Olá, leitores do FlatOut! Meu nome é Walace Giallonardo, tenho 24 anos, sou mestrando em Engenharia Mecânica na Unicamp e formado em Engenharia Mecânica na mesma faculdade, e assim como o Diego que fez o post introdutório anterior, também fui um dos membros fundadores da Unicamp E-Racing em 2011 e tive o enorme prazer de ser um dos pilotos da equipe .
No ano de 2013 fui o líder de projetos mecânicos do protótipo que foi a evolução do veículo do post anterior, que possibilitou nosso project cars aqui no FlatOut e que será apresentado para vocês nesse post: o E2013. Nesse post mostraremos as melhorias e novidades da parte mecânica que empregamos para fazer um carro ainda melhor que o anterior.
Cenário do projeto E2013
Agora que vocês já sabem no que consiste o Fórmula SAE, seja elétrico ou combustão, como já contado em nosso primeiro post, sem mais delongas vamos nos aprofundar nos detalhes mais técnicos focando primeiro as escolhas do E2013 e para um post futuro explicaremos melhor os aspectos construtivos, procedimentos de construção, parte elétrica e eletrônica, entre outros.
O projeto do veículo começou logo após nossa vitória com nosso primeiro protótipo em 2012, as atividades foram intensificadas pois ao mesmo tempo que projetávamos o E2013, tínhamos que fazer todos os preparativos do E2012 para competir em junho de 2013 nos EUA, onde obteríamos a vitória contada no primeiro post. Tudo foi deixado já engatilhado para que na volta dos EUA se iniciasse a construção do E2013 que ocorreria no Brasil, nosso gap entre a competição americana e a brasileira era de 4 meses e meio.
Esse pequeno intervalo deixou inviável que esperássemos a volta do E2012 para o Brasil, pois é necessário tempo para testar o veículo depois da construção e assim seria necessário que o E2013 utilizasse componentes totalmente novos e independentes do protótipo anterior. Nada poderia ser reaproveitado.
Foi nesse cenário que recebemos a novidade necessária, novamente o Instituto de Pesquisas Eldorado motivados por nossos resultados anteriores e por continuar se envolvendo e incentivando o desenvolvimento de powertrain elétrico, nos ajudaria fornecendo um novo motor YASA750 e novas baterias, além de vários outros componentes necessários para essa nova empreitada.
As Melhorias
Nos perguntamos então: como faremos algo melhor que o carro anterior? Passarei então item a item, divisão por divisão com vocês leitores, para que entendam e concluam comigo a razão de cada mudança, daqui pra frente começa a ficar mais técnico, mas tentarei explicar com linguagem simples e de maneira que entendam, e estão livres para nos procurar e perguntar alguma dúvida ou para dar alguma sugestão.
Inicialmente pensamos até mesmo em apenas fazer modificações no E2012 devido ao tempo, mas a lista ficou tão extensa que se tornou mais viável fazer um carro novo, acabamos então mudando completamente o conceito mecânico do veículo, salvando aspectos como o conceito de nosso powertrain elétrico, que apesar de ser semelhante ao veículo anterior teve também mudanças drásticas, basicamente, tudo mudou.
O protótipo E2012 e o E2013 lado a lado
Estrutura
O chassi de aço carbono 1020 foi mantido devido aos seus pontos positivos quanto à soldabilidade, disponibilidade e custos. Mas a geometria foi completamente modificada, o carro foi compactado ao máximo e um dos frames traseiros foi eliminado na redução. A produção é feita numa mesa gabarito com auxílio de equipamentos de metrologia.
Todas as “bocas de lobo” dos tubos são cortadas por laser fazendo os encaixes perfeitos dos nós, todas as soldas da equipe são feitos em TIG e há toda uma análise e estudo das soldas de cada tipo de material.
