A Mazda e foi a única fabricante que conseguiu produzir automóveis com motor Wankel em série e fazê-los dar certo. Hoje em dia, isso ficou no passado – e é fácil entender o porquê: apesar de serem motores de alta potência específica, funcionamento suave e ronco cativante, os rotativos nunca foram famosos pela parcimônia no consumo de combustível. Ao contrário: sempre tiveram fama de beberrões. Então hoje, quando até o mais econômico dos motores a combustão está sob ameaça, um carro novo com motor Wankel debaixo do capô seria um ultraje. Inadmissível.
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Mas décadas atrás, quando ninguém se importava com quilômetros por litro, isto não era um problema tão grande. Ao contrário – a ideia de um motor compacto e leve com o mesmo rendimento de propulsores muito maiores e mais pesados era bem atraente. Assim, além da Mazda, outras fabricantes fizeram experimentos com o motor Wankel.
Uma dessas marcas foi a alemã NSU – que também teve um modelo com motor Wankel produzido em série: o NSU Ro80, que já foi considerado o melhor carro do mundo por gente que entendia mesmo do assunto, mas acabou testemunhando o surgimento da preocupação com emissões e consumo e, por isso, definhou rapidamente.
Antes disso, porém, a NSU ajudou outra fabricante a desenvolver carros com motor Wankel: a Citroën. Hoje sabemos que foi uma ideia ruim que fracassou. Na época, porém, os franceses achavam mesmo que estavam no caminho certo.
Tudo começou em 1968, quando o carro compacto da Citroën era o Ami – que ficava acima do 2CV em preço e acabamento, com estilo mais convencional (para um Citroën, ao menos) e motores mais potentes, ainda que compartilhasse a mesma plataforma. Lançado em 1961, o Citroën Ami até que fez sucesso, dando origem a versões perua, furgão (uma perua de duas portas sem bancos traseiros) e até um sedã fastback com inspiração esportiva, o Ami 8.
Em 1967, quando o Ami já estava bem estabelecido no mercado, a Citröen resolveu fazer o que sempre fez: experimentar, simplesmente por que podia. E não há mal nenhum nisso, afinal, é assim que surgem as inovações.
Então, naquele ano, a Citroën decidiu testar o tal motor Wankel usando o Ami como laboratório. Para isso, eles contaram com a ajuda da própria NSU – as duas empresas se juntaram para formar a Comotor, cujo objetivo principal era aperfeiçoar o motor rotativo e produzi-lo em série. E foi assim que o Citroën Ami recebeu o motor Wankel debaixo do capô.
Para testar a novidade, a Citröen decidiu “presentear” alguns de seus clientes mais fiéis com a “oportunidade” de testar a novidade – que recebeu o nome de Citroën M35. Era, na prática, um Citroën Ami 8 que trocava o motor flat-4 de 602 cm³, por um Wankel de apenas um rotor e 995 cm³. A carroceria, feita sob encomenda pela também francesa Heuliez, tinha algumas modificações: apenas duas portas e uma entrada de ar para o radiador, o que deixava o aspecto do M35 incidentalmente mais esportivo.
Os clientes, claro, precisavam comprar os carros – não era um presente. E ele custava caro: 14.000 francos, o que o colocava acima do Citroën DS mais barato de todos.
Na prática, parecia uma boa coisa: o M35 era muito mais potente que o Ami 8 – ia de 32 cv no motor quatro-cilindros para 50 cv no Wankel. Consequentemente, seu desempenho era muito superior: o zero a 100 km/h era cumprido em 19 segundos, 10s a menos que o Ami 8; e a velocidade máxima era de 140 km/h, enquanto no Ami 8 era de 123 km/h.
O motor era ligado a um câmbio de quatro marchas com alavanca no painel, também novo, e era capaz de girar a até 7.000 rpm. Há relatos de que seu funcionamento era tão suave e ele subia de giro tão rápido que, atrelado ao conta-giros, um alarme sonoro disparava quando o limite de rotações estava próximo – afinal, não havia um sistema de injeção eletrônica para limitar o giro do motor automaticamente.
A princípio, o Citroën M35 mereceu elogios – quando funcionava direito, o Wankel não tinha problema algum para puxar os menos de 700 kg do carro. Além disso, o sistema de suspensão utilizado pela Citroën, que aproveitava parte do arranjo hidropneumático do DS, garantia toda a estabilidade e conforto que se podia querer de um automóvel tão especial e exclusivo.
