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Motos

A história da mítica Benelli Sei – e outras motos de seis cilindros

Quatro cilindros, quatro tempos – há quem diga que esta é a fórmula perfeita para um motor de moto, e que todas as outras configurações deixam a desejar em um ou outro aspecto. Mas vá falar isso para um fã das seis-cilindros!

Sim, porque também existem motos “seis-canecos” – uma configuração tão rara que, quando aparece, vira instantaneamente clássica. E a primeira delas (das produzidas em série, ao menos) veio lá da Itália. Seu nome: Benelli Sei.

A Benelli é uma das fabricantes de motocicletas mais antigas da Europa. A empresa foi fundada em 1911, quando uma senhora viúva chamada Teresa Benelli decidiu investir em um negócio para garantir o sustento de seus seis filhos – Giuseppe, Giovanni, Francesco, Filippo, Domenico e Antonio (conhecido como “Tonino”). Giuseppe e Giovanni foram enviados para a Suíça para estudar engenharia. No início a empresa era apenas a Garage Benelli, especializada em consertar motos e bicicletas. O diferencial era que os irmãos fabricavam a maioria dos componentes utilizados nos reparos. Com isto, na Primeira Guerra Mundial a Benelli foi uma das empresas que trabalharam nas máquinas usadas pelo exército italiano.

Com a experiência adquirida no serviço militar, a Benelli apresentou em 1921 sua primeira motocicleta – que, como diversas motos da época, era pouco mais que uma bicicleta com um motor monocilíndrico de 98 cm³ adaptado.

O primeiro garoto-propaganda das motos Benelli foi o próprio Tonino Benelli, que começou a competir em 1923 e logo se mostrou extremamente talentoso e competitivo, vencendo o Campeonato Italiano de Motociclismo quatro vezes em cinco anos: em 1927, 1928 e 1930 com uma Benelli 175 de comando simples no cabeçote, e em 1931 com uma versão de comando duplo.

Benelli TN4

Mas corridas são perigosas. Em 1932 veio a primeira tragédia: um acidente durante uma corrida obrigou Tonino a abandonar as pistas. Cinco anos depois, em 1937, ele perdeu a vida em um acidente de moto na rua. Passado o luto, em 1939 a Benelli apresentou uma Four, moto de corrida com motor quatro-cilindros de 250 cm³ com supercharger. Depois de estrear no Tourist Trophy de Isle of Man em 1939, a moto deveria competir na temporada de motovelocidade naquele ano. O início da Segunda Guerra Mundial, porém, os obrigou a mudar seus planos.

Do fim da Segunda Guerra, em 1945, até a década de 1960, a Benelli fabricou motos com deslocamento de 98, 125, 350 e 500 cm³, sempre com motor monocilíndrico. Acontece que no fim deste período as coisas estavam complicadas para as fabricantes de motos europeias: as companhias japonesas, com suas máquinas mais leves e com motores de dois e quatro cilindros – mais leves, potentes e elásticas – começaram a dominar o mercado.

Foi por conta disto que, em 1973, Alejandro De Tomaso (na foto abaixo, com sua própria Benelli de seis cilindros) comprou a Benelli e uma de suas maiores rivais no mercado, a Moto Guzzi. Sim, estamos falando do engenheiro argentino radicado na Itália que criou um superesportivo com design italiano e motor americano – o De Tomaso Pantera, com seu V8 de Ford Mustang. Alejandro De Tomaso nunca teve medo de expandir seus negócios e, depois do sucesso do Pantera, decidiu que era hora de investir nas motos.

O plano de De Tomaso era renovar a linha da Benelli com motocicletas modernas que enfim fariam frente às invasoras japonesas, que chegaram ao ponto de roubar clientes das motos italianas nos EUA.

Não dizem que para derrotar o inimigo é fundamental conhecê-lo? Pois bem: segundo consta, o próprio De Tomaso adquiriu uma Honda CB500 Four, uma das motos de quatro-cilindros mais bem sucedidas da época, e a entregou a seus engenheiros para que eles “se inspirassem”. Foi assim que surgiu a Benelli Quattro, que tinha versões com motor de 350, 500 e 650 cm³, sempre com quatro cilindros em linha e comando simples no cabeçote. O design da Benelli Quattro ficou por conta das carrozzerias Ghia e Vignale, ambas adquiridas por De Tomaso mais ou menos na mesma época. Mas é a moto de seis cilindros, a Benelli Sei (sei é “seis” em italiano, caso não tenha notado) que nos interessa.

O motor da Benelli Sei era praticamente uma cópia do projeto da Honda Four, porém com dois cilindros a mais, resultando em um deslocamento de 750 cm³. Com três carburadores Dell’Orto (os mesmos usados pela CB500), o seis-em-linha transversal entregava 76 cv, que iam para a roda traseira através de uma caixa manual de cinco marchas. A transmissão era por corrente. O seis-cilindros era capaz de levar a moto até os 193 km/h.

O desenho do estúdio Ghia para a Benelli Sei também era marcante: até o fim dos anos 60 as motos ainda tinham visual arredondado e, digamos assim. A Benelli Sei foi uma das primeiras a apostar nas formas mais retilíneas que marcaram o design das motos setentistas – algo que foi explorado ainda mais a fundo pela Suzuki com sua Katana, como contamos aqui.

E também foi a responsável por mostrar que as fabricantes italianas ainda tinham condições de rivalizar com as novidades do oriente. O seis-cilindros da Benelli foi uma verdadeira sensação nos primeiros anos – especialmente por conta do ronco incrível produzido pelas seis saídas do escapamento.