A geometria foi então otimizada ao máximo sem que houvesse perda da rigidez torcional. No final do projeto do chassi havíamos eliminado mais de 25% da massa do mesmo e ainda tínhamos acrescido nosso valor de rigidez torcional. Conseguimos abaixar o frame principal do chassi, o famoso mainhoop (o santantônio do protótipo), gerando menos momento gerado pelos tubos que chegam no topo do mesmo.
Para tal feito, inúmeras iterações em programas de simulação computacional por análise de elementos finitos foram feitas, mas a principal mudança foi nos pontos de solicitação de esforços do chassi, todos as fixações de amortecedores, braços de suspensão e rockers (balancins dos pull rods) foram pensadas para gerar menor torção e foram aproximadas dos frames mais rígidos.
A lógica aqui é simples: pense que está torcendo uma garrafa plástica. Agora aproxime suas mãos; dessa maneira ficará mais difícil de torcer. E próximo de regiões mais rígidas como o fundo ou o bocal (no caso da garrafa) fica ainda mais difícil, não é? Essa é basicamente a ideia das barras anti-torção, rollcages (além do aspecto de segurança), reforços estruturais etc. A diferença que em nosso caso já projetamos um chassi do zero, com liberdade para acomodar a suspensão, já focando nos pontos importantes.
O resultado de tudo isso foi um carro muito mais rápido em resposta quando comparado ao E2012, não que eu não gostasse do modo de pilotagem e da dinâmica do nosso querido carro anterior.
Comparação do chassi do E2012 e do E2013 ainda em construção. A diferença no tamanho é bem aparente
Transmissão
Um dos pontos mais elogiados do projeto anterior tinha sido a simplicidade como havíamos concebido o diferencial no interior do motor elétrico, Decidimos então continuar com essa configuração aliando o powetrain elétrico com uma das peças mais gearhead presentes num veículo: o diferencial.
O grande problema estava nele mesmo. Nosso veículo tinha um problema crônico de muitos fórmulas e outros tipos de veículos de competição, que devido às altas transferências de carga em rolagem acabava perdendo muita carga na roda de dentro da curva, chegando muitas vezes a levantá-la dependendo do setup de suspensão, fato muito conhecido pelos amigos leitores gearhead que participam de provas de solos, hotlaps e trackdays. E como os senhores já devem saber, uma das consequências dessa perda de carga é o giro em falso da roda de dentro da curva, gerando a perda total ou parcial do torque enquanto a roda sem carga permanece em giro.
Foto do diferencial ATB Quaife desmontado utilizado no E2012
Os mais detalhistas devem lembrar então que utilizávamos um diferencial ATB blocante de escorregamento limitado, e que esse efeito deveria ser contido ou eliminado e é apenas mais presente em diferenciais abertos ou menos bloqueados, pois é, mas tudo depende do montante de carga que está sendo transferida, se for mais alta do que ele suporta, ele pode trabalhar como diferencial aberto. Mas aí é que está o ponto, como o post não é voltado para uma aula sobre diferentes tipos de diferenciais, vamos explicar resumidamente de maneira a entender:
O E2012 utilizava um diferencial ATB (Automatic Torque Biasing) também denominado Torsen Type II, ele tem mesma geometria utilizada pelo New Civic SI, o que usávamos nos entregava teoricamente um Torque Bias Ratio (Bloqueio do diferencial) de 80%-20%, um grande exemplo de fabricantes desse tipo é a Peloquin, EATON TrueTrac, OBX e a Quaife. Esse tipo não deve ser confundido com o Torsen Type I, esse sim, o famoso ATB Torsen, que também tem larga utilização em corridas e fórmulas.
O diferencial do E2013 e suas flanges para ser acoplado ao motor, projetadas por nós e usinados pela Selzer Automotiva
Com o intuito de diminuir o efeito de spin quando há perda de carga na roda de dentro da curva, optamos por um diferencial de deslizamento limitado de acoplamento viscoso, chamado por cada fabricante de um jeito diferente — vocês encontrarão esse tipo pelos marcas Powerflow, Torque-Lock, VariLock, Drexler, T-Trax, entre outros, muito utilizados em veículos voltados para provas de drifting, sprints, hillclimbs etc.
