No geral, o público fã de motocicletas está bem servido no Brasil – ao menos quem curte as motos de maior cilindrada, de 500 cm³ para cima. Boa parte dos grandes lançamentos mundiais acaba chegando ao nosso mercado, mesmo que com alguns meses de atraso, e as opções são muitas em diversos segmentos, das superesportivas e naked às aventureiras, fora-de-estrada e touring.
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Por outro lado, quem busca uma moticicleta menor e mais acessível está mais limitado. Os modelos de 300 a 400 cm³ até oferecem opções fora da caixa bacanas, como a Yamaha MT-03, as Kawasaki Ninja 400 e Z400, e até mesmo a Royal Enfield Himalayan.
Mas não se encontra motos menores com uma proposta esportiva mais séria. As que melhor se aproximam disto são a Honda Twister e a Yamaha Fazer, ambas com motores monocilíndricos de 250 cm³ – e que, no fim do dia, são motos street com elementos das naked. E quando o assunto são as pequenas, na faixa dos 125 a 160 cm³, não pode fugir de figurinhas carimbadas – Honda CG, Yamaha Fazer e as diversas scooters que explodiram em popularidade nos últimos anos.
É por isso que, sempre que dou uma olhada nas motocicletas que se pode comprar em outros países, especialmente na Europa, sinto uma pontinha de inveja. No Velho Mundo, um segmento bastante popular é o das motos esportivas de 125 cm³ – que, por fora, lembram muito as superesportivas maiores, de 900 cm³ ou mais. Elas são feitas para motociclistas menos experientes, que buscam o estilo e a experiência de condução de uma moto maior, porém sem o desempenho bruto que pode ser um risco para quem não tem tanto tempo muito tempo de estrada. Elas não são tão baratas quanto as 125cc “normais”, mas compensam com suspensão mais sofisticada e acabemento mais caprichado. E não faltam opções.
Um dos melhores exemplos, por colocar em perspectiva as nossas motos pequenas e as “mini-esportivas” europeias, é a atual CB125R. Ela é a moto de entrada da família Neo Sports Café da Honda, que no Brasil é representada pelas CB650R e CB1000R, trazendo o mesmo visual com toque retrô – tanque robusto, farol redondo com lâmpadas de LED e posição de pilotagem esportiva. Ela tem suspensão monochoque na traseira, garfo Showa e câmbio de seis marchas – tudo amarrado por um motor monocilíndrico SOHC de 13 cv a 10.000 rpm. Embora tenha arrefecimento líquido (algo que não se vê nas motos pequenas nacionais), trata-se de um motor de concepção bastante simples e com foco no desempenho em médias rotações, oferecendo boas retomadas e agilidade. E é o suficiente para tornar a moto de apenas 126 kg bem esperta.
Para quem quer algo mais extremo, visualmente falando, existem outras opções ainda mais radicais – como a dupla YZF-R125 e MT-125 da Yamaha. Esportiva e naked usam a mesma base – um chassi diamond e um motor de 124,7 cm³ com 14,7 cv a 9.000 rpm – mas cada uma tem um estilo: a YZF-R125 é claramente inspirada na Yamah R1, enquanto a MT-125 tem o mesmo visual robótico das demais representantes da família MT.
Estas motos têm destaque na Europa por uma razão simples: lá, a habilitação para conduzir motocicletas é mais segmentada que no Brasil. Por aqui, temos a CNH de categoria A para motos e a AB para motos e carros, sem separação por tipo de motocicleta. Em teoria, a primeira moto de um condutor habilitado pode ser uma esportiva grande, de 1.000 cm³ ou mais – ainda que seja uma péssima ideia dar a um motociclista recém-habilitado uma moto tão potente.
Na Europa, a categoria mais baixa de habilitação para motos é AM, que permite que se conduza ciclomotores e scooters de até 50 cm³. Depois dela, o próximo passo é a habilitação A1, que dá direito à condução de motos “de verdade” com deslocamento de até 125 cm³ e potência inferior a 14,75 cv. As esportivas pequenas foram criadas para atender ao público que se enquadra nesta categoria e quer algo mais descolado.
No Brasil, como não existe esta divisão – e como as motos de 125 cm³ a 160 cm³ são encaradas como veículos de baixo custo, usados para trabalho e locomoção diária – as esportivas de pequena cilindrada simplesmente não encontrariam demanda grande o bastante para justificar sua oferta no Brasil. Seriam motos mais caras, de nicho, e certamente acabariam encalhando nas concessionárias. Mesmo as poucas esportivas com motores maiores, como a Kawasaki Ninja 250, tiveram sucesso limitado no Brasil.
