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Pensatas

As “soluções de mobilidade” e minha viagem de fim de ano

Viajar de carro nem sempre é bom. E digo isso na posição de estradeiro do FlatOut. Mês de dezembro, faltando uma semana para o natal, com chuva e sem vagas garantidas no destino. Não é o cenário ideal para viajar de carro, então eu decidi ser moderno: comprei passagens de avião e me tornei um daqueles nômades digitais, que levam a vida na mochila, por uma semana.

Da mesma forma que uma viagem de carro, a viagem sem carro também começa no momento em que você fecha a porta de casa. No carro, você só entra e segue em frente até não poder mais. Então você abastece o carro, equilibra os fluidos do corpo e segue até a próxima parada e, depois, até o destino final.

Sem carro, o negócio foi diferente. Começou três dias antes procurando a melhor forma de chegar ao aeroporto de Guarulhos. A primeira opção: Uber até a rodoviária, ônibus até a cidade vizinha, outro ônibus até o aeroporto. Tempo total de viagem: 4 horas. Custo da viagem: R$ 12 para o Uber, R$ 12 para o primeiro ônibus e R$ 45 para o segundo; R$ 69 ao todo.

A outra opção: ir de carro até a cidade vizinha, onde eu convenientemente poderia deixar na garagem de um familiar que, convenientemente, mora próximo a uma praça/ponto de parada daqueles serviços de car sharing. Eu disse que decidi ser moderno, não?

Eu poderia esperar o Uber, esperar o ônibus, esperar o outro ônibus e esperar o avião. Ou poderia dirigir, dirigir, esperar e decolar. É claro que eu fui dirigindo. Meia hora até a garagem, mais 50 minutos até o aeroporto, em menos de 2 horas eu estaria lá. E dirigindo e parando do meu jeito. O custo da viagem? R$ 18 de combustível para o primeiro trecho, mais R$ 69,40 pelo aluguel do carro, mais R$ 10 de pedágio. Total: R$97,40 e 100 minutos de estrada e caminhada.

É mais caro, claro. Afinal, é o preço da conveniência. Se fosse mais barato, não precisaríamos de ônibus, ora pois. No fim, prefiro pensar que paguei R$ 28,40 para economizar 140 minutos. Se tempo é dinheiro, que assim seja calculado.

Na estrada, eu refletia sobre a opção que havia feito e a alternativa a ela. Nos dois casos eu não dependia do meu carro; não precisava ter um carro na garagem. A ida até a casa do meu familiar poderia ter sido feita de ônibus, ao longo de 40 minutos, custando pouco menos que o combustível que eu queimei no meu carro. Seriam 20 minutos a mais e R$ 6 a menos.

Mas a reflexão não foi sobre as opções, mas sobre como os carros têm um papel importante nas alternativas de mobilidade. Note que mesmo na primeira alternativa, na qual eu pegaria dois ônibus e precisaria de quatro horas para ir da porta da minha casa ao portão de embarque, o primeiro trajeto seria feito de carro — táxi ou uber, tanto faz.

E eu optei por sair de casa em um carro de aluguel porque estamos no verão tropical, que tem calor intenso e chuvas fortes. Duas mochilas nas costas, um par de tênis para a semana toda e todos os eletrônicos que um “nômade digital” moderno carrega não podem ser molhados na primeira hora de viagem, além de ser algo inconveniente de se carregar por aí debaixo do sol de 32 graus. Como o elemento mais individualizado desse trajeto todo é o percurso entre meu endereço e a rodoviária, individualizar o transporte foi a solução mais lógica.

Depois, eu poderia ter ido de ônibus até o aeroporto. Há muitas pessoas saindo daqui e indo ao aeroporto, então a solução coletiva é mais racional. E eu teria feito isso, se não tivesse um lugar para deixar meu carro. E se não tivesse um serviço de car sharing.

É exatamente isso o que eu quis dizer há alguns anos quando propus que a solução da mobilidade não viria pela restrição, mas pela ampliação das opções. A combinação de possibilidades me permitiu escolher a forma mais eficiente e conveniente de começar minha viagem, fazendo meu próprio horário e, acima de tudo, garantindo minha chegada no horário de embarque. Sem atrasos, sem tempo ocioso.

É apenas uma questão de otimizar o tempo, que é a coisa mais escassa e cara que podemos perder. É por isso que todas as classes sociais almejam um transporte individualizado — seja ele uma moto popular ou um helicóptero.

A título de curiosidade, o carro compartilhado era elétrico e esse parece ser uma boa utilização do carro elétrico: percursos urbanos, aluguel de curto prazo, viagens curtas de um carregador ao outro. Se você não ficar pensando que está em um carro elétrico, até esquece que não é um motor de combustão interna que te embala. Eu já havia dirigido outros elétricos antes, mas nunca em situação de mundo real, na qual eu dependia do carro para fazer o que eu pretendia.

Foi um desse aí

É claro que eu estava tranquilo porque sabia que o carro tinha mais autonomia do que eu precisava. Eu escolhi propositalmente um carro com mais de 300 km de autonomia para um percurso de pouco mais de 70 km justamente para não ter preocupação. Se tivesse metade, cerca de 150 km, eu ficaria preocupado, pois durante a viagem consumi carga suficiente para 130 km — 60 km a mais do que o previsto.

Mas, da mesma forma, eu ficaria preocupado com meio tanque de combustível que, de repente, em 70 km, baixa para menos de um quarto de tanque. Na verdade, o carro que mais me deixou aflito com a autonomia (range anxiety, como dizem os americanos) em toda a minha vida como motorista estradeiro, foi o Nissan March 1.6 CVT — o indicador de combustível em barras e o tanque de 41 litros cheio de etanol me deixaram com pouco mais de 25 km de autonomia indicados no computador de bordo a mais de 40 km do próximo posto. E, diferentemente do carro elétrico, o Nissan não recupera combustível quando você liga o modo econômico e aproveita o embalo das descidas.

Portanto, se o futuro permitir que eu tenha todas estas opções de mobilidade, e permitir que eu continue combinando todas de acordo com minha necessidade individual, estou pronto para apoiar todas as iniciativas — desde a bicicleta laranja até os patinetes de adultos, passando pelo Uber e pelos carros elétricos compartilhados. O problema é quando o negócio se torna obrigatório. Nada que é benéfico precisa ser obrigatório — quando as pessoas descobrem que é bom, elas fazem espontaneamente.

Como eu fiz, depois de pensar sobre viajar de carro nessa época do ano em todos os seus inconvenientes, e optei por usar quatro modalidades diferentes de transporte.