O resultado e a melhoria do carro foi nítida aliado com um setup de suspensão adequado, os pontos negativos dele só são realmente o preço que é uma facada funda, e a manutenção que deve ser feita com maior frequência que os outros tipos. A flange de alumínio que liga o diferencial ao motor foi usinada em alumínio aeronáutico série 7.
Vista explodida de um Diferencial de acoplamento viscoso, similar ao utilizado no E2013
Para os semi-eixos foi utilizado um componente personalizado de aço cromo temperado e endurecido, a junta utilizada tanto no diferencial quanto no cubo foi trizeta/tulipas com padrão de estriado dos UTV da Polaris, a trizeta é prória para nosso uso com qualidade avançada, seu tamanho para vocês terem um termo de comparação é similar ao tamanho da trizeta do Fiat 147.
Suspensão e Direção
Nessa área daria para fazer uns três posts, talvez faremos um post mais específico futuro explicando apenas sobre as melhorias da suspensão. Mas inicialmente gostaria de falar resumidamente sobre as mudanças comparando E2012 e E2013. Para isso, primeiro o leitor precisa estar por dentro de alguns termos que irei utilizar e conceitos físicos, e recomendo que leia inicialmente esse post do Juliano Barata, aqui do FlatOut — principalmente a parte de “Área de contato dos pneus e transferência de peso” que ajudará e muito nas explicações que darei aqui.
Outros conceitos importantes são:
– os eixos de rotação de um veículo (pode ser carro, barco, avião, satélite, geralmente os nomes dos eixos utilizados são os mesmos), muito utilizado pelos seus termos em inglês, são eles os eixos de roll, pitch e yaw (em português eixos de rolagem, arfagem e guinada).
O roll ou rolagem é o eixo de rotação na longitudinal do carro, o eixo que geralmente um veículo trabalha em transferência de carga lateral numa curva ou gira ao capotar lateralmente.
O pitch ou arfagem é o eixo de rotação em que o carro empina ou afunda a frente, o popular levantar ou abaixar o nariz, que geralmente o veículo trabalha ao acelerar e frear.
O yaw ou guinada é o eixo de rotação na vertical, o eixo no qual um veículo gira ao rodar na pista, ou quando muda sua trajetória retilínea ao entrar numa curva. A imagem abaixo ilustra melhor isso:
Ilustração dos eixos num Fórmula 1
– O centro de gravidade: na física, muitas vezes os conceitos de centro de gravidade e centro de massa, apesar de designarem conceitos diferentes, são utilizados de maneira intercambiável, no caso que trataremos aqui eles são coincidentes, mas geralmente chamado no meio por centro de gravidade ou apenas CG. Para cálculo de todos os efeitos entenderemos ele como o ponto em que toda a massa do veículo está concentrada, e o ponto no qual o veículo gira ao redor em qualquer um dos 3 eixos de rotação.
Para exemplificar, o CG do corpo humano se encontra na altura do umbigo dentro do abdômen quando você está parado de pé. No caso de um veículo tipo fórmula ele geralmente estará em algum ponto entre o piloto e o motor, sendo que sua altura em relação ao solo e deslocamento lateral para direita ou esquerda do veículo variará de veículo para veículo.
– O Conceito de Momento de Inércia: o momento de inércia nada mais é que o grau de dificuldade de se alterar o movimento de um corpo em estado de rotação em torno de um dos eixos ou de colocá-lo no estado de rotação caso esteja parado. Vamos exemplificar de duas maneiras fáceis e entender o conceito:
Um dos mais famosos experimentos, que muitos de vocês devem se lembrar da escola é o experimento da cadeira giratória segurando pesos. Você se senta numa cadeira com pesos nas mãos e abre os braços e pede para uma pessoa tentar fazer você girar, depois junta os pesos junto ao peito e pede novamente que ela te gire, ficando muito mais fácil de girar da segunda maneira. Isso acontece pois você diminuiu seu momento de inércia no eixo de rotação da cadeira, que seria por analogia seu eixo de Yaw. Outro famoso exemplo é o exemplo da bailarina que gira mais rápido quando junta os braços.
