Nos parte o coração ter de admitir que uma fabricante não tem o mesmo apelo que antes. O Marco Antônio Oliveira discorreu muito bem sobre a situação atual da BMW – não a situação financeira da empresa, que anda muito bem, mas sua situação junto dos entusiastas. Afinal, foram os fãs de carros quem construíram a reputação das ultimate driving machines, atraídos pelo sheer driving pleasure que elas sempre proporcionaram.
Carros com design no mínimo controverso, que explicações e retratações dos próprios designers; um novo Série 1 de tração dianteira, que faz muito sentido para o mercado mas nenhum para os fãs; uma mudança gradual de carros que colocavam o prazer de dirigir acima de tudo para uma marca de carros de luxo com alto desempenho (acredite, há um mundo de diferença). Estas coisas acabaram meio que apagando o brilho da BMW para muita gente. Embora seus carros ainda sejam excelentes, cada vez menos os carros da empresa bávara nos emocionam. O M2 é um deles e, infelizmente, tornou-se exceção.
Como observa o MAO, foi ali na transição entre os anos 1990 e os anos 2000, com a chegada do Série 3 E46, que a BMW começou a dar sinais desta mudança de direcionamento: ele era um carro mais pesado e confortável, ainda que fosse tão bom de guiar quanto o E36.
Naquela época, porém, a BMW criou um de seus carros mais bacanas do ponto de vista entusiasta. Talvez nem tanto pelo carro em si, mas por sua proposta: ser a interpretação dos alemães para o MX-5 Miata, carro que é conhecido por ser o único que faz todos os entusiastas concordarem em alguma coisa – que ele é sensacional.
Estamos falando do BMW Z3, que foi lançado em 1995 – exatos 20 anos atrás. Quer dizer, um pouco mais: ele foi apresentado à imprensa por videoconferência em 12 de junho, começou a ser fabricado em 20 de setembro, e apareceu em “007 contra GoldenEye” em 15 de dezembro como o carro de James Bond (Pierce Brosnan, na época). Então, temos uma boa janela para homenageá-lo por seus 25 anos.
Em termos de roadsters compactos, antes do Z3 a BMW teve o Z1, que por si só foi um dos carros mais criativos que a marca já fez – ele tinha painéis removíveis de plástico, portas que “entravam” nas soleiras e podia ser guiado sem a carroceria.
A diferença era que o BMW Z1 era quase um experimento para testar a recepção do público a um carro desse tipo. Um experimento que deu certo: antes do lançamento, em 1989, a BMW disse que havia 35.000 interessados. Contudo, foram fabricados apenas 6.177 carros até 1991 – o Z1 foi concebido desde o início para ser raro e exclusivo.
Foi então que a BMW percebeu que poderia ter um roadster esportivo produzido em massa. Um carro mais barato e convencional do que o Z1, de preferência usando vários componentes já disponíveis nas estantes da BMW para diluir custos e possibilitar a produção em alto volume.
O desenvolvimento do Z3 começou já em 1990. De cara, dois critérios foram estabelecidos: o modelo básico não poderia custar muito mais do que um Miata; e o Z3 deveria vender mais de 100.000 exemplares ao longo de seu ciclo de vida.
O resultado foi um conceito apresentado ainda naquele ano: Ur-Roadster era baseado no Z1, mas tinha formas mais robustas e portas convencionais, que se abriam para fora. Embora sua identidade visual fosse bastante experimental (para não dizer “feia”, com faróis pequenos e redondos e largos para-lamas, suas proporções já trazem muito do que viria a ser o Z3.
Em julho de 1992 o designer japonês Joji Nagashima — que também é o responsável pelo Série 5 E39 e pelo Série 3 E90 — começou a desenhar o Z3 com suas linhas definitivas. A partir daí, foram apenas 38 meses de desenvolvimento até a versão definitiva começar a ser fabricada.
Durante estes pouco mais de três anos — um estalar de dedos na indústria automobilística — a BMW conseguiu colocar em prática um modelo exemplar de aproveitamento de recursos já existentes de modo a obter os melhores resultados, como só os alemães sabem fazer.
Para baratear o projeto ao máximo e, consequentemente, conseguir vender o carro a um preço competitivo , a BMW aproveitou muito do Série 3 E36, lançado quatro anos antes, em 1991 — mais precisamente, a do E36 Compact. A plataforma do hatchback era, em essência, idêntica à dos outros modelos de carroceria, mas tinha uma diferença fundamental : a suspensão traseira que, em vez de um sistema multilink, usava um sistema de braços semi-arrastados — além de ocupar menos espaço, era mais simples e, por isto, mais barato. A dianteira permaneceu com o sistema MacPherson. Por causa das mudanças, a plataforma do Z3 costuma ser chamada de E36/7 para evitar confusão. A eventual versão fechada (cupê ou hatchback, depende da sua interpretação) ficou sendo a E36/8.
Parte da estratégia da BMW com o Z3 era concentrar a maioria das vendas nos EUA. Por esta razão, o modelo foi o primeiro a ser fabricado na então nova planta da marca em Spartanburg, Carolina do Sul, sudeste dos EUA.