Acontece que o M35 era um experimento, acima de tudo. A Citroën já esperava que ele tivesse problemas e adiantou-se: ofereceu aos clientes garantia de dois anos para o motor, e também ofereceu um carro reserva para que ninguém ficasse a pé enquanto o M35 estivesse na oficina.
Quando o primeiro carro foi entregue, em 1969, o que deveria ser um programa secreto já havia ganhado publicidade – por isso, cada um dos exemplares do Citroën M35 foi devidamente identificado com um adesivo na janela traseira. Ele dizia: “Este protótipo do Citroën M35, equipado com um motor rotativo, está passando por testes nas mãos de um cliente.”
Em pouco tempo, o caráter experimental do projeto começou a se mostrar. Diferentemente dos Wankel da Mazda, os motores fabricados pela NSU para a Citroën raramente passavam dos 40.000 km sem precisar de uma retífica completa – isso quando não abriam o bico de vez e tinham de ser trocados. Além disso, o consumo exacerbado de óleo lubrificante e combustível estavam distantes daquilo a que os europeus estavam acostumados.
O resultado foi, antes de qualquer coisa, uma mudança de planos. Foram previstos 500 exemplares, mas apenas 267 acabaram sendo fabricados entre 1969 e 1971. Sem qualquer intenção de deixar que o mundo soubesse disso, a Citroën deixou propositalmente uma enorme lacuna na numeração dos protótipos: o do carro 175, passou direto para o número 367. Assim, o último carro tinha o número 500, mesmo que fosse o 267º.
Apesar dos percalços, porém, a experiência foi considerada útil – serviu para que a Comotor aperfeiçoasse o Wankel e o reaproveitasse em outro carro: o Citroën GS.
Como o Ami, o Citroën GS também era um produto de sucesso quando recebeu o motor Wankel. Lançado em 1970, o GS era o carro familiar da Citroën, com espaço para cinco pessoas e bagagem, suspensão hidropneumática e motor flat-4 em diferentes deslocamentos e níveis de potência. Em suas variantes normais, o GS morfou-se em GSA no ano de 1980 e permaneceu em linha até 1989, o que atestava a qualidade do projeto.
Então, em 1973 – dois anos depois de encerrar a produção limitada do M35 – a Citroën lançou o GS Birotor, que evidentemente tinha esse sobrenome por causa do motor Wankel de dois rotores. Com 1.990 cm3, ele tinha exatamente o dobro do deslocamento do motor usado pelo M35, e entregava mais que o dobro da potência: 106 cv. Ele tinha exatamente o mesmo comportamento linear e esperto do mono-rotor, e de quebra tinha incentivos fiscais pelo baixo deslocamento.
Uma série de modificações no projeto original foi executada para garantir que o GS se desse bem com o motor rotativo – reforços estruturais, sistema de arrefecimento mais robusto, freios a disco mais eficazes nas quatro rodas (que até fizeram com que a Citroën usasse rodas de cinco furos em vez de três, como era seu padrão na época), e um novo câmbio semi-automático de três marchas foi adotado. Além disso, o acabamento interno era superior, com materiais de melhor qualidade. Tudo para justificar o preço 70% maior que o de um GS com motor quatro-cilindros – a versão Birotor custava tanto quanto um DS, que àquela altura já havia sido até o carro presidencial da França.
Diferentemente do M35, o GS Birotor não sofreu com quebras. Seu mal foi outro: o timing.
Em uma manobra incrivelmente mal calculada, a Citroën lançou o GS com motor Wankel em outubro de 1973, praticamente junto com o início da crise do petróleo – que afetou principalmente os EUA, mas teve seus efeitos sentidos ao redor do globo. Assim, o GS Birotor vendeu pouco, quase nada: 847 exemplares em dois anos.
Envergonhada e provavelmente emputecida, a Citroën resolveu que não iria dar suporte aos carros já vendidos e tentou comprá-los de volta. Conseguiu recolher quase todos e mandou destruí-los – com exceção de algumas poucas dezenas, cujos donos sequer conseguiram manter rodando legalmente na França porque a Citroën se recusava a reconhecê-los como produtos aptos a circular.
Com isso, os Citröen com motor Wankel tiveram o mesmo fim que o NSU Ro80. A diferença é que, enquanto o Ro80 era o carro no qual a NSU depositava todas as suas chances de sobreviver, para a Citroën os carros com motor rotativo foram apenas uma extravagância, que os franceses puderam dar-se ao luxo de esquecer.
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