Como bom gearhead vamos exemplificar isso num veículo. Ao capotar um veículo geralmente capota em seu eixo de rolagem, isso porque o momento de inércia em Roll geralmente é menor que o momento de inércia em Pitch e Yaw, se tornando mais fácil girar um carro naquele eixo, pois as massas em torno do Centro de Gravidade do mesmo estão mais concentradas sabendo que geralmente as bitolas de veículos comuns são menores que os entre-eixos, e nos dois outros eixos há mais massa longe do Centro de Gravidade.
Com tudo isso em mente adicionado ao conceito de transferência de carga explicados pelo post do Barata, podemos dar início ao que foi trabalhado na suspensão do E2013.
Primeiramente focamos em pontos primordiais que trabalharíamos para melhorar a dinâmica do veículo E2013 quando comparado ao E2012, para explicar como era a condução do E2012, imaginamos ele como um pesado muscle car, o que queríamos era transformá-lo num hot hatch com o mesmo torque e potência basicamente.
O E2012 quando comparado a outros fórmulas estudantis que pilotei, apesar de ser pesado (254kg), tinha um acerto de suspensão invejável, seu comportamento na pista mostrava-se neutro, a maneira como ele sub-esterçava não me incomodava e era previsível na maioria das vezes.
Mas, devido à massa excessiva, e massas que se situavam longe do CG, o Momento de Inércia em Yaw do veículo era alto, sendo assim o carro não tinha ainda a agilidade que buscávamos, e imagine você que ao mesmo tempo que era difícil mudar sua trajetória ao entrar numa curva. Quando ele começava a fazer a giração em Yaw, era igualmente difícil retorná-lo em linha reta, sendo assim se ele sobre-esterçasse e você não conseguisse fazer o contra-esterço retornar a tempo, a primeira Lei de Newton não sentiria dó de você e a rodada ou podada na grama seria inevitável.
Sendo assim os focos foram:
1- Diminuir massa total do veículo para melhorar agilidade geral do veículo;
2- Focar nas massas longe do CG, principalmente massas rotativas e massas não suspensas para melhorar agilidade do veículo em Yaw;
3- Abaixar o CG do veículo ao máximo para melhorar a distribuição de carga dinâmica do veículo quando há trabalho em pitch e roll.
4- Aprimorar a cinemática de suspensão e direção tendo em mãos dados do pneu, melhorando pontos de roll center, roll axis, variação de camber e toe, migração de roll center, acerto de ground clearence, relação dos rockers, otimização de Ackerman, etc. (Essa parte ficará melhor explicada num post futuro, vamos primeiro focar nos 3 primeiros itens).
Para tal feito, além da diminuição de massa do chassi, subtraímos mais de 20kg do veículo alterando todo o projeto de suspensão que utilizava rodas Jongbloed 13″ para rodas Keizer Wheels 10″. O alívio no conjunto roda + pneu + componentes de caixa de roda foram imensos, trazendo diminuição de massa não suspensa, massa rotativa, massa longe do CG e massa total do veículo — uma escolha que se mostrou muito sábia, apesar dos pontos negativos do pneu menor.
O aro 10″ nos permitiu que a força passada para o chão da nossa transmissão directdrive ficasse ainda mais rápida e alta, imagine 75kgfm de torque sendo passado para o chão via 2 pneus aro 10 supersoft da Hoosier, praticamente o resultado foi um veículo mais ágil, que apesar de escapar mais em curvas, era contra esterçado facilmente e nas retas era praticamente um mini dragster.
