer, presidente da mesma Mercedes-Benz que teve sua proposta rejeitada pelos metalúrgicos do ABC: “quem vai arriscar investir no Brasil?”.