Exatos 20 anos após a estreia do primeiro filme, “Velozes e Furiosos 9” (F9: The Fast Saga) está nos cinemas. De lá para cá, muita coisa mudou – e a principal delas é o foco da franquia. Se os três primeiros títulos são voltados, de fato, às corridas ilegais, a partir do quarto filme a “família” de Dom Toretto tornou-se uma espécie de divisão especial do FBI para investigar crimes internacionais cometendo mais crimes, só que com o amparo da lei. Ou algo assim. E a cada novo filme, os produtores dão um jeito de envolver carros na história.
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Uma coisa, porém, não muda nunca: Dom Toretto sempre aparece com um Dodge Charger preto (ou melhor, quase sempre – no terceiro filme Dom só aparece em um extra após os créditos, e com outro carro, mas enfim). E, em “Velozes e Furiosos 9”, o carro está mais ousado do que nunca: tem até motor central-traseiro e câmbio de Lamborghini!
Justiça seja feita: o novo “Velozes” começa com corridas, e mostra Jack Toretto, pai de Dom e Jakob Toretto (esse último vivido por John Cena) participando de uma prova da NASCAR em 1989 – a mesma na qual ele morreu, como o próprio Dom conta a Brian O’Conner lá no primeiro filme (ou seja, não venha reclamar de spoilers!). Mas é o Charger que rouba a cena mais uma vez. Primeiro, porque ele é a ligação mais visível do novo filme com os clássicos. Segundo, porque ele ficou mais absurdo do que nunca.
Não, não é por que ele tem um motor Hellcat – isso até que é normal a essa altura, até por que o Hellcat é um V8 Hemi, é oferecido como crate engine e já se tornou um dos motores mais populares para swaps envolvendo os Mopar. Fica tudo em casa.
O negócio é o seguinte: nesse Charger, o Hellcat fica atrás dos bancos, em posição central traseira, como em um supercarro. E até o câmbio é de supercarro, porque ligado ao V8 Hellcat está um transeixo Lamborghini. Então, mesmo se você não curte o direcionamento tomado pela franquia “Velozes e Furiosos”, não há como não admitir que, ao menos nos carros, o nível dos projetos nunca esteve tão alto.
Velhos amigos
Se a ideia de um Dodge Charger restomod com swap e uma infinidade de modificações lhe soa familiar, é porque é mesmo: já faz algum tempo que os americanos da SpeedKore praticamente fazem um todos os anos. Já falamos de um deles lá em 2015 – o Dodge Charger chamado “Tantrum”, que trocava a carroceria original por uma réplica de fibra de carbono e tinha um V8 de nove litros debaixo do capô. Em 2018 foi a vez do Charger Evolution, uma reinterpretação da receita que trocava o motor de arrancada por um Hellcat, e elevou a barra em design e execução.
Instalada em Grafton, Wisconsin, a SpeedKore já trabalhou outras vezes com a equipe de “Velozes e Furiosos”. Para se ter ideia, já faz mais de 15 anos que Dennis McCarthy, diretor de veículos da franquia há vários anos, chamou a SpeedKore para fazer o Plymouth Road Runner com o qual Dom aparece em “Desafio em Tóquio”, de 2006.
Segundo o que McCarthy contou ao Top Gear em entrevista recente, a ideia para o Charger de motor central-traseiro no nono filme veio quando ele topou com os caras da SpeedKore no último SEMA Show. Na ocasião, a oficina mostrou um Dodge Charger moderno com carroceria widebody, motor Hellcat preparado para entregar mais de 1.500 cv, e tração integral. Mas McCarthy soube em primeira que a equipe estava preparando um Charger 1968 com motor central-traseiro – e imediatamente decidiu que aquele carro estaria no filme.
Foi assim que a SpeedKore construiu nove exemplares do Dodge Charger com motor central traseiro para as filmagens. Todos com as mesmas modificações externas, que garantiram uma transformação mudança radical nas proporções da carroceria, com os para-lamas traseiros bem mais largos e uma postura mais “assentada”. Apenas dois, porém, receberam de fato um Hellcat atrás dos bancos. Os outros eram apenas cenográficos.
Os dois carros, segundo o próprio McCarthy, ficarão guardados para serem usados em exibições e outras tarefas promocionais. Mas a SpeedKore não poderia deixar de fazer mais um para ser usado como eles bem entenderem. É esse o carro que aparece nas fotos: uma réplica perfeita e oficial do hero car de “Velozes e Furiosos 9”. Ah, e ele até ganhou um nome próprio: Hellacious.