Na esquerda o conjunto de suspensão do E2013 e na direita do E2012, ambos em vista isolada, pode-se verificar que a força acionada pelos pullrods traseiros do novo veículo incide num frame mais próximo do centro do veículo.
Esse vídeo do primeiro post acho necessário repostar pois exemplifica claramente que o carro apesar de arisco era ainda controlável, ele é minha primeira tentativa de domar o carro com máximo de torque nas rodas, calibração de suspensão em estágio inicial e curva de pedal agressiva, em nenhum momento nessa volta eu fui capaz de dar mais que meio pedal do acelerador:
Nesse outro post uma volta de autocross na competição brasileira (é bem confusa a pista, se vocês repararem verão que ela passa duas vezes no mesmo ponto).
E esse vídeo mostra uma volta no kartódromo de San Marino sem o pacote aero, num dos testes para os EUA:
Além dos próprios pneus e rodas mais leves devido ao tamanho, as mangas dianteiras e traseiras, antes de chapas de aço 1020 cortadas no laser, foram confeccionadas em alumínio aoronáutico série 7 usinadas, assim como os cubos de roda dianteiros, os cubos traseiros foram mantidos de aço ligado cromo molibdênio devido ao estriado para passagem de torque proveniente das tulipas. Discos de freio também diminuíram e foram aliviados.
Para a direção os terminais tiveram os joints reduzidos e foi adquirida uma caixa de direção com relação personalizada, sensor de ângulo da direção para aquisição de dados e confeccionada em fibra de carbono própria para uso em Fórmulas Estudantis.
Assim como nos tie rods da direção, os joints dos braços de suspensão sofreram redução de tamanho, eliminamos todos os pontos de balljoint dos braços utilizando apenas spherical bearings, tornando o sistema mais confiável dessa maneira.
Foi utilizado um sistema de pull rod (coluna de acionamento sob tração) na dianteira e traseira. Um dos benefícios desse tipo de acionamento é que elimina problemas de flambagem existente nos push rods, além disso um tipo de acionamento pull/push rod possibilita o acomodamento do amortecedor em posições diversas e ainda possibilita a utilização de uma multiplicação/redução do acionamento por meio de um balancim e altura livre em relação ao solo pode ser facilmente alterada modificando-se o tamanho dos pull rods.
Os balancins são roletados de alumínio série 7 cortados no jato de água e colados nas casas de rolamento. Os amortecedores utilizados são Öhlins com regulagem de tração/compressão em baixa e alta frequência, próprios para fórmulas, e as molas são Cane Creek desenvolvidas e disponibilizadas em vários Spring Rate próprios também para fórmula. Como vocês já devem imaginar o tipo de suspensão utilizada na dianteira e traseira foi de double wishbone (duplo A) sem a utilização de Anti Roll Bar (barra anti-rolagem), sua escolha vai ser melhor tratada em posts futuros.
Cubos e porcas de roda
Tudo isso foi feito acompanhado de análises estruturais de elementos finitos e otimizações computacionais, para aliviar ao máximo todos os componentes sem que houvesse perda de segurança e confiabilidade.
É possível visualizar os braços de suspensão pintados de preto e os semi-eixos assim como as tie rods do alinhamento traseiro em prata. Detalhe para as rods de fixação das asas, todas em fibra de carbono e para os dizeres lúdicos de nossa asa.
Freios, Pedal Box e Ergonomia
Assim como a suspensão, o sistema de freios toma como base toda dinâmica do veículo, pois além de parar o veículo, ele deve fazer isso da maneira correta. E qual a maneira correta?
Encontrar o balanço correto de freio num veículo de competição é de extrema importância, ele evitará um travamento prematuro ou tardio do veículo como um todo ou de apenas um eixo, além disso deverá passar para o piloto o feeling e segurança com o carro.
