A gente adora a Trans-Am. Não é para menos: a categoria americana é foi uma das mais incríveis do automobilismo nas décadas de 1960 e 1970, quando os melhores muscle cars dos EUA brigavam não apenas pelo título, mas pelos louros da vitória — que costumavam vir na forma de mais unidades vendidas nas concessionárias.
No entanto, não só de muscle cars americanos clássicos foi feita a Trans-Am. Claro, esta foi a era de ouro da categoria (tanto que alguns dos carros que competiam naqueles tempos correm até hoje na épica Historic Trans-Am) mas, ao longo dos anos, muita coisa interessante aconteceu.
Como a vitória da Audi em 1988. A gente já contou a história aqui, mas vale relembrar. Aconteceu quando a Audi mais precisava: a fabricante alemã buscava mais popularidade em um mercado que ia de vento em popa, mas era dominado pela fauna local. Que melhor forma de provar sua capacidade em território inimigo do que vencer corridas?
A maior aposta era o sedã Audi 200 de terceira geração. Claro, havia o Audi Quattro nos ralis, mas seu bom desempenho só era reconhecido na Europa, onde a Audi já era consagrada. Nos EUA, onde ninguém estava nem aí para os ralis, o público ainda não estava convencido de que era uma boa comprar um carro alemão com tração integral. Mas isto estava prestes a mudar.
Nos EUA, o negócio eram mesmo as competições de turismo — até na década de 80, quando o auge dos muscle cars já era parte do passado, a Trans-Am era uma das maiores categorias do país. Havia muita grana rolando, patrocinadores grandes e a chance de ganhar bastante popularidade junto ao público com um carro vencedor.
A Audi decidiu, então, aproveitar que a competição estava muito mais diversificada na época — os muscle cars haviam dado lugar a carros menores e alguns até vinham de outros países, como o Nissan 300ZX — para tentar abocanhar uma fatia do bolo. E o Audi 200, topo de linha da marca e seu maior carro, era perfeito para tal.
Claro, ele era o maior carro da Audi, mas ainda não era grande o bastante os padrões americanos. O regulamento exigia comprimento mínimo de 4,9 metros e, assim, o carro precisou crescer um pouquinho para se encaixar. O motor, por sua vez, era um cinco-cilindros de 2,1 litros com cabeçote de duas válvulas por cilindro e um turbocompressor KKK operando no limite, a 2,8 bar. O resultado? Nada menos que 510 cv, número que impressiona por si só. O câmbio era manual, de seis marchas.
No entanto, ao lado dos rivais, 510 cv eram pouco — os carros americanos usavam motores V8 grandões e naturalmente aspirados, capazes de entregar mais de 600 cv. Mas a disparidade na potência era só um detalhe: o segredo era o sistema de tração integral que era praticamente idêntico ao usado no Quattro do WRC. Auxiliado por enormes rodas de 14 polegadas de largura, o sistema permitia que o Audi 200 Quattro tivesse aderência e equilíbrio incomparáveis. Ver o sedã alemão ultrapassando meio mundo de esportivos americanos em sua própria casa é algo realmente incrível.
Os pilotos eram Hurley Haywood, Hans-Joachim Stuck e Walter Röhrl. Se nos permitem: que time! E os três fizeram bonito. Na pista, o Audi 200 freava mais tarde, retomava mais cedo, conseguia segundos de vantagem a cada volta e parecia um piloto virutal experiente jogando Gran Turismo no modo “Easy”. Resultado: a Audi venceu oito das 13 corridas da temporada de 1988 da Trans-Am em seu ano de estreia, 1988, e ficou com o título de construtores. Hurley Haywood levou para casa o troféu dos pilotos.
Mais do que isto: a vitória fácil da Audi deixou as fabricantes americanas revoltadas. Se não havia nada que impedisse um carro alemão com tração integral de competir entre os americanos em casa, agora teria que haver. Dito e feito: com a pressão das outras equipes, os organizadores decretaram que, a partir de 1989, nenhum carro que não tivesse tração traseira e um motor americano debaixo do capô poderia correr na Trans-Am. Furaram a bola e levaram as traves embora, como se costuma dizer.
Se os rivais não gostaram da ideia, entre o público a história foi diferente: a vitória na Trans-Am fez com que não apenas as vendas do Audi 200, mas também de outros modelos da marca, aumentassem bastante. Em pouco tempo, a imagem da fabricante das quatro argolas ficou muito mais forte nos EUA.
E agora, o carro — exatamente aquele carro — está à venda em uma concessionária chamada Auto Collections, que fica em Las Vegas, Nevada. Eles não colocam preço no carro mas, sendo realmente o carro usado neste acontecimento histórico, totalmente restaurado e comprado diretamente com a Audi em Ingolstadt (ao menos é o que a descrição do anúncio diz), é de se esperar um valor bem alto. No entanto, só mesmo entrando em contato com os caras para descobrir.