Nos parece que os entusiastas andam mais tolerantes em relação a projetos “frankenstein”. Ver um clássico modificado ao extremo com um conjunto mecânico completamente diferente do original, de outra marca, com outra proposta, tem ficado mais frequente. A impressão é que uma Ferrari com motor V8 americano ou um Toyota GT86 com motor Ferrari não estão sofrendo tanto linchamento virtual assim.
Mas será que a gente está preparado para um Jaguar E-Type frankensteinizado? Um exemplar com carroceria widebody, chassi tubular, rodas BBS e um motor Wankel sob o capô? Vejamos.
Se você é do tipo que acompanha a cena de carros modificados internacional, provavelmente já topou com algum trampo de Pipey McGraw por aí. Em sua conta no Instagram ele mostra os projetos da sua oficina, Muttley Racing.
O último projeto a ficar pronto antes do Jaguar foi um Volkswagen K70 (modelo lançado em 1970 que foi o primeiro Volks com motor arrefecido a água da história), montado sobre o monobloco de um Passat W8, que tem um motor de oito cilindros e quatro litros. Já deu para sacar que o cara não é exatamente convencional, não é?
Dito isto, a história deste E-Type começou há algum tempo: em abril de 2016, Pipey dirigiu quase 1.800 km por um dia e meio, do sul da Inglaterra ao norte da Escócia, para ir buscar a carroceria de um Jaguar que havia sido importada dos EUA. Se serve de consolo, era a carroceria de um E-Type 2+2, com entre-eixos mais longo e carroceria com caimento mais abrupto no teto, a fim de abrir espaço para a cabeça dos passageiros que iam atrás. O resultado é uma silhueta menos delicada e, por conta disto, o E-Type 2+2 não é tão valorizado quanto os cupês de dois lugares ou mesmo os roadsters. Aliás, vale lembrar que o Jaguar E-Type foi lançado como um esportivo relativamente acessível no mercado em 1961, e que teve mais de 71.000 exemplares fabricados ao longo de 14 anos e três séries distintas.
De qualquer forma, o provável destino desta carroceria de E-Type seria o desmanche ou a venda em peças, pois tratava-se de uma restauração antiga já abandonada pela metade. O carro tinha até perdido as lanternas traseiras originais e o dono havia começado a adaptar lanternas circulares vindas de uma Ferrari. Não havia chassi, motor, nem nada: só a carroceria, mesmo.
Assim, foi preciso adaptar um chassi. A busca era por um chassi tubular de Caterham, já com suspensão independente e espaço para o motor pretendido: um Mazda 20B, vindo de um sedã Eunos Cosmo. O motor de dois litros com três rotores (cada um deles deslocando 654 cm³, para um total de 1.962 cm³) foi um dos primeiros da motores biturbo produzidos em série na história da indústria automotiva, e entregava nada menos que 300 cv e 41 mkgf de torque. Seria mais que os 250 cv e 26,8 mkgf do seis-em-linha de 4,2 litros original do Jaguar E-Type, mas Pipey queria mais. E, por isto, ele decidiu deixar de lado os turbos e converter o motor para uma preparação naturalmente aspirada.
No caso de um motor Wankel da Mazda, isto implica em mexer nos dutos de admissão, em um processo conhecido como bridge porting. Ele consiste na abertura de um segundo buraco na admissão do motor Wankel, deixando entre os dois buracos uma “ponte” de metal (daí o nome). Esta segunda abertura, que lembra uma sobrancelha sobre o duto principal, aumenta dramaticamente a admissão de ar para a câmara de combustão, o que ajuda o motor a “respirar” melhor, aumentando a eficiência da queima, o regime de rotações e, consequentemente, a potência.
Um trabalho bem feito de bridge porting, somado a modificações nos coletores de admissão e escape, conseguem elevar a potência de um motor Wankel em até 100 cv sem muita dificuldade. No entanto, há alguns efeitos colaterais: o motor fica mais áspero, mais beberrão e tem sua durabilidade inevitavelmente comprometida. É preciso encontrar o equilíbrio entre ganho de potência e conservação do motor.
No caso de Pipey, a potência estimada é de 400 cv, sem qualquer tipo de indução forçada. Foi justamente a alta potência específica dos Wankel que lhe chamou a atenção, afinal. Ainda mais considerando um motor de deslocamento tão baixo e fisicamente tão pequeno, que é capaz de girar a até 8.000 rpm sem muita dificuldade.
O número fica ainda mais interessante considerando que o carro recebeu um chassi tubular vindo de um kit car chamado Luego Viento, inspirado no Lotus/Caterham Seven, porém de tamanho mais avantajado e dotado de um motor V8 Chevrolet small block. Com braços triangulares sobrepostos nos quatro cantos e entre-eixos idêntico ao do Jag E-Type 2+2, isto é, de 2,7 metros, a estrutura coube quase perfeitamente e trazia espaço de sobra para o motor Wankel – este, em posição bem recuada para ajudar a distribuir de forma mais eficiente os estimados 750 kg do carro.
Pipey estima que cerca de 15 carros diferentes cederam componentes para seu projeto, que batizou de “RE-Type” (o “R” é de rotary egine, “motor rotativo”): o eixo traseiro veio de um Ford Sierra RS Cosworth, incluindo diferencial e freios traseiros; o radiador veio de um Chevrolet Camaro e o câmbio manual de seis marchas, de um Mazda RX-8. Os para-lamas traseiros são do Porsche 911 Turbo, e os dianteiros foram feitos sob medida para acomodar o novo jogo de rodas e pneus.
A julgar pelas fotos, reveladas há alguns dias por Pipey, a combinação de peças de vários carros não fica muito aparente ao ver o resultado: é preciso abrir o capô (que recebeu uma abertura convencional adaptada e não se ergue mais por inteiro, como originalmente é no E-Type) e olhar o motor Mazda para entender a salada feita aqui.
É o tipo de projeto que não agrada a todos, e sempre haverá quem diga que o melhor seria buscar a originalidade (ou a menos a fidelidade à Jaguar), mas Pipey diz que não teria bala na agulha para tal, e que de outra forma a carroceria do E-Type que ele comprou na Escócia acabaria por virar sucata de uma vez. E a gente nunca quer ver um carro virando sucata. O que você tem a dizer sobre este E-Type com motor Wankel?