Entusiasta é um bicho esquisito: parece que a gente não fica satisfeito enquanto não tiver um project car cheio de problemas para resolver. É o tal do bichinho da graxa, como dizem — depois que ele te morde, não tem mais volta. No caso do britânico Kevin Thomas, o caso é grave: seu projeto é nada menos que um legítimo carro de Fórmula 1, e ele quer colocá-lo para rodar novamente. É claro que não vai ser fácil, mas a gente acha que ele vai conseguir. E temos um bom motivo para isto.
Antes de qualquer coisa, o carro não é um McLaren, Williams ou Ferrari — trata-se de um Caterham CT05 que competiu em 2014. A Caterham F1 foi fundada em 2010 como Lotus Racing por Tony Fernandes, dono da fabricante Proton — que, por sua vez, é a companhia à qual pertence a Lotus Cars. No ano seguinte, Fernandes aproveitou e comprou a Caterham Cars, tudo com a ajuda de empresários da Malásia. Em 2012, como já havia outra equipe chamada Lotus — a Lotus F1 — Fernandes mudou o nome de seu time para Caterham F1.
A Caterham nunca esteve entre as melhores equipes — normalmente, seus carros dividiam as últimas fileiras do grid com a Marussia —, e não conseguiu pontuar em nenhuma das 56 corridas que disputou nos seus cinco anos de F1. Neste meio tempo, a equipe acumulou cerca de £ 20 milhões (cerca de R$ 86 milhões em valores atuais) em dívidas e pediu falência, sendo vendida pelo valor simbólico de £ 1 para um jogador de futebol romeno.
Depois da venda, as autoridades britânicas evacuaram a sede da equipe em Oxford, no Reino Unido, e confiscaram todos os seus bens — incluindo equipamentos, ferramentas e, claro, carros. Tudo foi leiloado em abril de 2015, e foi quando Thomas comprou o Caterham CT05 #1. Ou melhor: o que restou dele.
O Caterham CT05 #1 disputou 11 corridas na Fórmula 1 em 2014, sempre com o sueco Marcus Ericsson ao volante e, antes do início da temporada, foi testado por Kamui Kobayashi no circuito de Jerez, na Espanha. Foi um carro que se acidentou bastante e, por isso, não restava muita coisa além do monocoque — a Caterham até começou a consertar o carro em 2014, mas não teve dinheiro para concluir o serviço. Thomas pagou £ 9.982 libras pelo monocoque, o que dá cerca de R$ 43,3 mil em conversão direta. Uma pechincha, considerando que é um carro de Fórmula 1!
O motor original era um V6 Renault de 1,6 litro com turbo, capaz de entregar 760 cv e girar a 15.000 rpm, mas não veio incluso no pacote — assim com o bico, a asa traseira, a suspensão e toda a eletrônica do carro. Mas isto não deverá ser um problema para Kevin Thomas, que há alguns anos reconstruiu o BAR 003, monoposto usado pela extinta British American Racing na temporada de 2001 da Fórmula 1. Ele levou quatro anos para concluir o serviço e gastou £ 100 mil (mais de R$ 430 mil) em componentes. No fim das contas, o que Thomas fez foi uma réplica não funcional — ele jamais conseguiu encontrar um motor que merecesse equipar o carro —, mas garante que todo o tempo e dinheiro investidos valeram a pena. Tanto que, bem, ele está fazendo tudo de novo.
“É como montar um quebra-cabeça gigante, mas sem a foto da caixa e com as peças espalhadas pelo mundo todo. E as peças não estão à venda” — diz Thomas em seu site, no qual está detalhando todo o processo de construção. Ele já comprou diversas peças, que foram encontradas depois de horas e horas de pesquisas na internet: pneus de Fórmula 1 da Pirelli, volante, componentes de suspensão, cobertura do motor, assoalho e banco usados no Caterham CT05 foram vasculhados em fóruns e leilões. Uma asa traseira Renault, o nariz de um carro que competiu em 2014 e as rodas de um Caterham CT01 de 2012 também foram comprados, bem como 107.000 arquivos dos servidores da Caterham F1, adquiridos direto com o administrador — documentos técnicos para ajudar Thomas a reconstruir o carro.
O mais incrível é que Thomas não tem nenhum tipo de formação mecânica — sua experiência vem de meter a mão na massa. Ele aprendeu sozinho a moldar fibra de carbono, e conseguiu os moldes originais para construir as partes faltantes da carroceria. A suspensão foi refeita com a ajuda de Tom Sweet, ex-engenheiro da Red Bull e da BAR Honda, que trabalhou com base nos arquivos fornecidos por Thomas e é o mais fiel possível ao regulamento de 2014 da Fórmula 1.
O Caterham CT05 #01 já está ficando mais parecido com um carro de Fórmula 1, mas ainda está longe de ficar pronto. Não será idêntico ao que era quando competia e provavelmente jamais será capaz de rodar como antes — mesmo que consiga um motor, Thomas dificilmente conseguirá montar tudo e fazer funcionar: carros de Fórmula 1 precisam de condições perfeitas até mesmo para serem ligados, além de equipamentos e softwares bastante específicos.
Nada disso, porém, desabona o projeto: no mínimo, o que Thomas conseguirá será uma recriação bastante parecida e muito autêntica de um legítimo carro de Fórmula 1, feita com suas próprias mãos. É mais do a grande maioria de nós jamais vai conseguir.