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Pensatas

Qual será o impacto das multas na economia popular?

No final de 2021, quando fizemos as nossas resoluções de ano novo, eu disse que pretendia apenas dirigir mais. Curtir mais meu carro, as estradas, o tempo ao volante, o prazer de dirigir. A matéria sobre as resoluções do ano novo só sai semana que vem, mas posso adiantar que coloquei em prática meu plano e coloquei mais uns milhares de quilômetros no odômetro do carro.

Eu realmente curti mais meu carro, as estradas, a paisagem, o tempo ao volante e as reflexões que a gente sempre acaba fazendo quando se viaja sozinho. Só que eu também acabei recebendo algumas multas – logo eu, que passei os últimos seis anos sem um mísero ponto na carteira. Foram três multas, daquelas de até 20% acima do limite, o primeiro “nível” do excesso de velocidade. Aquela para pegar motorista preocupado em dirigir, e não em acertar a velocidade do radar.

Tudo bem, as regras do jogo são essas. Eu aceitei quando me habilitei para conduzir automóveis e acho uma troca justa para poder dirigir em um ambiente minimamente controlado. O valor das multas também é razoável. Afinal, eu trabalho e faço parte dos 30% da população que ganha mais de dois salários mínimos. Pago sem muito prejuízo pessoal.

E aí, entre os radares e o sol baixando atrás da serra, eu me pus a pensar sobre os R$ 400 ou R$ 500 de multas que eu terei de pagar. E me pus a pensar em como os 70% da população que ganham menos de dois salários mínimos lidam com isso. E aí eu estendi o raciocínio para uma conta rápida: se 1% dos motoristas brasileiros forem multados como eu fui, quanto dinheiro será arrecadado?

O Brasil tem 74.000.000 de motoristas. 1% disso são 740.000 motoristas. Se cada um deles pagar R$ 500 por ano, são R$ 370.000.000 que saem dos bolsos dos motoristas para os cofres públicos, das três esferas do governo.

Resistindo à tentação de falar sobre a ineficiência do estado, da destinação obscura do dinheiro das multas e tudo mais, pensei em uma outra questão sobre o dinheiro das multas: estes R$ 370.000.000 deixariam de ser usados para pagar produtos e serviços. Eles seriam pagos obrigatoriamente ao Estado, que já se sustenta com impostos e taxas, e deixariam de circular no mercado. Afinal, o dinheiro das multas só pode ser usado para produzir mais multas ou bancar campanhas de educação para o trânsito.

Então eu fiquei me perguntando: qual será o impacto das multas de trânsito na economia?

Eu esperava encontrar uma resposta para isso, mas parece que ninguém se preocupou em realizar um estudo sobre este impacto. Há estudos sobre o impacto das multas na vida dos mais pobres, e estudos sobre o impacto dos acidentes na economia, mas não encontrei estudos sobre o impacto que o dinheiro pago ao Estado em forma de multas causa na economia devido a uma hipotética redução do consumo de produtos e serviços.

Em países ricos isso não é um grande problema, afinal, o que mede a riqueza é justamente a produtividade; se o país é rico, ele tende a ser produtivo. E se ele é produtivo, sua economia não é impactada negativamente em grande escala por nenhum motivo.

Mas estamos em um país eternamente em desenvolvimento. Um país cuja produtividade está estagnada há 40 anos. Onde 70% da população não recebe mais de R$ 2.300 por mês, e onde a multa de trânsito mais barata custa quase 10% do salário mínimo. E também um país onde a suposta “indústria da multa” virou discussão no Senado Federal.

O meu exemplo do 1% dos motoristas pagando R$ 500 em multas por ano é quase ingênuo. Só na cidade de São Paulo, nas vias municipais, a receita com multas de trânsito passou o bilhão de reais em 2020. Só na cidade de São Paulo, somente nas vias municipais. Na conta não entram as rodovias que cortam a cidade. Nem as infrações que são geradas para o Estado, como aquelas por não indicar o contudo em carro de empresa, ou por não atualizar o cadastro do carro em caso de transferência.

Agora pense na seguinte situação: 50% desse bilhão de reais injetados diretamente na economia popular. Pessoas gastando R$ 200 da multa na lojinha da Dona Judith, no café do centro ou em uma sessão de quiropraxia.

Não parece muito, afinal, o PIB da cidade de São Paulo é 700 vezes maior que este bilhão das multas. Mas a economia é escalar: você recebe R$ 1 e consegue gerar múltiplos de R$ 1 em produtos e serviços pelo reinvestimento. Então esse bilhão que deixa de circular no mercado, tem potencial para gerar múltiplos bilhões. E estamos falando só da cidade de São Paulo.

Um exemplo de como esse valor é significativo: a Fórmula 1 em São Paulo, em 2021, movimentou R$ 1.370.000.000, com retorno em impostos de “apenas” R$ 206.400.000.

Nas rodovias federais há outro bilhão “tirado” do mercado: em 2018 a arrecadação somente com radares de velocidade foi de R$ 936.000.000. Em 2020 o número caiu para R$ 340.000.000, mas houve uma redução drástica no fluxo de veículos devido às quarentenas daquele ano.

Mesmo assim, estamos falando de R$ 2.000.000.000 somente na cidade de São Paulo e nas rodovias federais. Cada capital e região metropolitana do Brasil tem potencial para outra centena de milhões de reais de arrecadação com multas, de forma que é fácil encontrar um outro bilhão nessa conta. Em Belo Horizonte, por exemplo, a arrecadação anual com multas gira na casa dos R$ 80.000.000.

E se dois ou três bilhões parecem pouco perto de um PIB de trilhões de reais, saiba que o Banco do Brasil, que atua em todo o Brasil, lucrou R$ 3.000.000.000 no primeiro trimestre de 2022. Ou seja: radares lucram 1/3 do lucro anual de um banco público, que auxilia o desenvolvimento econômico do país.

É claramente uma distorção da função da fiscalização ao ponto de que há evidentemente um potencial prejuízo à economia popular. Produtos deixam de ser comprados, serviços deixam de ser prestados e o dinheiro deixa de circular para cair nas mãos do Estado, que não pode usá-lo para otimizar a educação e a saúde pública, nem subsidiar a formação de condutores, tampouco investir na infra-estrutura de transporte.

E há outra questão: estamos diminuindo o número de acidentes graves e fatais há anos, mas a arrecadação vem batendo recordes nesse mesmo período. Ou seja: mais pessoas estão cometendo infrações e mesmo assim o trânsito está mais seguro.

É evidente que a fiscalização já deixou de coibir apenas o comportamento de risco para ser aplicada a situações corriqueiras, sem risco, mas que atravessam o binarismo burro das máquinas de multar, incapazes de avaliar o risco real como faria um agente humano de fiscalização. Só que o aumento da arrecadação é percebido como algo positivo, afinal, um Estado rico pode fazer mais pelos cidadãos pelos quais ele existe.

Mas o crescimento contínuo da arrecadação fatalmente irá impactar negativamente a economia. As pessoas terão de escolher entre pagar multas ou pagar por produtos e serviços. Em um país tão sensível economicamente, isso é uma tragédia anunciada.


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