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Car Culture

Será que a Honda trapaceou no recorde do Type R em Nürburgring?

Por muito tempo os recordes de volta em Nürburgring foram apenas uma modalidade de avaliação de carros esportivos pela imprensa alemã. Os jornalistas levavam carros como o Porsche 911, BMW M3, Ruf CTR entre outros ao traçado norte de Nürburgring, cronometravam uma volta rápida e, a partir disso, tinham uma medida de comparação dos esportivos no mundo real.

Nos anos 1990, contudo, a Nissan começou a usar os tempos de volta em Nürburgring como argumento de venda do Skyline GT-R. O resto, como dizem, é história — uma história que já contamos por aqui, aliás.

A importância real de se obter o recorde de Nürburgring – e como este feito ficou tão relevante

O fato é que hoje, em 2023, toda fabricante que deseja comprovar a superioridade de seus esportivos, coloca o carro para uma volta rápida no circuito. É uma forma de dizer que “o nosso é melhor que o da concorrência” sem dizer diretamente que o concorrente é inferior. O negócio se tornou tão corriqueiro que há uma série de categorias extra-extra-oficiais (já que não existe uma categorização oficial) como “veículo de luxo mais rápido” ou “SUV mais rápido” ou “esportivo de motor dianteiro mais rápido” ou ainda “hot hatch mais rápido”.

Os hot hatches foram os primeiros a se subcategorizar, afinal, a maioria deles tem tração dianteira e mal chegaram aos 400 cv. Um destes jamais seria recordista de alguma coisa em Nürburgring Nordschleife, mas em um ranking de hot hatches eles podem se destacar. A briga começou há exatos 15 anos com a Renault e hoje também envolve o Grupo Volkswagen e a Honda. Os japoneses, aliás, são os atuais recordistas: o novo Civic Type R, aquele que finalmente será vendido no Brasil, completou a volta em insanos 7:39,691 (ou 7:44,881 no traçado de 20.832 metros).

A disputa em Nürburgring Nordschleife, contudo, tem um outro lado. Como um recorde é um valioso argumento comercial, um agregador de valor ao esportivo — e como os recordes não tinham um regulamento oficial até 2019 — alguns recordes foram questionados publicamente, suspeitos de algum tipo de artimanha para obter vantagens na volta. Quando um carro “de rua” vai ao Nordschleife, o público espera que ele seja igual ao carro vendido na loja, algo que você possa comprar para fazer igual. Mas nem sempre foi assim. Já vimos uso de pneus especiais e configurações nunca oferecidas ao público, gaiolas de segurança e até vídeos editados.

Felizmente, em 2019 os operadores do complexo de Nürburgring instituíram um regulamento para organizar as tentativas de recorde e oficializar os tempos — afinal, isso é algo que interessa a eles também. Os carros são até mesmo inspecionados por engenheiros convidados pelos operadores para atestar se o carro é suficientemente “de rua” ou se ele exagera na interpretação do que é um carro de rua. Desde então as trapaças foram coibidas, mas não impossibilitadas. E a mais recente delas pode ter acontecido no mais recente recorde do circuito, o do Honda Civic Type R.

Em um primeiro momento, o Civic Type R é um carro que não levanta suspeitas. Afinal, ele historicamente quebra recordes de tração dianteira em vários circuitos em todo o mundo — Nürburgring, inclusive. Mas essa idoneidade presumida não resistiu a uma análise mais aprofundada por entusiastas de Nürburgring e do Honda Civic Type R .

Misha Charoudin, o famoso YouTuber/locador de carros especializado no circuito encontrou alguns questionamentos sobre o recorde em suas redes sociais e, ao avaliar estes questionamentos, levantou suspeitas sobre a originalidade do Type R do recorde. Para ser mais exato, Misha suspeita que a Honda modificou a relação de marchas e a pressão máxima do turbo.

Quem chamou a atenção de Misha foi um usuário do instagram identificado como Midship Crisis, e ele pontuou que o carro do recorde aparenta ter uma relação de quinta e sexta marchas muito mais curta que a do carro de rua. As evidências disso estão em outros vídeos de voltas rápidas em Nürburgring a bordo do atual Type R — Misha menciona especificamente o onboard gravado pelo site francês L’Argus, no qual o piloto usa a sexta marcha somente em um momento, na aproximação da Schwedenkreuz.

Além disso, a luz de alerta de troca (shift light) leva algum tempo para acender, pois a sexta atua como um overdrive, na prática. O mesmo comportamento é observado nos carros testados nas autobahnen — o motorista atinge a faixa vermelha em quinta marcha, mas a luz acende apenas após alguns instantes.

