Olá Galera do Flat Out, meu nome é Eduardo Pantoja, sou de Leme SP, uma cidade pequena do interior do estado, autor do Project Cars (Bikes) da Suzuki GT550 Cafe Racer. Neste projeto vou contar a história da construção de uma Suzuki GT550 ano 1974, em uma moto estilo Cafe Racer.
Este projeto foi bastante trabalhoso, porque a moto já não tinha quase nada de original da GT550 para contar a história, apenas o motor e as coisas ruins dele, como alimentação, ignição e gerador de energia. A moto já havia sofrido uma customização drástica e havia sido totalmente descaracterizada, porém sem atacar seus pontos mais críticos. Este fato me ajudou na decisão entre restaurar ou customizar, pois se ela possuísse mais elementos estéticos e ciclísticos originais, talvez tivesse optado pela restauração e melhorias pontuais.
Hoje temos como itens originais apenas tanque e motor. Todos os demais componentes foram fabricados ou adaptados para o projeto. O quadro foi cortado e refeito na sua parte posterior, recebendo bateria, o reservatório de óleo 2T e toda a parte elétrica. Também foram refeitas as suspensões, os freios dianteiros, mesas, guidão, comandos, pedais, velocímetro, toda a fiação, banco e rabeta (que abriga o reservatório de óleo dois tempos), etc. A carburação foi substituída por outra mais moderna, a antiga ignição (os malditos platinados!) foi substituída por CDIs eletrônicos, o alternador com escovas foi trocado por um sistema moderno com volante magnético. Enfim, uma moto nova com cara de vovó, de cabo a rabo. Hoje estamos em fase final de melhorias e ajustes. Aliás, estou achando que essa fase final jamais termina… será?
Suzuki GT550 original de fábrica.
Esta história começa bem longe, ainda na década de 80 e, para contar este projeto terei de contar um pouco da minha adolescência, pois ela não é apenas uma moto, e sim um sonho de adolescente realizado.
Sempre fui apaixonado por motos; meu quarto tinha uma parede forrada com cartazes de motos da revista Motoshow, rivalizando com outra parede de posters de rock da extinta SomTrês. Típico quarto de adolescente na época, com um rack onde eu encaixava a gaveta do tape Bosch Rio de Janeiro (do irmão) caixas de som e muita bagunça. Quando chegava da escola, ficava horas ouvindo minhas fitas K7 de rock e metal, e admirando as fotos de Eddie Lawson, Kevin Schwantz, Randy Mamola, Wayne Gardner, Sito Pons e tantos outros deuses das duas rodas. Era questão de tempo para conseguir minha própria moto, aquilo era um sonho. Como não havia a menor possibilidade de minha mãe me dar uma moto, tanto pela grana quanto pela minha idade, cerca de quinze anos, o jeito era trabalhar.
Entre vários empregos de ajudante que tive nessa época, um deles, no ano de 1990, já com 18 anos e minha RD125 comprada, foi em uma oficina de motos, que ficava a uma quadra de casa. A Casa das Máquinas pertencia ao hoje amigo Marcelo Higashi, um cara muito louco e criativo, um cara que reunia ao seu redor uma galera “da pesada” (hoje melhoraram muito). Todos apreciavam um bom rock, do clássico ao punk, tinham motos, curtiam corridas, armas, faziam carrinhos de rolemã, faziam bombas, bazucas caseiras, enfim, aprontavam pra #$%#$@&*.
Eles eram o puro desespero dos pais. Já tinha uma tendência pro lado negro da força, meus amigos com suas bandas de thrash metal apenas acenderam o pavio. Era cabeludo, transgredia umas regras básicas da sociedade, então foi meio tranquila a convivência com aquele ando de malucos (em compensação, a convivência com resto da sociedade era bem turbulenta), era só tomar cuidado pra não falar besteira, pois eles eram mais velhos e tinham mais experiência, e qualquer deslize era fatal, virava apelido e zoação à longo prazo (o que é bullying mesmo?! Sem mimimi, antes era pior!).