Nos fórmula SAE por regulamento temos que utilizar sistemas de freios independentes para dianteira e traseira, deve-se existir também um botão do tipo “brake over travel switch” que em caso de falha ou vazamento, o pedal de freio acionará o mesmo cortando a ignição ou sistema trativo elétrico do carro.
Como na maioria dos veículos de competição, o sistema de Vacuum Booster é inexistente, sendo que sua própria força que será multiplicada pelas relações de alavanca do pedal e relação hidráulica cilindro-mestre/pinça que irá frear o veículo, como num antigo Volkswagen refrigerado a ar.
Quando bem projetado esse sistema passa um ótimo feeling para o piloto, que geralmente estranha quando sente pela primeira vez o pequeno deslocamento que o pedal faz.
Dessa maneira, deve-se focar num sistema capaz de travar as 4 rodas do veículo em condição extrema (pneus e sistema quentes) para garantir a segurança e que ao mesmo tempo não seja sensível em demasia quando acionado numa situação de menor solicitação.
Para isso é de extrema importância para o projeto, assim como para o projeto de suspensão, que você tenha dados plausíveis de seu veículo, levantado com base em Modelos Virtuais, validados de protótipos anteriores, levantados em testes de laboratórios e dados fornecidos pelos fabricantes dos componentes. Para um bom projeto partindo do zero é de extrema importância que se tenha:
- Altura do CG do veículo;
- Estimativa da massa total do veículo com piloto;
- Distância do entre-eixos;
- Distribuição de carga no eixo traseiro/dianteiro;
- Curvas de coeficiente de atrito pastilha/disco levantado em laboratório ou fornecido;
- Curvas de coeficiente de atrito pneu/pavimento (essas são mais difíceis de arrumar);
- Estimativa do rendimento/eficiência do sistema, dados de cilindro-mestre, pinça, discos etc.
Com tudo isso em mãos foi possível chegar num sistema otimizado para o E2013, e as escolhas dos componentes foram 4 pinças Wilwood de alumínio de duplo pistão opostos próprias para Fórmula Ford ou pequenos carros de Sprint. O baixo CG do veículo elétrico nos permitiu usar a mesma pinça nas quatro rodas.
Para os discos foram 4 outboard flutuantes projetados e fabricados por nós mesmos em aço inox martensítico série 400 cortados a laser e com botões de flutuação em alumínio aeronáutico série 7.
Os cilindros-mestre utilizados em substituição aos Wilwood utilizados no E2012 foram dois cilindros com diâmetro de pistões diferentes para compensar a transferência dinâmica de cargas, um para a dianteira e outro para a traseira, da marca Tilton Racing, a diferença desses cilindros é que eles tem fixação por pivotamento traseiro e são bem compactos, permitindo assim a diminuição da frente do carro. Para curiosadade esses cilindros mestre são os mesmo utilizado nos Dallara Fórmula 3.
O balanço de frenagem dianteira/traseira pode ser ajustado via barra de balanço (também da marca Tilton Racing), distribuindo maior frenagem para o eixo traseiro ou dianteiro dependendo da situação, muito utilizado em situações de chuva ou para ajustar pela preferência de cada piloto.
Cilindro Mestre Tilton Racing
Finalmente as linhas de freio são todas EATON Aeroquip confeccionadas em Teflon e revestidas por malha de aço inox, elas evitam a expansão da linha e tem eficiência elevada.
O pedal de freio roletado anteriormente confeccionado em chapas de aço cortadas no laser e soldadas agora foi confeccionado em chapas de alumínio aeronáutico série 7 cortadas em jato de água, casa de rolamento usinada em alumínio série 6 com apoio do pedal em fibra de carbono também cortada na água. A união das partes fica por conta de adesivos de alta resistência.
Antes que vocês façam cara de espanto quanto a isso, já digo também que nossa coluna de direção e balancins dos amortecedores também são colados, tudo foi projetado e testado em laboratório e campo. Aviões utilizam fixação por adesivos em larga escala e o Lotus Exige tem quase todo seu chassi colado dessa mesma maneira.