Nos carros dos demais vídeos, troca de quinta para sexta marcha no limite, leva a velocidade do motor de cerca de 6.900 rpm para a região das 5.500 rpm. Infelizmente a Honda não exibiu os instrumentos do Civic no vídeo e o volante cobre a parte mais alta do gráfico de rotações, o que nos impede de ver a barra do conta-giros além das 5.500 rpm.

Os vídeos também mostram que a velocidade máxima da quinta marcha é 235 km/h nos demais Type R, mas no carro do recorde a troca de quinta para a sexta marcha é feita a 229 km/h — o que pode indicar uma redução de 2,5% na relação da quinta marcha. Outra evidência de uma possível relação mais curta de quinta e sexta está no número de vezes em que o piloto da Honda usa a sexta marcha no vídeo do recorde — foram quatro vezes, incluindo setores onde normalmente não se usa a sexta marcha.

E mais: repare que as trocas de quinta para sexta, no carro do recorde, foram feitas a cerca de 228 km/h em duas ocasiões, a 234 km/h em uma delas e a 232 km/h na reta principal. Mesmo nas trocas em velocidades mais altas, as shifting lights já indicavam o limite de trocas pouco antes da troca em si, o que indica que o piloto segurou a marcha por um instante na faixa vermelha.

Além da suposta modificação na relação de quinta e sexta, há uma certa desconfiança sobre a pressão máxima do turbo. Um outro proprietário do Civic Type R, menciona que o aplicativo de telemetria da Honda, o LogR, indica uma pressão máxima de 23,8 psi do turbo (1,64 bar), com breves instantes a 24 psi (1,65 bar). Isso vai ao encontro da ficha técnica, onde a Honda divulga 23,3 psi (1,6 bar) de pressão máxima do turbo. A mesma pressão é observada no vídeo do L’Argus, que indica um pico de 1,5 bar (22 psi).

No painel do carro do recorde da Honda, contudo, é possível ver o mostrador indicando mais de 1,7 bar (24,65 psi) por longos períodos, com picos de 1,83 bar (26,5 psi) após as trocas de quinta para sexta — ou seja: uma pressão máxima 0,3 bar (4,3 psi) mais alta que a do carro vendido nas lojas.

A suspeita, portanto, é de que a Honda usou uma relação mais curta para a quinta e a sexta e ainda fez um mapa do motor com um controle de boost por marcha, liberando mais pressão dos turbos em quinta e sexta marchas, justamente quando o carro demanda mais potência para vencer a resistência do ar — e lembre-se de que o Civic Type R tem apêndices aerodinâmicos para produzir downforce — a asa traseira sozinha produz 25 kg a 200 km/h, por exemplo.

Um mapa de boost ajustado por marcha também permitiria uma calibragem do motor mais próxima do carro de série nas marchas baixas, evitando que ele parecesse muito mais potente e prevenindo o destracionamento nas saídas de curva — lembrando que o Type R é um carro de tração dianteira.

As evidências são claras, mas não podemos afirmar com certeza que a Honda realmente modificou o carro. Misha ainda traz outra questão que contextualiza a situação da Honda: o recorde entre os carros de tração dianteira até então era do Renault Megane RS Trophy-R, com 7:40,100. Segundo Misha, a Honda, depois de testar o Type R extensivamente em Nürburgring durante o desenvolvimento do carro, pode ter percebido que não conseguiria superar o tempo do Renault e, por isso, modificou sutilmente o carro do teste para conseguir baixar o tempo do rival em exatamente meio segundo.

Há um último detalhe sobre o carro do teste: ele é o protótipo de uma versão especial aliviada do Civic Type R, que será oferecida apenas na Europa, batizada Type R S Grade. As letras miúdas do comunicado à imprensa falam apenas em “versão aliviada”, sem mencionar modificações mecânicas. Isso, contudo, não significa que a Honda irá adotar relações mais curtas e maior boost/boost por marcha nesta versão. Para descobrir a resposta, teremos de esperar o lançamento desta versão S Grade ou uma manifestação oficial da Honda a respeito destes questionamentos.

Por outro lado, caso ele tenha sido mesmo modificado para uma leve trapaça, ainda há um lado positivo nessa história: o Type R tem uma cultura de preparação aftermarket muito forte e já tradicional, então a suposta trapaça, sem querer querendo, acabria mostrando o que um Type R “stage 1” é capaz de fazer na pista, não?


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