Agora, ao contrário do que se costuma fazer, o Z3 não foi apresentado ao público em um Salão, como Detroit, Genebra ou Frankfurt: ele foi apresentado no cinema, como o carro de James Bond em “007 Contra GoldenEye” (GoldenEye, 1995) — primeiro na franquia a trazer Pierce Brosnan no papel do agente da MI6. O lançamento não tradicional foi escolhido para gerar mais buzz sobre o Z3 entre os americanos — afinal, a BMW precisava provar que os modelos produzidos nos EUA seriam tão bons quando os alemães. Deu certo, porque o sucesso do Z3 foi imediato e sem precedentes.
Dentro da proposta de ser uma alternativa um pouco mais sofisticada ao Mazda MX-5, a BMW ofereceu, de início, apenas o motor de quatro cilindros, 1,9 litro e 140 cv a 6.000 rpm. Era um bom motor e fazia sucesso no Série 3 E36, mas provou-se aquém das expectativas dos clientes. A BMW apressou-se em corrigir a situação e, em 1997, deu ao Z3 um motor digno: o seis-em-linha M52, com comando duplo no cabeçote, 2,8 litros, 192 cv a 5.900 rpm e 24,9 mkgf de torque a 4.700 rpm.
A partir daí as vendas decolaram de vez, e o futuro do Z3 estava garantido. Esta primeira versão com motor de seis cilindros é considerada a mais clássica e desejável por sua robustez, pelo motor elástico e, claro, pelo fato de ser o primeiro.
Ao longo dos anos, uma série de motorizações diferentes foi oferecida — algumas, exclusivas para os EUA e outras, para os mercados internacionais. Em 1999 o modelo de quatro cilindros foi descontinuado, e a versão de entrada passou a usar um seis-em-linha de dois litros e 150 cv na Europa, e de 2,5 litros e 170 cv nos EUA. Este foi um dos poucos casos em que o modelo americano era mais potente que o europeu (e os americanos ainda preferiam o câmbio automático de quatro marchas ao manual de cinco).
Mas a versão mais incrível do BMW Z3 era, claro, a versão Motorsport – ou M Roadster. A BMW não poderia ficar sem uma variante de alto desempenho de um carro que se mostrou tão vendável.
O M Roadster foi anunciado em 1996, e não foi exatamente difícil concebê-lo: bastou transplantar ao roadster o conjunto mecânico do M3 E36, o que significa que o M Roadster tem um seis-em-linha de 3,2 litros e câmbio manual de cinco marchas. Assim, apesar de não ter o nome alfanumérico tradicional da grife, o M Roadster era um legítimo modelo M.
Até mesmo a diferença de potência entre os modelos americano e europeu se repetia: do lado de cá do Atlântico, o motor era o S52 — de 240 cv a 6.000 rpm e 32,6 mkgf de torque a 3.800 rpm — enquanto na Europa era oferecido o S50, com 325 cv a 7.400 rpm e 35,6 mkgf de torque a mais baixos 3.250 rpm. O resultado se via nos números de aceleração: o M Roadster americano ia de 0 a 100 km/h na em cerca de 5,2 segundos, enquanto o europeu era mais de um segundo mais rápido, fazendo o mesmo em 4,3 segundos.
Naquele mesmo ano, uma equipe de engenheiros malucos da BMW conseguiu autorização para fazer uma versão com teto fixo do M Roadster — o M Coupe. Que, apesar do nome, era na prática um hatchback (um dos melhores do universo, aliás).
Os melhores hot hatches do universo: BMW M Coupe (sim, você leu certo)
Outros componentes também mudavam no M Roadster — muitos deles emprestados dos M3 E30 e E36, como os freios e a suspensão. O M Roadster também tinha para-lamas alargados — possibilitando bitolas mais largas, assim como os pneus, de medidas 225/45 na dianteira e 245/40 na traseira, que calçavam rodas de 17 polegadas. O sistema de escape tinha duas saídas duplas que se tornaram sua marca registrada, e a BMW ainda incluiu um diferencial de deslizamento limitado para aprimorar ainda mais a dinâmica.
Em 2000, toda a linha Z3 foi atualizada com novos motores e um novo visual — com exceção do M Roadster, que permaneceu idêntico por fora mas ganhou um novo motor: o seis-em-linha S54 do BMW M3 E46, considerado por muitos entusiastas o último seis-em-linha à moda antiga da BMW.
Naturalmente aspirado e girador, o S54 continuava entregando 325 cv a 7.400 rpm, com torque de 36 mkgf a 4.900 rpm. Mas a disparidade entre os modelos europeu e americano diminuiu: nos EUA, o M Roadster passava a 319 cv, enquanto o torque também era de 36 mkgf.
O BMW Z3 durou mais dois anos, saindo de linha em 2002, com muito mais de 100.000 exemplares comercializados. Três vezes mais: por volta de 300.000 unidades foram vendidas contando todos os mercados.
Dizer que a BMW nunca mais teve um roadster esportivo depois do Z3 é uma inverdade – seu sucessor, o Z4, foi lançado em 2002, ganhou sua terceira geração em 2018. Mas, perto de completar duas décadas, o Z4 padeceu do mesmo mal que os outros BMW: suas dimensões aumentaram, seu interior ficou mais recheado e o motor ficou mais potente. E o envolvimento ao volante não acompanhou.
Novamente, duvidamos que o BMW Z4 seja um carro ruim. Ele até foi escolhido pela Toyota como base para o Supra. Mas a BMW dificilmente vai fazer outro “Miata alemão” se continuar com a filosofia atual. E isto sim é triste. Será mesmo que o mundo não receberia muito bem outro Z3?