A ideia de construir seu próprio carro é algo que certamente já passou pela mente de todo entusiasta – por que devemos nos contentar com os carros projetados e construídos por outras pessoas? A realidade bate à porta pouco depois: criar um carro do zero é extremamente difícil. E por isso é notável quando alguém consegue.
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Talvez isto até ajude a explicar a admiração que muitos nutrem pelos fora-de-série brasileiros, por exemplo: eram carros feitos aproveitando ao máximo o que se tinha à mão, mesmo que muitas vezes não fosse o ideal. E, com criatividade, determinação e talento, funcionava.
Mas estamos aqui para falar dos fora-de-série brasileiros – ao menos não hoje. Vamos falar de um fora-de-série norte-americano com sangue italiano: o Sinthesis 2000, que em 1970 encantou o Salão de Turim com suas belas proporções, suas formas limpas e harmônicas e o ronco de seu motor flat-four de dois litros e 160 cv, vindo do Lancia Flavia.
Seu nome é Sinthesis 2000, e ele foi imaginado, criado e construído em 1970 por um engenheiro mecânico (hoje aposentado) chamado Peter Giacobbi com a ajuda de um amigo muito especial – o designer Tom Tjaarda, famoso por assinar as linhas de carros como o Fiat 124 Spider, a Ferrari 330 GT 2+2 e, claro, o De Tomaso Pantera – que também foi lançado em 1970.
Peter Giacobbi trabalhava na Itália no fim dos anos 60, e sua profissão o colocava no mesmo círculo social de gente como Ferruccio Lamborghini, Giulio Alfieri (engenheiro da Maserati) e o próprio Tom Tjaarda. Segundo o próprio Giacobbi, certa noite ele e Tjaarda foram a um jantar e, depois de algumas taças de vinho, tiveram a ideia de construir um carro juntos. Um carro que fosse veloz com uma Ferrari – que, em sua visão, eram “caminhões de lixo muito rápidos” e não muito mais do que isto. Notou alguma semelhança com a motivação de Ferruccio Lamborghini em 1963?
No dia seguinte, Tom Tjaarda – ainda de ressaca, segundo Giacobbi – começou a trabalhar. Ele desenhou não apenas um rascunho, mas todos os elementos necessários para construir um molde em madeira para dar início à fabricação do esportivo. Depois, procurou Giacobbi para mostrar-lhe os planos.
Giaccobi, que realmente achava que tudo não passaria de um devaneio induzido pelo álcool, topou na hora. A ideia havia partido dele, portanto o carro seria dele – Tjaarda aparentemente só queria se ocupar depois de trabalhar no De Tomaso Pantera. Segundo Giacobbi, as linhas que Tjaarda desenhou eram perfeitas desde o início – e assim, ele podia se concentrar nos aspectos técnicos do carro.
O nome escolhido foi Sinthesis – porque o esportivo seria a síntese das influências italianas e norte-americanas de seus criadores. A própria grafia misturava as grafias italiana (sintesi) e inglesa (synthesis) da palavra. Mais tarde, Giacobbi adicionou o sobrenome 2000 Berlinetta, refletindo a capacidade do motor e a configuração da carroceria.
O Sinthesis foi projetado de forma a obter proporções tão harmônicas que seria difícil, olhando de fora, saber se o motor era dianteiro ou central-traseiro. Também deveria ter uma boa distribuição de peso e centro de gravidade baixo – além, é claro, de uma boa dinâmica. Assim, o carro tinha capô longo, vidros laterais traseiros “de verdade” (mesmo que só tivesse dois lugares, com o motor atrás dos bancos dianteiros) e uma traseira do tipo fastback. São 4,21 metros de comprimento, 1,65 metro de largura, 1,14 metro de altura e 2,43 metros de entre-eixos. É visível a influência do De Tomaso Pantera no design, mas o Sinthesis tem identidade própria.
A carroceria foi montada sobre uma estrutura tubular de aço, com arcos de roda estruturais e um subchassi na traseira para acomodar o conjunto mecânico. Giacobbi optou pelo motor flat-four do Lancia Flavia, originalmente com 1,5 litro de deslocamento, construção toda em alumínio e potência na casa dos 90 cv – e também por seu câmbio manual de quatro marchas. Ele foi o responsável por preparar o motor, projetando novos pistões, bielas, válvulas e virabrequim, aumentando a taxa. O deslocamento do flat-four foi ampliado para 1.991 cm³ e, com a a instalação de dois carburadores em vez de um só, além de um aumento na taxa de compressão, Giacobbi conseguiu elevar a potência para 155 cv.
A estrutura tubular garantia que o Sinthesis 2000 Berlinetta pesasse cerca de 1.000 kg – um número baixo o bastante para garantir o zero a 100 km/h na casa dos oito segundos, faixa bem próxima das Ferrari contemporâneas. Parte disto se devia também aos componentes de alumínio da suspensão, que era derivada do Lancia Fulvia. A diferença é que o Fulvia, que fez história nos ralis, tinha braços triangulares sobrepostos na dianteira e eixo rígido na traseira, enquanto o Sinthesis tinha o sistema independente por braços sobrepostos nas quatro rodas. O Fulvia também cedeu ao esportivo a caixa de direção.
De acordo com Giacobbi, cada componente do carro foi escolhido por ele – volante, instrumentos, comandos no painel, maçanetas das portas e faróis escamoteáveis. Embora também tenha se envolvido na construção, ele preferiu deixar o trabalho de construir a estrutura, fabricar a carroceria e juntar os dois com um time de especialistas italianos escolhidos a dedo. Para sua sorte, naquela época ele recebia em dólares e a taxa de câmbio do dólar para a lira era bastante generosa, lhe permitindo investir uma boa quantia nos melhores profissionais.
Como resultado, o Sinthesis 2000 Berlinetta saiu melhor do que o esperado. Apresentado no Salão de Turim de 1970, o carro levantou especulações de que se tratava de um novo lançamento da Lancia, devido ao conjunto mecânico. Segundo seu criador, o carro tem dinâmica excelente – plantado no chão ao contornar curvas, com um subesterço sutil e controlável. Os instrumentos são voltados para o condutor, que tem todos os comandos necessários bem ao alcance das mãos. Os pedais são posicionados perfeitamente para o punta-tacco o sistema de direção possui relação muito direta (herança dos ralis) e boa comunicabilidade. É um esportivo italiano, afinal.
Era um carro simples, bonito e bem acertado que, para Giacobbi, teria facilmente emplacado caso alguma fabricante tivesse interesse em produzi-lo em série – o que acabou não acontecendo. O sonho de construir seu próprio esportivo, porém, estava realizado – e não surpreende que Giacobbi ainda cuide com todo o zelo possível do Sinthesis GT. Ainda mais agora, para preservar a memória do amigo que lhe ajudou – Tom Tjaarda morreu em junho de 2017, aos 82 anos.
O último episódio do Petrolicious foi dedicado ao Sinthesis 2000 Berlinetta, e se você ficou interessado em saber como é o ronco de um flat-four italiano carburado acelerando forte, esta é uma bela oportunidade. Um pouco de inspiração para esta quarta-feira, se preferir.