Para muitos entusiastas, o ronco, o cheiro e todas as sensações proporcionadas por um motor a combustão interna são parte fundamental de uma experiência ao volante prazerosa, divertida e envolvente. É provável que você pense assim, e a gente entende perfeitamente. Estamos juntos nessa.
Acontece que, bem, os carros elétricos – que, há não muito tempo atrás, soavam quase como um devaneio – já fazem parte da nossa realidade. Na Europa eles já são razoavelmente populares, a Tesla é vista por muita gente (especialmente entre os leigos o grande público) como o futuro da indústria automotiva, e até mesmo no Brasil, onde tudo chega depois, os elétricos começaram a ser vendidos.
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Do um ponto de vista entusiasta, talvez o melhor seja encontrar formas de preservar a diversão ao volante de um elétrico. E, sabe do que mais? Talvez a melhor forma de fazê-lo seja trazer de volta o câmbio manual.
Um gearhead do Canadá – onde o Mazda MX-5 Miata é barato e fácil de encontrar – decidiu parar de reclamar da invasão elétrica e, em vez disto, a usou a seu favor. Ele pegou seu próprio Miata, o converteu para rodar com eletricidade e, wait for it… colocou um câmbio manual nele. Algo que, por incrível que pareça, é perfeitamente possível.
No vídeo, o Youtuber britânico Clym Montgomery vai até o Canadá para conhercer o dono do carro, Michael DeVuyst. Ele é engenheiro aeronáutico e, desde o fim da década passada, quando foi lançado o primeiro Tesla Roadster, fascinado por carros elétricos. Ele já tinha um Miata e, em 2010, decidiu convertê-lo para rodar com eletricidade – e transformá-lo em sua própria versão de baixo custo do Tesla.
Para isto, ele usou um motor elétrico Warp 9, de modestos 34 cv, no lugar do motor 1.6 de 115 cv original do Miata. O motor é alimentado por seis baterias de chumbo posicionadas logo acima dele – elas são a primeira coisa que se vê ao abrir o capô.
Ao longo do vídeo, Michael fala de seu carro de maneira bastante apaixonada. Ele conta que, apesar de as baterias aumentarem o peso do Miata em cerca de 180 kg (!) e, em troca, oferecerem uma autonomia de parcos 35 km, o roadster continua divertidíssimo de dirigir. A massa extra na dianteira deixou a direção mais pesada, mas Michael garante que, no geral, a mudança não estragou o comportamento dinâmico do carro. E, apesar da pouca potência, a entrega de torque imediata e linear garante aceleração forte e ágil. E, embora não tenha medido a velocidade máxima do carro, ele afirma que poderia circular por rodovias tranquilamente – caso tivesse maior autonomia, claro. Dá até para deixar o semáforo cantando pneus, como demonstrado aos 8:05 do vídeo acima.
Para tornar o carro mais utilizável e eficiente, Michael pretende aproveitar as férias de verão no meio do ano para trocar as baterias de chumbo que estão no Miata por um conjunto de baterias de íon de lítio, iguais às que são usadas nos carros da Tesla. Com isto, Michael espera obter pelo menos o dobro da autonomia (ou seja, no mínimo 70 km) e reduzir o peso do carro em 130 kg, o que também vai beneficiar a aceleração do carro.
A maior questão, porém, é o câmbio manual. Michael conta que ele não é absolutamente necessário para que o carro ande – como um motor elétrico não “morre”, não é preciso ter uma embreagem. E, com a entrega de torque instantânea, não é preciso se preocupar com diferentes marchas para arrancar, rodar no trânsito ou pegar a estrada. Por outro lado, nada impede que um motor elétrico seja acoplado a um câmbio manual. Por outro lado, mantê-lo como parte da equação torna a experiência muito mais envolvente – só fica mesmo faltando o ronco do motor.
Michael diz que o uso dos três pedais e da alavanca de câmbio é completamente opcional: é preciso tirar o carro da posição neutra, claro, mas ainda é possível dirigir normalmente em qualquer uma das marchas.