Nessa oficina sempre apareciam umas motos muito loucas, totalmente fora das normais — e com customizações bem legais. Lembro-me de algumas: Kawasaki 400, Montesa 360H6, Suzuki GT380, RD350 (antiga), Agrale WXT, umas CB “envenenadas”, algumas Four, uma Harley Davidson 1969 do amigo Fabião Monstro, entre várias outras. E havia uma GT550 que praticamente morava na oficina. Digo praticamente porque, o dono dela, hoje meu amigo Joelson Macarenco, já tinha um Passat Pointer GTS, e como a GT pedia constantes regulagens nos (três) platinados, nos carburadores, além das constantes perdas de carga de bateria (o alternador com escovas dela não é dos melhores), ela ficava lá na oficina, e o Joelson passava pegar quando queria dar umas voltas, e depois trazia de volta, sempre com alguma coisa para ser ajustada.
Essa moto já estava com o Joelson desde os seus 18 anos de idade, resultado de uma troca em 83 por um Fusca 1300 azul que seu pai havia lhe dado (Fusca azul era muito careta, segundo suas palavras) e numa vinda à SP, passou em frente a uma quitanda, viu a GT, ofereceu o Fusca pro Japonês dono da quitanda, que aceitou a troca (porque será?) “na orelha”, como se diz na gíria quando não há acerto em dinheiro, e voltou com ela pra Leme.
Joelson Macarenco com sua GT550, já depois de uma leve customizada, na década de 80…
O ronco do motor dessa moto era algo impressionante, conseguia fazer todos as outras motos parecerem comuns, sem graça. Rivalizava apenas com as “Honda Four” e a recém-lançada RD350LC, mas mesmo assim, conseguia ser mais agressivo, mais agudo, lembrava um carro de corrida. Era um escape 3×1 que, apesar de ser totalmente contra o princípio das 2T e sua necessidade do escape ser complemento da câmara de combustão (como já explicado aqui no FlatOut), ele tinha um ronco magnífico. Fiquei louco por aquela moto, passava dias e dias decorando cada detalhe dela.
Nessa época já havia conseguido comprar uma RD125, que andava de escape WACs, com cara de bandida, aros pretos, sem retrovisor, piscas, placa… Era só dor de cabeça com a lei. Acabei arrumando outros empregos, a vida segue, tive uma DT180, passei a frequentar a oficina por amizade, quase que semanalmente, mas não havia possibilidade de ter aquela GT550 pra mim. Era algo raro, e caro.
Um dia cheguei à oficina e vi a moto inteiramente desmontada. O Joelson, já cansado da mesma aparência da moto e de seus constantes problemas decidiu, junto com o Higashi, fazer uma customização radical, uma modernização da moto. Lembro que acompanhei bem de perto todo o trabalho, e que ele foi bem lento. Nessa época, não havia internet ou celular, não havia muitas coisas além de algumas revistas para basear o projeto. Sem falar na escassez total de peças e acessórios, deveria ser usado o que fosse possível encontrar e comprar. Foi um trabalho muito difícil e que, na época, foi extremamente elogiado por todos que acompanharam. O Higashi colocava um som do The Clash, Pink Floyd ou The Doors, usava seu incenso inspirador e ficava viajando nos desenhos, debruçado em papéis e caneta, e depois começava a construção. Era uma mecânica romântica, garagista.
Suzuki GT550”H” do Higashi, uma das poucas fotos da época.
Após um longo período de transformação, com muito trabalho, a moto ganhou uma suspensão monoshock na traseira, com freios de discos duplos à frente e disco simples atrás, com um design moderno, agressivo, mesmo com aro 19’ dianteiro e 18’ traseiro, fato que não ajudava na esportividade. O Higashi fez uma jogada de amarelo na roda atrás e só nos discos na frente, e conseguiu inverter a impressão de tamanho das rodas. Cortou um dos raios da roda, transformando o X em Y, mudou muito. Não havia nada parecido com isto na época. O tanque veio de uma CB400 e foi cortado e afinado. As laterais e rabeta foram feitas primeiro em papelão, depois em chapas de aço, vindas de portas de Fiat 147 e tetos de Kombi, dos ferro-velhos. Na hora de fazer as chapas curvas valeu a experiência com as montagens dos brinquedos do verso das caixinhas de Sucrilhos!