Mas existe, no Brasil, a possiblidade de comprar uma moto esportiva de verdade com motor de 125 cm³. Seu nome é Cagiva Mito 125, e ela foi importada para o Brasil em pequena quantidade pela Agrale na década de 1990. Trata-se de uma das motocicletas mais raras do País – seguramente menos de 100 delas foram vendidas – e uma das mais interessantes, também.
A Cagiva Mito 125 foi lançada em 1989, bem antes que a categoria A1 para habilitação de motociclistas impusesse o limite de 14,75 cv. Assim, seu motor de 124,7 mkgd chegava tranquilamente aos 33,5 cv a 10.500 rpm – para se ter ideia, a atual Twister com motor 250 tem 22,4 cv a 7.500 rpm. Era um motor dois-tempos, alimentado por um carburador Dell’Orto de 28 mm, que ligado a um câmbio de sete marchas, era capaz de levar a motocicleta até os 165 km/h. A Mito 125 era, na época, a moto 125 mais veloz do mundo.
A moto era construída sobre um chassi do tipo berço duplo de alumínio extrudado – o que garantia resistência e leveza. Mesmo com dimensões volumosas, a moto pesava 125 kg com fluidos (o mesmo que as 150 e 160 modernas), e suas proporções garantiam agilidade. Ela tinha braço oscilante do tipo monochoque na traseira e garfo telescópico na dianteira e freios a disco com 320 mm na frente e 230 mm atrás.
A Cagiva Mito original já impressionava pelo design – era praticamente uma cópia das Ducati com motor de 900 cm³ e acima, com a mesma pegada esporte-fino e o estilo limpo das esportivas italianas. Em 1994, porém, promoveu-se uma reestilização assinada por ninguém menos que Massimo Tamburini, o lendário engenheiro por trás das mais emblemáticas motocicletas da Ducati e fundador da excêntrica Bimota (que fabricava motos com braço oscilante na dianteira).
A chamada MkII, assim, ficou ainda mais parecida com as Ducati – em especial a 916, que também era um projeto de Massimo Tamburini. O formato do tanque e da rabeta, o desenho do para-lama dianteiro e, principalmente, a identidade visual da carenagem dianteira, eram quase idênticos. Com o motor oculto, era impossível dizer que se tratava de uma moto com motor tão pequeno.
A introdução da Mito MkII também trouxe outra novidade: um jovem piloto chamado Valentino Rossi, recém saído das minimotos, foi contratado pela Cagiva naquele ano para representar a empresa no campeonato italiano de motovelocidade – e conseguiu um pódio logo em seu primeiro ano. Em 1995, ainda com a Mito, ele conquistou o título. Rossi tinha 16 anos de idade – e, no ano seguinte, para buscar seu primeiro título mundial, acabou migrando para a Aprilia, arquirrival da Cagiva.
Mesmo sem Valentino Rossi como garoto-propaganda, a Cagiva Mito prosperou – ela foi vendida até 2012 sem alterações radicais, passando apenas por algumas reestilizações quase anuais. O que mudou mais foi o motor – a partir de meados dos anos 2000, com a chamada Série 525, a Mito recebeu modificações em seu dois-tempos para reduzir poluentes e, consequentemente, era menos potente: tinha “apenas” 24 cv (ainda assim, bem mais que a potência das 125 atuais). O câmbio passou a ter seis marchas como forma de conter custos e adequar-se melhor ao novo motor.
A Cagiva Mito também recebeu uma versão naked, chamada Planet 125, lançada em 1997 e descontinuada em 2003. Ela era feita sobre o mesmo quadro da Mito, porém com design inspirado pela Ducati Monster, com farol redondo e rabeta que remetia às cafe racer. Assim como a Mito, a Planet foi importada em pequena quantidade pela Agrale.
Ocasionalmente ambas aparecem anunciadas nos sites de classificados, custando a partir de R$ 20.000 – um valor até que acessível, considerando a raridade e o quanto estas motos são especiais. Aliás, se alguém tiver um exemplar disponível para um test ride… é só chamar.
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Massimo Tamburini: a trajetória do designer por trás das Bimota, Ducati, Cagiva e MV Agusta
Bimota: a história das motos fora-de-série que quebraram paradigmas – parte 1
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