Pedal de freio e rockers (balancins) dos pull rods, todos os componentes são unidos por cola — separadamente é claro. Só não me perguntem por que alguém colocou eles nessa forma de borboleta…
O banco foi fibrado em Kevlar, o molde para confecção do mesmo foi feito em cima de um modelo de isopor de alta densidade esculpido por nossas próprias mãos e com o formato de nossas próprias costas. A larga utilização do Kevlar no carro é devido a esse material ser um bom isolante elétrico, o que atende nossas adequações perante nossa regra em comparação à não isolante fibra de carbono.
Algumas peças fabricadas no corte por jato de água: rockers, capa do motor em policarbonato, shields dos contatos das baterias e pedais.
Carenagem, Aeropackage e Aerodinâmica
Uma das mudanças mais cruciais e significativas desse projeto, além da migração para rodas aro 10″ foi a implementação de um pacote aerodinâmico composto de asa dianteira e traseira.
Resolvemos adotar o pacote aerodinâmico após várias simulações em programas computacionais, simulando se a asa compensaria no nosso caso que o veículo não atinge altíssimas velocidades devido à pista travada. E chegamos a solução que sim, faria diferença usar as asas.
Para compensar as baixas velocidades quando comparado a outras categorias de fórmula, os veículos de FSAE precisam utilizar asas maiores que as convencionais, por isso é comum termos carros que mais se parecem asas com um carro acoplado.
Além disso o projeto deve focar o melhor downforce sem que haja um drag acentuado, principalmente no caso dos elétricos que sofrem bastante com o consumo de energia na prova de enduro (fato que nos fez não utilizar as asas em 2014 nos EUA e que será melhor explicado num próximo post onde mostraremos nossa estratégia de competição nos EUA).
Elas são confeccionadas em fibra de carbono com side plates em honeycomb, todas as fixações são por meio de tubos de fibra de carbono e ball joints, com esticadores de cabo de aço, para permitir a regulagem da asa no carro há ainda opções de alteração no grau de ataque da asa traseira.
Modelo da carenagem do E2013 em isopor
Outra característica primordial quando se faz um carro com pacote aerodinâmico é que as cargas suportadas por componentes da suspensão, por exemplo, agora sofrerão muito mais devido ao downforce, sendo assim todas as peças devem ser simuladas e projetadas já levando isso em conta, assim como todo o projeto de freios que agora será afetado pelo drag e pelo downforce, alterando as cargas do veículo em função da velocidade.
No Brasil ainda há muita especulação à respeito do não funcionamento do pacote aerodinâmico, dizendo que seria um componente meramente estético. Contra esse tipo de argumento a equipe Unicamp E-Racing conta com todos os dados de simulações virtuais e reais provando a melhoria que ele traz, e na minha humilde opinião posso dizer que ao pilotar o carro com e sem pacote aerodinâmico a saída de frente melhora da água para o vinho, a asa dianteira faz uma diferença imensa, permitindo abaixar os tempos de volta.
Outro ponto é que a maioria dos grandes vencedores mundiais utilizam-se da asa há anos, e as 3 primeiras colocações da prova de Autocross no Brasil (nosso sprint de 1 km) foi coincidentemente dos 3 carros que tinham pacote aerodinâmico, sendo o terceiro melhor tempo do nosso veículo elétrico, ficando atrás de 2 veículos a combustão de grandes equipes brasileiras. Foi muito difícil decidir não utilizá-las nos EUA, mas mostrou-se mais tarde a mais sábia das decisões.
Quanto à carenagem, fizemos um modelo usinado em isopor de alta densidade ela é feita em diversas seções e colada, com esse modelo foi feito um molde em fibra de vidro após acabamento no isopor, e o produto final foi fibrado em Kevlar por ser um material isolante, se adequando às regras de nosso regulamento.