A moto melhorou em ciclística, design, conforto… mas não houve mudança alguma nos principais problemas. O alternador continuava lá, os platinados continuavam lá, os carburadores (cansados) continuavam lá… não havia muito que fazer com os itens disponíveis na época. E ela ficou sendo usada (cada vez menos) pelo Higashi, com raras visitas do Joelson. E assim permaneceu, por cerca de dez anos.
Chegamos em 2002, época em que eu já estava morando e trabalhando fora, havia terminado a faculdade, só voltando para casa aos finais de semana. Numa dessas festas, na minha casa, aproveitando uma viagem da minha mãe, estávamos conversando sobre motos, quando o Joelson comentou que iria vender a Suzuki. O mundo parou por alguns segundos, foi como se o mundo todo tivesse congelado à minha volta. A GT550 poderia ser minha! Voltei à vida e discretamente, sem demonstrar interesse (pelo menos tentando), perguntei quanto ele queria pela moto. O valor foi R$3.500,00. Era algo razoável à época, mas não tinha essa grana de uma vez. Ofereci pagar em seis parcelas, ele aceitou, e comprei a moto! Momento sensacional, peguei a chave, fui até o terraço e liguei a moto, fui dar um volta pela cidade, feliz da vida! Lembro até hoje o caminho que eu fiz. Mas a volta tinha que ser rápida, pois além dos problemas dela, o documento estava atrasado há alguns anos… mas, enfim, a moto era minha!
No dia seguinte, depois daquela euforia, só me restava acordar cedo, lavar a moto pra ficar mais bonita (e na verdade a aparência não melhorou nada com a lavagem), dar umas voltas e curtir. Mas… curtir como? A moto não era tão legal de rodar. Morria constantemente, era ruim de ligar no pedal, a partida elétrica estava inoperante… enfim, veio àquela sensação de alegria e desânimo, misturadas. Mas era minha, e isso era o mais importante. Então, decidi que eu iria reformá-la, e deixá-la totalmente funcional.
E lá fui eu para a oficina do Higashi, para desmontar a moto toda. Trocamos os rolamentos, as bielas, os pistões, os retentores… fiz retífica, mudei a bateria de lugar e aumentei a capacidade, mudei o reservatório de óleo, pedaleiras… gastei uma grana! Foram uns nove meses nessa reforma. E adivinhem! Os problemas continuaram lá! Lógico, ela tinha problemas em itens funcionais, carburadores gastos, corroídos, alternador ineficiente, três platinados que desregulavam a toda hora, bateria que não carregava direito por causa do alternador…
Resultado, um ano depois e quase sem ter andado na moto, eu vendi a moto pelo mesmo preço que paguei. Com dor no coração. Mas sentia que nossa história não havia acabado. Sempre me lembrava dela, das horas inventando soluções, mexendo, montando, alinhando, cortando… Lembrava-me da primeira partida depois da retífica…
Pois em 2014, após eu ter restaurado uma TDR180 para um amigo, e uma RD350LC 1988 para mim, meio que sem querer, eu encontrei o cara que estava com ela, parada num canto da garagem há anos, e então comprei a GT de volta. Ela estava praticamente com a mesma aparência que tinha quando vendi, porém já estava bem detonada.
E agora sim, senhores! Começamos o projeto Cafe Racer!
Suzuki GT550”H” no dia da recompra. Ela era muito louca em 1990, não?
Após essa longa apresentação formal, o projeto Cafe Racer propriamente dito começará no próximo capítulo…
Obrigado e abraços.
Por Eduardo Pantoja, Project Cars #330