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Project Cars Project Cars #72

Um muscle car de pai e filho – conheça a história do Pontiac Trans Am de Fabio Aro, o Project Cars #72

Fala, pessoal! Meu nome é Fabio Aro, sou de São Paulo e trabalho com fotografia automotiva. A escolha da profissão foi até mais pela parte “automotiva” que pela parte “fotografia”, como era de se esperar. Vou contar sobre o carro que meu pai e eu compramos em 2002, um Pontiac Firebird Trans Am 1974, com motor de 400 polegadas cúbicas e câmbio TH400 automático de três marchas.

Sempre fui doente por carros e em 2000, quando tinha 14 anos, comecei a procurar com meu pai um muscle car do final da década de 60 até metade da década de 70. Entre os modelos que mais procurávamos, estava o Camaro e Mustang. O Trans Am era um sonho de infância, mas como nunca havia visto um no Brasil, sequer o procurei.

Quando digo que não havia visto Trans Am, vale a pena ressaltar um detalhe que bastante gente confunde: o Trans Am é uma versão do Firebird, sendo uma das quatro disponíveis, nesta ordem: Coupé, Esprit, Formula e Trans Am. O Formula é o mais comum no Brasil, que é aquela versão que tem dois scoops virados pra frente, enquanto o Trans Am é a versão topo de linha, com muitas diferenças mecânicas, aerodinâmicas e estéticas.

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Enquanto procurava o carro certo, vimos muita coisa legal e outras até arriscadas, de Mustang Mach 1 1969 — que havia capotado e ficou com as colunas amassadas, fato que nos obrigou a desistir de restaurá-lo — até um Camaro 1969 (!) Z28 (!!) com pacote RS (!!!) preto com faixas brancas e motor 302, motor que foi homologado para correr na Trans Am do mesmo ano e é raro mesmo nos EUA, por R$35.000,00. Mas o valor era muito alto pra época, considerando que um Maverick GT perfeito valia entre R$ 5.000 e R$ 7.000.

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Eis que um belo dia de 2002 meu pai achou, em um daqueles sites pessoais da Geocities, o anúncio de um Trans Am. Não era um site de anúncio. O antigo dono fez um site extremamente amador para anunciar o carro.

Detalhe: o carro estava em Ilhéus, na Bahia. No anúncio dizia que se tratava de um Trans Am, e ao questionarmos se o carro era mesmo genuíno — e não uma outra versão transformada em Trans Am, coisa bem comum de acontecer — e se valia a pena a viagem, o antigo dono garantiu que pagaria a viagem se não valesse.

Eu estava no segundo colegial e teria uma semana de provas e por isso não poderia ir, mesmo não aguentando de ansiedade. Então meu pai e nosso mecânico foram até lá pra ver o bicho. O antigo dono dizia a verdade, era mesmo um Trans Am! Comparamos o VIN (número de identificação do veículo) no painel do carro com um livro que tínhamos sobre Firebirds e conferia, era um dos 4.664 Trans Am fabricados naquele ano.

Porém, como não são só alegrias, o carro estava sem escape, com os coletores de escape dentro do porta-malas, sem linha de combustível, e vários outros detalhes que impediam que ele funcionasse. Ele tinha apenas 43 mil milhas originais e estava com seu segundo dono. O mecânico improvisou uma linha de combustível e bomba externa e fez o motor funcionar. Vendo que estava tudo ok, fechamos a compra.

Nunca vou esquecer dos dias seguintes, quando o carro veio — lentamente — de guincho para São Paulo. Lembrando, claro, que eu tinha 16 anos de idade e a paciência de um minotauro atrás de um invasor no labirinto. O carro não chegava nunca e lembro do medo do carro ser roubado, abduzido ou teletransportado pra um universo paralelo. Medo real de ele não chegar por alguma razão. Lembro que estava saindo da escola e minha mãe disse no carro que o Trans Am havia chegado. Fui direto do colégio pra ver o carro no mecânico, e foi exatamente isso que vi quando cheguei lá:

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Lembro de sensação até hoje, de ver um sonho de infância parado na minha frente. Rodeei o carro, olhei por vários minutos e ficava repetindo algo como ‘nossa, nossa, nossa!’ e entrei no carro. O cheiro de graxa misturado com gasolina e mofo de todos esses anos é inconfundível nesse tipo de carro, e quase consigo sentir esse cheiro agora, na frente do computador.

