Na primeira parte da nossa cobertura do Clássicos Brasil 2016 – evento de carros antigos focado na indústria brasileira, realizado durante o feriadão do aniversário da cidade de São Paulo no Clube Hípico de Santo Amaro (SP) –, vocês viram em primeira mão uma enorme galeria com o reveal do único Opala Las Vegas fabricado na história, mais uma série de clássicos full size, como Galaxie, Dodge Dart e Charger e picapes. Agora (com um pequeno atraso, é verdade), é hora de acelerarmos em todo o restante da exposição. E começaremos com dois verdadeiros mísseis das pistas!
Because race car
Copersucar-Fittipaldi FD01 – o pioneiro. O carro com o qual Wilsinho Fittipaldi (que pode ser visto ao fundo da segunda foto: ele estava presente no evento distribuindo autógrafos) começou o campeonato de 1975 da Fórmula 1. Projetado por Ricardo Divila e executado pelos mecânicos Darci Medeiros e Yoshiatsu Itoh, o FD01 foi uma das empreitadas mais raçudas do automobilismo no Brasil.
Como todos os F1 da época, tinha sob a carenagem a combinação do motor Ford Cosworth DFV V8 mais câmbio Hewland. O FD01 disputou apenas a primeira corrida de 1975, o GP da Argentina. Na 12ª volta, uma das cruzetas de transmissão colapsou, o que levou o fórmula à uma rodada incontrolável, que terminou numa batida com princípio de incêndio. Na prova seguinte, o GP do Brasil, Wilsinho alinharia no grid com o FD02, já incorporando a sua famosa corcova sobre o santo antônio.
Protótipo de Divisão 4 Fúria Alfa Romeo 1970 – uma das mais belas criações do carrozziere Toni Bianco, que acabou por inspirar a versão de rua Bianco. Deguste lentamente as fotografias abaixo, clique nas imagens e as amplie. Este é o tipo de carro com o qual se topa poucas vezes na vida.
Apenas seis Fúria foram construídos, cada um com uma mecânica diferente, graças a um inteligente sistema modular no cofre do motor: FNM-Alfa Romeo, Ferrari, Lamborghini, BMW, Chevrolet e Dodge V8. De acordo com Toni Bianco, o modelo do chassi das fotos abaixo originalmente era o Dodge V8 318, ou seja, o último dos Fúria se transformou num tributo ao primeiro Fúria.
Esta unidade passou por quase 20 anos abandonado em Brasília, sofreu um restomod para disputar os Mil Quilômetros de Brasília de 2003 com motor V6 de Alfa Romeo 164 e somente na última década é que foi adquirido pelo colecionador Antônio Vilas Boas e, aí sim, foi restaurado para esta maravilha que vemos nas fotografias.
Uma concessão perfeitamente adequada: o pesado e relativamente limitado (por falta de peças) motor FNM-Alfa Romeo 2.150 foi substituído por um de Alfa Romeo GTV: dois litros, bloco e cabeçote de alumínio, câmaras de combustão hemisféricas, e ainda foi preparado com comando bravo, dupla carburação Weber 45 e coletores de escape de inox.
Do Romi-Isetta ao Buggy do Senna
Você considera o Romi Isetta um carro, como nós o fazemos? Se sim, você está olhando para dois legítimos representantes do primeiro carro a ser fabricado no Brasil (leia aqui nossa matéria sobre esta antiga polêmica). Versão brasileira do italiano Iso Isetta – o que explica o irresistível design de lambreta –, foi fabricado entre 1956 e 1961 em Santa Bárbara do Oeste (SP) pela Romi, sob licença da Isetta. Seu motorzinho de 236 cm³ gerava 9,5 cv (a partir de 1958, um BMW de 300 cm³ de 13 cv), que levava os seus aproximados 350 kg a até 85 km/h. Manopla de câmbio do lado esquerdo, entrada pela porta da frente (bem, a única…), que junto trazia a coluna da direção e uma temperatura interna digna de uma cozinha profissional devido às janelas fixas são algumas de suas excentricidades.
Logo na sequência, a ala “blue cloud” do Clássicos Brasil: DKW Candango, Vemaguet e um belíssimo par de Fissore – note a impressionante área envidraçada em todo o habitáculo, deixando as colunas do veículo quase flutuantes em relação aos vidros.
V6 de origem italiana, com bloco de alumínio, 2,5 litros, 120 cv a 6.000 rpm, suspensão independente nas quatro rodas, máxima de 170 km/h, carroceria de fibra de vidro, apenas 1.150 kg. Tudo em 1964 – seria não apenas o primeiro veículo de projeto e fabricação nacional, mas algo particularmente avançado para a época, que talvez levasse a nossa indústria para outro patamar pelo princípio da concorrência. Mas em vez deste princípio, o projeto do Democrata tomou um tapetão político e foi imobilizado à morte. Você conheceu a triste história do IBAP Democrata no nosso texto “Os carros mais injustiçados de todos os tempos”. Se não leu, leia agora mesmo.
Sedãs do começo ao final da década de 1960. Chrysler Esplanada 1969 e uma bela dupla de Aero Willys: um 1962 – destaque para o belíssimo interior vermelho – e um pós-1965, já reestilizado.
