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Yin e Yang: porque nem toda Ferrari F40 tem que ser vermelha

À esta altura, você já deve saber o básico sobre a F40, a mais adorada de todas as Ferrari. Se a memória está fraca, aí vai um recap: motor V8 biturbo de 2,9 litros e 478 cv, 0-100 km/h em 3,8 segundos, máxima de 320 km/h (o primeiro carro de produção a atingir esta velocidade) e 1.315 unidades produzidas entre 1987 e 1992 — todas elas em Rosso Corsa.

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Não vemos problema nenhum em uma Ferrari vermelha — a cor parece ter sido feita para as criações de Enzo (embora todo mundo saiba que a cor vermelha é usada pelos italianos há muito mais tempo), e é uma combinação difícil de dar errado. Só que há algo particularmente intrigante em uma Ferrari de outra cor — e não precisa nem mesmo ser uma clássica. Uma 458 Italia azul, por exemplo, certamente chamaria muito mais a nossa atenção do que uma escarlate.

A Ferrari também é uma das marcas que colecionam os fãs mais radicais, que acreditam que todo carro com um cavallino rampante na grade é perfeito exatamente como sai de Maranello e que, por isso, modificar uma Ferrari é quase um sacrilégio, salvo raras exceções. Obviamente que nem todos são assim, mas eles existem.

Se a F40 é a mais idolatrada entre todas as Ferrari, naturalmente modificar uma delas seria um ato condenável entre seus admiradores mais afoitos. Pintá-la de outra cor que não seja Rosso Corsa, então, seria um pecado, certo?

Nem tanto. Existem algumas Ferrari F40 pintadas (ou envelopadas) com outras cores no mundo — e o resultado é surpreendentemente agradável:

Agora, poucas F40 não-vermelhas nos chamaram tanto a atenção quanto esta dupla: a Ferrari F40 branca da customizadora japonesa Liberty Walk e a F40 preta restaurada pela Gas Monkey Garage.

Os dois carros não tem relação alguma além de serem duas F40 — a branca ficou famosa em 2009 quando apareceu pela primeira vez no Speedhunters, enquanto a segunda ganhou os holofotes quando foi recuperada e restaurada pelos caras da Gas´Monkey Garage, e teve o processo documentado em um episódio do programa Fast n’ Loud, do Discovery Channel. Contudo, apesar de separados por e milhares de quilômetros, os carros se complementam como yin e yang. Na filosofia chinesa, a natureza tem dois lados: yin é o lado escuro e negativo, enquanto yang é o lado claro e positivo. Tudo no mundo é regido por estas duas forças.

 

Yang

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Aqui, o yang vem antes porque a Ferrari branca da Liberty Walk veio primeiro. A Liberty Walk, ou LB Performance, foi fundada em 1993 no centro de Nagoya, no Japão. Contudo, sua fama veio graças à F40 branca que o proprietário, conhecido apenas como Kato-San, fez para si mesmo. Ele diz que criou a Liberty Walk para renovar a cena de customização de seu país, que andava estagnada, e queria que os jovens se interessassem novamente pelos carros.

Hoje a Liberty Walk oferece projetos ousados, como body kits extremamente largos para esportivos e supercarros e pinturas extravagantes. Comparados às criações mais recentes, a F40 é até conservadora. Mas, lembre-se, é uma F40 — não é preciso transformá-la em outro carro para atrair olhares de admiradores e haters na mesma proporção.

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Além da pintura imaculadamente branca e das rodas Enkei Sport 12J forjadas, feitas sob medida com sistema de cubo rápido, o carro recebeu um sistema de suspensão regulável a ar Roberuta. Os faróis escamoteáveis deram lugares a unidades fixas e o aerofólio traseiro — feito pela própria LB —, tudo para emular o visual da F40 LM. O para-choque traseiro e o longo spoiler dianteiro de fibra de carbono também foram feitos in house, e o acabamento de todas as peças é tão bom que, sinceramente, parecem originais.

O motor continua sendo um V8 biturbo de 2,9 litros e 478 cv. Contudo, Kato-San trocou o sistema de escapamento original por outro, feito sob medida — sem catalisador ou abafadores, com tubulação de titânio. Uma obra de arte — que deixou o ronco do V8 ainda mais visceral.

Se este carro não fosse uma F40, não fosse sagrado e intocável, dificilmente alguém o criticaria. Tente esquecer por alguns instantes do significado deste carro no mundo, finja que ele não é uma divindade e tente não admirar o visual, o ronco ou o trabalho da Liberty Walk. Vamos, é um desafio.

 

Yin

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Avançando alguns anos no tempo, temos isto: a F40 preta da Gas Monkey Garage. A história deste carro é ainda mais impressionante: em 2011 seu dono, morador de Houston, Texas, estava viajando a trabalho na Europa e deixou o carro aos cuidados de um mecânico. O mecânico saiu para um “test drive” e bateu no portão de uma casa, supostamente em alta velocidade.

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O carro teve a frente toda destruída e, segundo relatos, sofreu danos no monobloco, tendo declarada sua perda total. O dono só ficou sabendo quando voltou de viagem, e acabou vendendo o carro por US$ 400 mil (cerca de R$ 880 mil) — porque uma Ferrari F40 destruída ainda é, bem, uma Ferrari F40.

Acontece que os compradores foram Aaron Kaufman e Richard Rawlings, da Gas Monkey Garage. Os caras são especialistas em hot rods, mas decidiram dar uma chance ao supercarro italiano.

O carro foi desmontado até sobrar apenas o monobloco e teve todas as partes danificadas substituídas por componentes feitos à mão — usando fibra de carbono e aço italiano. Além disso, o interior recebeu novos bancos Recaro do tipo concha — porque os originais em vermelho eram “velhos e feios”, segundo Kaufman e o motor recebeu dois novos turbocompressores, maiores e com mais pressão, elevando a potência do motor para 550 cv.

A pintura preta é complementada por rodas HRE de três peças — também pretas — e os faróis escamoteáveis deram lugar a entradas de ar para o motor (que é arrefecido por um novo radiador). O escapamento foi todo refeito pela Tubi, e os amortecedores originais foram substituídos por unidades ajustáveis da Penske Racing.

A ideia era fazer um carro “melhor, mais direto, mais leve e mais rápido”. Eles não só conseguiram, como renovaram uma F40 que parecia um caso perdido e a deixaram extremamente fodástica. Mesmo que você não concorde com as modificações, é preciso admitir que, se não fosse pelos caras da Gas Monkey, o mundo teria uma F40 a menos nas ruas.

E não fomos apenas nós quem aprovamos a transformação da F40: em janeiro deste ano o carro foi leiloado pela Barrett-Jackson em Scottsdale e arrematado por US$ 675 mil. Com as taxas, o valor subiu para US$ 742.500 — ou R$ 1,63 milhão.

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Para nós, estes dois carros são a prova definitiva de que nada é tão perfeito que não possa ser melhorado — ou que, pelo menos, nada impede que alguém tente fazê-lo. Os carros realmente ficaram melhores do que uma F40 original? A resposta é subjetiva, mas é certo que eles conseguem ser ainda mais exclusivos. E nós não vemos mal algum nisso.

[ Fotos: Andy Link, Dino Dalle Carbonare (branca), Gas Monkey Garage, Barrett Jackson (preta) ]