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O carro veio com as rodas originais, que são as conhecidas honeycomb (colméia) de 15×7″ e pneus Continental 215/65R15. As rodas, porém, haviam sido pintadas de dourado. O carro, aliás, havia sido pintado de preto anteriormente (por isso as rodas douradas, para ficar parecido com o modelo de 1977-1978, como no filme com Burt Reynolds “Agarra-me se Puderes” (Smokey and the Bandit – 1978).

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Apesar de muita gente confundir o Formula com o Trans Am (nove a cada dez vezes que alguém vem perguntar sobre o carro, a pergunta é “É um Formula 400?”. Isso virou um monstro tão gigante, que na lista de carros do WebMotors existe a opção Formula 400 como se fosse um outro carro! Então vamos lá. Este é um Firebird Formula:

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E este é um Firebird Trans Am:

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Esteticamente, mudam os spoilers na frente dos pneus (que tem função de reduzir o arrasto aerodinâmico, deixando o carro mais estável em velocidades mais altas), a saída de ar quente no paralamas dianteiro (que servia para desviar o ar que entrava pela frente do carro, indo pro cofre do motor e deixavando a frente ‘alta’, como um balão cheio), além do spoiler traseiro que exercia mais de 70kg de pressão aerodinâmica na traseira a partir de 80km/h. Outra coisa curiosa é o shaker hood, que era virado pra trás. Muita gente diz “Ué, mas o Formula, que é inferior ao Trans Am, tem os scoops virados pra frente, e o Trans Am tem o shaker virado pra trás? Não é menos eficaz?”

Não é. Eu já li que o Trans Am havia sido o primeiro modelo de produção em série e grande escala e ser desenvolvido em túnel de vento, mas há controvérsias. De toda forma, sendo ou não o primeiro, ele foi desenvolvido em túnel de vento e foi extremamente otimizado com isso. Parte do ar que passava pelo para-brisa ficava ‘preso’ entre o capô e o vidro, criando uma zona de baixa pressão e fazendo com que o ar entrasse acelerado pra dentro do scoop! Considerando que é um carro americano e da década de 70, foi um baita feito!

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Numa pesquisa mais minuciosa pelo VIN do nosso carro, descobrimos que ele era originalmente vermelho (Buccaneer Red) com a fênix no capô preta e asas laranja. A Pontiac tinha um site chamado Pontiac Historic Services, no qual disponibilizava a ‘capivara’ inteira do carro. Paguei um valor simbólico de U$12,00 e eles me enviaram uma cópia de toda documentação do nosso carro! Todos os opcionais que foram escolhidos estavam marcados com um X à mão. Incrível esse tipo de preocupação em preservar a história dos automóveis.

A funilaria e pintura, contudo, serão as últimas etapas do projeto e, honestamente, estou mais preocupado em curtir o carro dirigindo-o do que o deixando lindo e fraco de motor.

O que me leva a falar sobre a parte importante do projeto: a preparação do motor. Hoje dá pra dividir a preparação em duas partes, sendo que atualmente o carro se encontra no final da segunda.

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Antes de falar da primeira parte da preparação, é legal explicar um pouco sobre a potência original, que é uma história um pouco complicada e longa.

Em 1969 e 1970, o motor de 400 pol³  (6,6 litros) chegou ao seu auge de potência na história do Firebird, que na versão Ram Air IV, tinha 375 cv brutos a 5.000 rpm e 62 mkgf de torque a 3.900 rpm. Digo brutos, pois nos anos 70 a medição de potência usava outros critérios, sem considerar perdas de correias, polias, acessórios etc.

Porém, mesmo sendo potência bruta, a Pontiac declarava a potência abaixo do real, por uma questão de brigas internas com a Chevrolet, que por ser a irmã maior do grupo GM tinha prioridade nos veículos, uma estratégia óbvia de vendas, especialmente com o Camaro e Corvette.