Etapa de acabamentos da carenagem do E2013, ainda era possível a visualização da carenagem de Kevlar em sua cor original antes de ter as rebarbas retiradas e ser plotada
Na lateral do carro a parte preta que vocês podem ver é um tecido utilizado no meio aeronáutico, que é colado e esticado com soprador térmico e depois pintado.
O bicampeonato nacional e internacional, e o acidente
Como comecei o texto enfatizando nossas dificuldades para preparar o E2013 para a competição brasileira de 2013 contarei, a maior dificuldade que tivemos a seguir, e no afinal apresentarei as conquistas do protótipo.
Duas semanas antes de enviar o E2013 para a competição americana de 2014, houve uma quebra do cubo de roda dianteiro direito, de alumínio aeronáutico. A análise da peça mostrou que por fadiga uma trinca iniciada no encosto do rolamento se propagou, gerando a falha catastrófica. Peças em rotação submetidas a tensões cíclicas altíssimas estão propensas à fadiga, nosso projeto previa isso, mas após 160km de testes vários incidentes podem ter gerado essa trinca, como uma batida forte num cone, como também ela pode ter surgido naturalmente pela solicitação.
Todos os sistemas de segurança foram eficientes e nada aconteceu ao piloto.
Numa correria doida conseguimos projetar uma nova peça, reforçando a região e alterando a geometria do projeto para suportar mais cargas daquele tipo, foi mandada para usinagem e montada no carro apenas 2 dias antes do carro ser enviado. O resultado disso vocês verão a seguir.
Em 2013 antes do acidente, no Brasil, obtivemos os seguintes prêmios:
1º Lugar Geral – Categoria Elétrico
1º Lugar – Apresentação de Projeto
1º Lugar – Prova de Custos
1º Lugar – Apresentação de Marketing
1º Lugar – Aceleração
1º Lugar – Skid Pad
1º Lugar – Autocross
1º Lugar – Endurance
Após o acidente e após muitos testes e validações, é com muito orgulho que apresentamos nossas colocações no segundo campeonato de Fórmula SAE elétrico FSAE West Lincoln-NE, onde conquistamos nosso bicampeonato e trouxemos para o Brasil novamente o troféu de campeão:
1º Lugar Geral – Categoria Elétrico
2º Lugar – Apresentação de Projeto
1º Lugar – Prova de Custos
3º Lugar – Apresentação de Marketing
1º Lugar – Aceleração
1º Lugar – Skid Pad
2º Lugar – Autocross
1º Lugar – Endurance
1º Lugar – Eficiência Energética
O E2013 após a premiação em Lincoln, bem mais peladinho que no Brasil, sem carenagens laterais e pacote aero
Quero agradecer mais uma vez todos os patrocinadores, amigos, familiares e membros da Unicamp E-Racing e da FSAE Unicamp (equipe de fórmula combustão da qual fiz parte também 5 anos), que tornaram isso possível, os dias de trabalhos incansáveis farão para sempre parte de nossas vidas, assim como as amizades, momentos de descontração e nossas conquistas. No próximo post contaremos melhor sobre a parte elétrica/eletrônica/telemetria desenvolvida no veículo.
Já aproveito essa deixa para convidar a todos a prestigiar a competição brasileira dias 17 a 19 de outubro no Esporte Clube Piracicabano de Automobilismo, onde apresentaremos uma evolução de tudo que foi contado até agora e vocês poderão ver em primeira mão como aprimoramos o E2013 em um protótipo que acreditamos ser ainda melhor que os dois anteriores para a esperada competição de 2014. Obrigado a todos que tiveram paciência de ler até aqui, espero que tenham gostado. Curtam também nossa página no Facebook para dar uma ajuda e acompanhar as notícias da equipe. Até o próximo post!
Da esquerda para a direita: o E2012 que permaneceu montado, o F2013 do FSAE Unicamp Combustão,e o novo campeão E2013 ainda com a carenagem gordinha e asas
Por Walace Giallonardo, Project Cars #99