Inspiração em… Le Mans?
Dennis McCarthy contou um pouco sobre a ideia do carro ao Top Gear. A faísca inicial veio da própria SpeedKore, claro, mas segundo ele há algo mais profundo no projeto. “Os caras da SpeedKore me mostraram o que estavam fazendo, e a gente sempre procura fazer algo diferente. Depois de tantos filmes, é preciso mudar um pouco as coisas”, disse McCarthy. “E o motor central-traseiro é algo que eu sempre quis fazer. Devo admitir que o conceito todo foi inspirado no Ford GT40. Eu adoro essa cara de anos 60, esse jeitão de Le Mans. Sempre tem um carro no qual a gente coloca mais empenho, e nesse caso foi o Charger. Que, na verdade, é um Hellcat com o acerto do Demon.”
Parece um tanto forçado falar em um Charger inspirado em Le Mans, mas não somos nós que estamos falando – foi o idealizador do carro. Além disso, de Charger sobrou muito pouco: apenas o teto, segundo a SpeedKore. Todo o restante foi feito sob medida – como em um protótipo, de fato.
O Charger usa uma estrutura tubular construída do zero com subchassis dianteiro e traseiro, suspensão por braços triangulares sobrepostos na dianteira e na traseira, sendo que a suspensão dianteira foi feita pela Detroit Speed, enquanto o conjunto traseiro foi feito pela Race Car Replicas. Os amortecedores de competição foram fornecidos pela QA1. As especificações exatas não foram divulgadas, mas o arranjo supostamente é o mesmo dos carros usados nos filmes.
McCarthy mencionou ao Top Gear que o projeto só precisa de alguns ajustes, mas deve fornecer uma boa base para uso sério na pista, em track days e coisas do gênero. Nem de longe trata-se de um veículo só de arrancada, apesar da tradição dos muscle cars nesse aspecto.
O subchassi traseiro, além de acomodar o motor, também foi necessário para adaptar o câmbio. Na verdade, um transeixo: a unidade de seis marchas do Lamborghini Gallardo, completo com trambulador. Era o único setup relativamente fácil de encontrar e acessível para o projeto – acredite, encontrar o câmbio do Gallardo e instalar o Hellcat no lugar do motor V10 Lamborghini foi menos trabalhoso que uma eventual adaptação de um câmbio manual Tremec ou algo do tipo para a aplicação central-traseira.
Um detalhe que pode ser um pouquinho decepcionante: diferentemente dos carros usados pela produção do filme, que de fato tiveram o V8 Hellcat acertado para chegar ao nível de potência do Demon (ou seja, 819 cv com gasolina de alta octanagem e 851 cv com combustível de competição de 100 RON), o carro da SpeedKore manteve o motor de 6,2 litros exatamente como saiu da caixa: ou seja, com “só” 717 cv. Em planeta nenhum isso é pouco – na verdade, pode até ser interessante porque, em situações comuns, o Hellacious se comporta exatamente como qualquer Dodge Hellcat zero-quilômetro, e é confiável do mesmo jeito.
Por outro lado, certamente há outras coisas para ajudá-lo a andar mais quando chega, bem, a hora de andar mais. Os freios, por exemplo, são um jogo da Brembo com pinças de seis pistões na frente e quatro pistões atrás. Um freio hidráulico foi instalado para travar as rodas traseiras e facilitar as derrapagens controladas. E as rodas foram feitas sob medida pela HRE, parceira de longa data da SpeedKore, com 18×10,5 polegadas na frente e 18×12,5 polegadas na traseira. É borracha que não acaba mais.
Tudo é arrematado com uma carroceria de fibra de carbono cujas linhas foram assinadas por Sean Smith, da Sean Smith Design. Ele é o cara por trás do Charger Evolution, do Tantrum, e também de alguns projetos da Ringbrothers – a “outra” oficina americana que gosta de levar os muscle cars americanos além do limite.
Se você quiser ver o Charger da SpeedKore em ação, é só ir até o cinema para assistir ao novo “Velozes e Furiosos” – o carro que aparece na telona é praticamente igual a esse. E o Hellacious de verdade certamente vai ser usado promocionalmente em algum momento. Esperamos que na pista, onde ele com certeza não faria feio.