Um belo quarteto de Kombi – com direito a uma fantástica unidade seis portas – em exposição era apenas a ponta do iceberg…
…pois, logo ao fundo, havia mais três Kombi que não deixaram de pegar no batente, prestando seus serviços como food trucks no evento.
Os Puma estavam muito bem representados – com direito a um raro exemplar do primeiro ano de produção do modelo GT, 1968 – e foram responsáveis pela paleta de cores mais viva do evento. Passamos um bom tempo namorando o contraste do GTB S1 amarelo com o céu azul.
Quatro cilindros traseiro de quatro tempos e tração traseira, três cilindros dianteiro de dois tempos e tração dianteira: os históricos rivais de pista Willys Interlagos e GT Malzoni, aqui em suas versões de rua, eram inevitáveis torcedores de pescoços. São duas abordagens opostas do mesmo princípio: veículos peso-pena com carroceria de fibra de vidro, motor de um litro, centro de gravidade baixo e entre-eixos curto. Na sequência deste trio, uma bela recriação do carro de corridas Bino Mark I, originalmente um Renault Alpine A110 de competição com carenagem reestilizada pelo carrozziére Toni Bianco.
Os fãs de Alfa Romeo – tecnicamente, a Fábrica Nacional de Motores (FNM) – puderam se deliciar com uma bela dupla de FNM 2150, complementado por um dos carros mais raros do Clássicos Brasil: o Fúria GT 1971, um cupê 2+2 com conjunto mecânico e plataforma encurtada do FNM 2150. Teve apenas um protótipo construído, com carroceria de chapas de aço: as unidades de produção em série, que começaria três anos depois, utilizariam uma carroceria de plástico reforçado com fibra de vidro. Mas a notícia do encerramento de produção do FNM 2150 combinada à chegada do mais moderno Alfa Romeo 2300 colocou fim à sua história antes mesmo de ela começar.
Muito à frente de seu tempo, o Gurgel Itaipu E-400 1974: como a homenagem de seu nome dá a entender, era um veículo elétrico equipado com um motor de 10 kw e duas baterias de 175 amperes/hora – recarregáveis em oito horas por um plug convencional próximo à porta do motorista –, o que permitia até 127 km de autonomia. Velocidade máxima de 70 km/h. Foi criado para o uso comercial de empresas de iniciativa privada e do governo.
Entre abril de 1976 e maio de 1990, imperou o decreto-lei 1.455/1976, que transformava os automóveis em produtos de importação proibida. Neste intervalo de tempo vimos o nascimento de diversos modelos fora-de-série, de produção artesanal, quase sempre equipados com os motores boxer arrefecidos a ar da Volkswagen. Como a intenção destes veículos era oferecer o máximo de exclusividade, o resultado era bastante curioso: layouts de carrocerias inspiradas em clássicos europeus, procurando disfarçar ao máximo a presença do motorzinho ali na traseira, com capôs dianteiros longos e falsos ornamentos, como saídas de ar e coletores de escape. Este era o caso do raríssimo L’Automobile, do famoso MP Lafer e do Adamo, aqui representado pelo GTM C2.
Não que o boxer a ar não tivesse encontrado o seu caminho em veículos exclusivos de ritmo de produção industrial: VW SP2 e Karmann-Ghia – além dos Puma GT e GTE – são exemplares indispensáveis em um encontro de clássicos nacionais.
Concessionária, fabricante, equipe de corrida, customizadora ou preparadora? No caso da Dacon, do saudoso Paulo Goulart, as cinco opções contam! Um dos carros mais invocados do evento foi esta Brasília Dacon 1978, com a clássica receita de equipamentos de Porsche: rodas, volante, instrumentos – até onde sabemos, seu motor permanece o original, mas sabe-se que a Dacon podia equipar os VW com a mecânica do Porsche 914, caso o felizardo estivesse disposto a arcar com a empreitada.
A década de 1970 marcou o começo do fim das curvas musculares e fluidas para a adoção de traços retilíneos e simétricos. Em muitos veículos, os faróis redondos (quem não lembra do nome siribin – tecnicamente, sealed beam) ainda faziam presença, mas as linhas de ombro e a silhueta das carrocerias e janelas já deixavam muito claro o que estava por vir. Estes anos híbridos no mundo do design resultaram em belos frutos, como o Passat TS.
A década de 1980 abandonou de vez os grandes cromados e faróis redondos, dando início à era de conjuntos óticos dianteiros mais complexos, lanternas cada vez maiores, para-choques cada vez mais integrados e emprego massivo do plástico nos acabamentos. Não que isso tenha sido ruim, muito pelo contrário: foi uma época de reinvenção do design automotivo – especialmente no uso dos vincos na carroceria. Se o Passat TS sofreu um facelift básico, o Corcel GT foi inteiramente remodelado.
Curiosidade: o buggy BRM M8 da foto acima pertenceu a Ayrton Senna. Abaixo, as tendas da turma que trabalha com vendas de carros antigos. Na ordem: Old Garage, João Siciliano, Universo Marx (destaques para o Puma DKW chassi número 1, Corcel Bino e Chepala) e Advance (amplie a última foto e confira um raro L’Automobile Ventura).