Eram os anos 70, e as motos estavam mudando. Os motores monocilíndricos, até então onipresentes, começavam a perder cada vez mais espaço – mais cilindros significavam mais elasticidade, mais suavidade e rendimento muito maior. Mesmo as britânicas como Norton e BSA, antes adoradas pelos seus motores monocilíndricos grandes e potentes, começavam a render-se.
Ao mesmo tempo, a Yamaha também estava em processo de reinvenção. Até a virada da década de 1970, a gigante japonesa havia construído uma reputação excelente com seus motores dois-tempos – mais simples em concepção, mais barulhentos e menos eficientes, mas também muito fáceis de manter, giradores e elásticos.
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Mas a maior eficiência dos motores quatro-tempos começava a representar uma ameaça real aos dois-tempos (que, bem, tinham óleo misturado ao combustível) à medida em que a preocupação com emissões e consumo de combustível ficava maior. Já em 1968 a Yamaha apresentava sua primeira moto quatro-tempos, a XS-1. Claro, as dois-tempos ainda perdurariam muitos anos – a lendária DT também foi lançada em 1968 e manteve-se em linha até 1985, afinal – mas, em última instância, se tornariam produtos de nicho.
Então, quando chegou o momento de lançar uma nova dual sport de média cilindrada, segmento então recente que andava crescendo bastante, a Yamaha decidiu ouvir sua divisão norte-americana – os Estados Unidos estavam se convertendo em grandes consumidores de motos japonesas naquela época e podiam indicar o caminho. E, contrariando a tendência na Europa e no Japão, os consultores da Yamaha nos EUA disseram que o negócio era fazer uma monocilíndrica. Os americanos, acostumados com motores monocilíndricos grandalhões e torcudos, não se importavam em ter um motor mais simples, que vibrava mais, se isto significasse mais punch na parte baixa do conta-giros.
Descrente, a matriz da Yamaha autorizou o projeto. E assim nasceu a Yamaha XT – sigla que significa “Cross Trail”.
A XT original, lançada em 1976, era equipada com um monocilíndrico quatro-tempos de 499 cm³ com comando no cabeçote, carburador Mikuni de 34 mm, taxa de compressão de 9,0:1 e capacidade para entregar 27 cv a 5.900 rpm. Era o suficiente para que a XT500 chegasse aos 132 km/h na estrada e garantir boas retomadas em rotações médias.
Sendo uma dual sport, a XT500 usava chassi do tipo berço semiduplo reforçado, criado especificamente para absorver as vibrações do motor em altas rotações e também suportar abusos nas estradas de terra. A suspensão ainda usava duplo amortecedor na traseira, mas já tinha mais curso que em uma moto street, o para-lama dianteiro era alto e os pneus, bem garrudos. E era uma moto leve, com 155 kg em ordem de marcha (pouco mais que uma trail pequena moderna), fácil de manobrar e muito ágil. Seu tanque de combustível de nove litros não garantia uma autonomia gigantesca, mas as outras qualidades da moto compensavam por isso.
Acessível, robusta, divertida, confortável e razoavelmente potente, a XT500 foi um sucesso imediato nos EUA – o que deixou os executivos da Yamaha respirarem aliviados. O que eles não esperavam era o sucesso da XT500 também na Europa.
Aconteceu porque a Yamaha XT500 foi muito bem no Paris-Dakar – venceu a competição em 1979 e 1980 na categoria das motos, ambas com o francês Cyril Neveu. Toda uma nova geração de motociclistas fanáticos por aventura ficaram inspirados e procuraram saber mais sobre aquela moto japonesa capaz de encarar 10.000 km no deserto. Se ela aguentava o Dakar, aguentava qualquer coisa.
Seria uma oportunidade perdida não investir na imagem aventureira da XT500. A primeira geração foi produzida até 1983 e, nesse meio tempo, deu origem a toda uma família de motocicletas. A XT250 de 1982, por exemplo, era a mais em conta – extremamente simples, sem qualquer tipo de carenagem, mas já com suspensão traseira monochoque (chamada pela Yamaha de Mono Cross), mais estável e adequada para o off-road.
À medida em que a Yamaha experimentava outros deslocamentos, foram lançadas a XT350, a XT400 e a XT550, todas muito semelhantes. O visual oitentista incluía farol pequeno e quadrado, com carenagem, e quadro pintado em cores vibrantes. Foram motos que duraram pouco tempo, no máximo três ou quatro anos. A exceção foi a XT600, lançada em 1984 – ela foi fabricada por quase 20 anos, até 2003.
Foi com a XT600 que a Yamaha deu início a uma de suas linhagens mais emblemáticas: a Ténéré, inspirada pela região de mesmo nome no sul do Deserto do Saara – onde está a árvore mais isolada do mundo, a Árvore do Ténéré.
A XT600 normal era parecida com as outras motos da família XT. A Ténéré, porém, assumia de vez a vocação para enduro – viajar para longe, pelo caminho mais difícil – com um volumoso tanque de 23 litros. Ambas dividiam, porém, uma série de melhorias em relação à XT500, como o motor de quatro válvulas por cilindro, os freios a disco e o sistema elétrico de 12 volts (e não 6 volts como era antes). O motor monocilíndrico de 595 cm³ desenvolvia saudáveis 44 cv a 6.500 rpm e levava a moto tranquilamente até os 150 km/h.
Em sua longa vida, a XT600 teve uma série de versões que mudavam pouco mais que a estética da moto. O que realmente fez a diferença foi a adoção, em 1990, de um sistema de partida elétrica na chamada XT600E – que também trouxe um novo quadro que usava o escapamento como componente estrutural, um tanque de 13,9 litros para a XT600 e rodas de aço em vez de alumínio.
Foi nesta época que a XT600 fez sucesso também no Brasil. Por aqui, ela fazia sucesso desde 1988, quando a XT600 Ténéré começou a fabricada em Manaus (AM), ainda sem carenagem frontal fixa (que só veio em 1990). Naquela época, a linha XT já era muito respeitada por sua robustez, e muitos brasileiros que procuravam uma moto de média cilindrada para longas distâncias ajudaram a tornar a Ténéré um ícone por aqui. Quando a Yamaha decidiu importar a XT600E em 1993, substituindo a Ténéré, muitos torceram o nariz.
Mas não demorou para que a novidade conquistasse o público: com 45 cv (contra 42 da Ténéré), ela era mais potente e mais veloz, passando dos 160 km/h em condições ideais, além de pesar menos e trazer a mesma suspensão confortável e robusta. Logo a XT600E ficou conhecida como “trator” pelos entusiastas, que até hoje cultuam o modelo como uma das melhores motocicletas que a Yamaha já vendeu no Brasil – onde a XT600E permaneceu em linha até 2005.
Sua substituta, tanto aqui quanto lá fora, foi a XT660R, uma moto com motor arrefecido a água e injeção eletrônica de combustível. Com a XT660R, a versão Ténéré voltou a ser oferecida no Brasil, e ambas deixaram de ser fabricadas em 2018.