E como isto é possível?
Jason Fenske, do canal Engineering Explained, conta que isto é possível porque, no fim das contas, tecnicamente é só ligar o motor elétrico ao volante do motor, exatamente da mesma forma que se faz com um motor a combustão interna. Teoricamente, é possível até mesmo usar as mesmas relações. Contudo, trata-se de um arranjo redundante, que só acrescenta peso e complexidade ao conjunto. Por isso a indústria não pensa em aplicá-lo – é quase contraditório, visto que um dos argumentos a favor dos carros elétricos é a simplicidade. E a transmissão direta também tem seu apelo para alguns.
Não é preciso sequer usar todas as marchas: pode-se escolher apenas duas (a primeira e a segunda, ou a terceira e a quarta, por exemplo) para conseguir dois modos de condução – uma mais econômico e suave, e outro mais veloz e violento, gastando mais eletricidade.
Por outro lado, com o câmbio manual, os carros elétricos podem ficar mais palatáveis para os entusiastas. Fenske argumenta que, do ponto de vista puramente racional, a própria transmissão manual não faz tanto sentido, pois existem transmissões automáticas e automatizadas mais eficientes e mais rápidas – o mote do câmbio manual atualmente é mesmo o prazer ao dirigir. Por que não aplicá-lo aos carros elétricos?
O Miata de Michael DeVuys, porém, é apenas o exemplo mais recente. Você deve lembrar que, há algum tempo, mostramos aqui no FlatOut uma Ferrari 308 – a mesma do seriado Magnum P.I. – que abriu mão do motor V8 de três litros por três motores elétricos. Além de entregar potência equivalente a 471 cv (o dobro da potência original), os três motores são acoplados a uma transmissão manual Porsche G50. Da mesma forma, a transmissão manual não é necessária para o funcionamento do carro, mas aumenta o envolvimento do motorista na condução e fornece certas nuances no desempenho.
Apenas quatro marchas funcionam, e cada uma delas altera a entrega de potência a seu modo, especialmente no momento da arrancada. A primeira marcha proporciona uma largada assustadora, de colar as costas no encosto do banco. A segunda marcha torna as coisas um pouco mais civilizadas, e a terceira marcha permite sair com o carro de forma silenciosa e calma. Qual delas você vai escolher? Depende do seu humor. Todas funcionam.
Outro exemplo, mais recente, é o Corvette elétrico da americana Genovation, chamado GXE. O carro trocou o V8 de 466 cv por dois motores elétricos com potência equivalente a 800 cv – mas manteve a caixa manual de sete marchas. Eles até tiveram o cuidado de limitar a rotação dos motores elétricos a 7.500 rpm, pouco mais que a redline de um V8 com comando no bloco, a fim de reproduzir com mais fidelidade a sensação de acelerar um Corvette tradicional.
Algumas fabricantes de componentes também já pensaram em alternativas à transmissão direta em carros elétricos. A Eaton, por exemplo, chegou a desenvolver uma caixa semi-automática de quatro marchas voltada especificamente para motores elétricos – embora não seja uma transmissão manual, ela mostra que há outros benefícios em colocar um câmbio em um carro elétrico.
Como cada marcha é voltada para uma situação específica – a primeira marcha possui relação mais curta, para largadas mais rápidas, a segunda marcha fornece uma arrancada mais suave e linear, e assim sucessivamente – o motor elétrico é sempre mantido o na velocidade ideal para cada situação, evitando desperdício de energia e superaquecimento.
Reiterando: estamos diante de uma provável revolução na indústria automotiva e na própria relação das pessoas com os carros. E é preciso aceitar que isto pode significar, sim, a onipresença de carros elétricos nas concessionárias e nas ruas. Já falamos sobre como é possível salvar alguns carros clássicos convertendo-os para rodar com eletricidade – e se pudermos adicionar o câmbio manual a esta conta, tanto melhor. Pense nas possibilidades!