Para ilustrar, em 1989 a edição especial de 20 anos do Trans Am edição, que usava um V6 Turbo, tinha apenas 240 cv — somente 5 cv a menos que o Corvette do mesmo ano. Ninguém entendia como ele ia de zero a 100 km/h em 4,6 s e o quarto-de-milha em pouco mais de 13 segundos — números extremamente impressionantes mesmo em 2014, além de ser muito mais rápido que o Corvette (que ia de zero a 100 km/h na casa dos 7 segundos altos).

Depois de muito tempo mediram a potência desses Trans Am e descobriram que ele tinha mais de 400 cv. E a Pontiac foi boicotada pela Chevrolet pelo simples fato que ‘um Trans Am não poderia ser mais que um Corvette’, até porque ele custava menos.

Muita gente costuma brincar que o Trans Am é o ‘primo rico do Camaro’, e na verdade ele é justamente um meio termo entre o Camaro e a Corvette.

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Depois de muitos anos mediram também esses motores Ram Air IV de 1969 e 1970 em dinamometros de bancada e a potência era de 420 a 430 cv. Mas no começo dos anos 70 veio a crise do petróleo, que obrigou as montadoras a baixarem a potência dos carros por conta de consumo e também pela emissão de poluentes. Em 1974, a potência do Trans Am baixou pra “225 cv”.

Entre aspas, pois não eram bem 225 cv, mas sim 225 “net horsepower”, que além de considerar todas as perdas por acessórios, correias e até mesmo transmissão, considerava inclusive a resistência aerodinâmica e atrito dos pneus no chão. Em outras palavras, depois de pesquisar muito, descobri que esse motor tem na verdade cerca de 290 cv reais, como medimos hoje em dia (com acessórios, correias, polias, etc). Daí surgiu a vontade de, em um futuro distante, deixá-lo com pelo menos essa potência de 1969 e 1970.

Fomos ajustando várias peças no carro, desde o carburador original – um Rochester Quadrijet de 650 cfm e segundo estágio a vácuo — que estava com entrada de ar falso, o distribuidor que estava com o platinado flutuando, a linha de combustível que precisou ser inteira refeita, o tanque que precisava de tratamento químico, todos os fluídos que precisavam ser trocados, o escape que precisou ser refeito — dois canos diretos em 2,5″ cada com um abafador Flowmaster em cada cano – entre outras coisas para deixar o carro usável, mas ainda nesta fase original.

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Em um determinado dia, o radiador (que servia para arrefecer tanto a água do motor quanto o óleo do câmbio) teve uma das aletas furadas e acabou misturando a água do motor no óleo do câmbio. A partir disso, o câmbio começou a patinar, então resolvemos abrí-lo para conferir. Os discos ficaram bem enferrujados e a bomba de óleo já não era tão eficiente, então refizemos o câmbio inteiro, que ficou perfeito e agora era algo riscado da lista!

A próxima etapa foi a suspensão. Trouxemos amortecedores Koni Classic e um kit completo buchas de p.u. da Energy Suspension. O carro mudou completamente. Ficou rígido, mas como os pneus tem perfil alto (215/65R15), eles fizeram um papel de amortecedor e o carro ficou apenas firme, de um jeito excelente.

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E assim o carro rodou bastante tempo, até que falhava bastante por conta do distribuidor original e da entrada de ar falso no carburador. O motor se divertia fazendo 1 km/l, mas a gente não. Até que resolvemos fazer a primeira etapa de upgrade no motor, que consistia em ignição, admissão, carburação e acessórios para o motor funcionar original, usando componentes modernos. Mas isso é assunto para o próximo post, então como teaser vai uma foto de antes/depois do dia em que pegamos o carro ao final dessa primeira etapa.

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No próximo post além de falar sobre a primeira etapa da preparação, vou pincelar um pouco da segunda etapa, que é a etapa atual e a preparação de verdade do motor, pra chegar em 450 cv reais. Até o próximo post!

Por Fabio Aro, Project Cars #72

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