Produzida entre 1974 e 1978, a Benelli Sei foi a única moto de seis cilindros disponível no mercado até a chegada da Honda CBX, exatamente em 1978. Foram produzidos exatamente 3.100 exemplares da motocicleta antes que, em 1979, a Benelli lançasse uma versão ainda mais potente: a Benelli 900 Sei.

Como o nome indica, a evolução da 750 Sei tinha motor de 904 cm³, conseguido ao se aumentar o diâmetro×curso da moto de 56×50,6 mm para 60×53,4 mm. Com isto a potência chegou aos 80 cv e a velocidade máxima, aos 204 km/h.

A Benelli 900 foi produzida entre 1979 e 1989, mas sua vida foi marcada por problemas de confiabilidade – talvez porque ela fosse uma moto avançada demais sem o controle de qualidade necessário. A situação agravada pela fabricação artesanal – apenas 2.000 exemplares foram feitos em dez anos, e a produção foi encerrada sem muito alarde ao final daquela década. A fábrica da Benelli, que ficava em Pesaro, na Itália, foi vendida.

Em 1996 o empresário italiano Andrea Merloni comprou os direitos sobre o nome Benelli e toda a estrutura original, a fim de relançar a marca no mercado. Ele presidiu a companhia até 2005, e sob seu comando a Benelli apresentou novos modelos de motos esportivas.

Merece destaque a Benelli Tornado Tre 900, que tinha este nome porque seu motor quatro-cilindros de 900 cm³ tinha não um, não dois, mas três comandos de válvula. Dito isto, jamais a fabricante italiana voltou a brincar com a ideia de uma moto com “seis canecos”.

Honda CBX1000, Gold Wing e Valkyrie

Como comentamos ali em cima, os japoneses levaram quatro anos para superar os italianos. Lançada em 1978, a Honda CBX1000 foi a primeira rival de seis cilindros da Benelli Sei. Seu motor, considerado enorme para a época, deslocava 1.047 cm³ para entregar 105 cv a 9.000 rpm, levando a moto até os 215 km/h. O motor tinha comando duplo no cabeçote, quatro válvulas por cilindro e nada menos que seis carburadores.  A Honda CBX1000 foi produzida entre 1978 e 1982, e não deixou sucessora.

A Honda só voltou a colocar um seis-cilindros em uma moto em 1987, quanfo foi lançada a quarta geração da estradeira Gold Wing, batizada GL1500. E não qualquer seis-cilindros, mas um flat-six de 1.520 cm³ criado para ser silencioso, suave e bom de torque.

Enclausurado sob as pesadas carenagens, o motor entregava 100 cv a 5.200 rpm e 15,2 kgfm de torque a 4.000 rpm. O motor era alimentado por dois carburadores Keihin, e pela primeira vez a Gold Wing tinha marcha à ré – que, na verdade, era possibilitada pelo uso do motor de partida para ajudar a manobrar a motocicleta.

Nos últimos trinta-e-poucos anos a Gold Wing jamais abandonou o flat-six – a cada nova geração ele só aumentou de tamanho e ficou mais potente. A nova Gold Wing, primeira a contar com câmbio de dupla embreagem e trocas automáticas, foi lançada em 2019 com um motor de 1.832 cm³, 120 cv a 5.500 rpm e 17,3 kgfm de torque.

Mas a Gold Wing não foi a única moto da Honda a usar o flat-six. Em 1996 a fabricante japonesa decidiu invadir o terreno da Harley-Davidson e apresentou a Valkyrie – que era uma custom mais tradicional, sem as enormes carenagens, com estilo clássico. E ela pegou emprestado o motor de 1,5 litro da Gold Wing, porém com seis carburadores individuais – o que dava à moto mais fôlego nas arrancadas. A Valkyrie foi vendida até 2003, mas foi considerada redundante com a Gold Wing e, por isso, acabou descontinuada.

 

Kawasaki Z1300

Se a resposta da Honda à Benelli Sei foi a CBX1000, a resposta da Kawasaki foi a Z1300, que também tinha um motor de seis cilindros em linha transversal, mas aqui com eixo cardã em vez de corrente. Fabricada por exatos dez anos, de 1979 a 1989, moto quadradona dispunha de um propulsor de com três carburadores Mikuni de corpo duplo com 120 cv a 8.000 rpm e 11,7 kgfm de torque, suficientes para ir até os 222 km/h de acordo com a Kawasaki.

Por alguma razão, a Kawasaki Z1300 foi considerada pelas autoridades francesas “perigosa demais” para circular em vias públicas. Pouco depois do lançamento, o governo da França decidiu impor um limite de 100 cv a todas as motos vendidas no país. Dizem que a ideia era estimular outros países da Europa a fazer o mesmo, o que nunca aconteceu – mas, ainda assim, a França manteve o limite até 2016, quando finalmente concordou-se que a restrição não fazia sentido algum e só prejudicava o mercado.

 

BMW K1600

A mais recente adição ao seleto grupo de motos de rua com motor de seis cilindros é a BMW K1600. Com um seis-em-linha transversal de 1.649 cm³, ela foi concebida para encarar diretamente a Gold Wing.

A K1600 chegou ao mercado em 2011 e, desde então, não recebeu alterações significativas no projeto. Pudera: com seus 160 cv a 7.750 rpm e 17,8 kgfm a 5.250 rpm, ela já nasceu mais potente e torcuda que a Honda – e, considerando a fidelidade que os fãs da BMW Motorrad têm para com suas motos favoritas, dificilmente o comprador de uma K1600 consideraria trocá-la por uma Gold Wing…