O que aconteceria se eu pegasse o motor deste sedã de luxo – dimensionado para empurrar um carro de quase duas toneladas – e colocasse naquele popularzinho de 800 kg? Por alterar de forma tão profunda a relação peso-torque, o engine swap é um dos tipos de preparação mais hardcore que existem – e que possui cada vez mais adeptos no Brasil — basta dar uma olhada na lista dos Project Cars. Quais as principais dificuldades deste tipo de loucura? E qual o engine swap dos sonhos de vocês?
Antes, durante e muito provavelmente depois do Dart Games, vou continuar criando projetos mirabolantes que nunca sairão do papel – e a maior parte deles envolve engine swaps. Coisas como Puma com motor de Subaru, Opala V8, Mini Cooper antigo com motor de Civic Si, Alfa Romeo GTV com V6 do 164, BMW E36 com V8 de Corvette – e achava que isso era uma patologia rara. Mas conversando com os crew members Leo Contesini e Dalmo Hernandes, descobri que eles também possuem os seus projetos insanos – ou seja, o swap é uma doença que está se espalhando secretamente entre os gearheads. Por isso, extravasem a sua loucura no campo dos comentários – estamos curiosos para ouvir vocês.
De tanto conversar com preparadores a respeito das possibilidades destes projetos fictícios – e de ter acompanhado o real nascimento de alguns -, acabei juntando alguma base sobre as maiores dificuldades que aparecem em todo engine swap. Como vocês verão, é algo bastante complicado – mas existem caminhos para viabilizar o seu frankenstein sem que ele se torne um ralo de dinheiro.
Quanto mais exótica a combinação ou maior o salto, mais caro fica
A forma mais redonda de se fazer um swap é não dar saltos gigantescos. Coisas realistas são o caminho mais curto e bacana para a felicidade: ao se manter tudo em casa (sem troca de marcas) com motores da mesma geração e até parentes diretos do que o seu carro usa de fábrica e se fazendo uma preparação razoável (sem coisas extremas), as chances do swap ser menos trabalhoso e mais gratificante aumentam exponencialmente.
E outra: quanto mais popular o swap, maiores são as chances de você encontrar em fóruns e em sites o desenvolvimento de projetos similares – e daí você já consegue ter uma base bem avançada. Dependendo do que for, você já acha até kits para a instalação do novo motor, o que é um enorme atalho.
Mas se a sua ideia é mergulhar profundamente na maionese, na lista abaixo vocês terão uma ideia de tudo o que pode aparecer no seu caminho. E fica a dica: os swaps menos bem-vindos pelo público são os que cruzam diferentes marcas. Parece bobagem, mas lidar com a reclamação e provocação de pessoas que você nem conhece por algo que é seu pode ser algo determinantemente desgastante quando você encalhar em alguma dificuldade específica e precisar de ajuda.
Dimensões do motor: não tão simples quanto parece
Certo, o motor é um objeto tridimensional, com largura, altura e profundidade. O começo da conversa é por aí: aquela máquina de lavar roupa cabe dentro do cofre da minha jabiraca? Mas isso é só o princípio. Entre um bloco com cabeçote conseguir descer dentro do cofre sem mutilar as torres dos amortecedores e aquilo ser viável, há uma zona cinza cheia de componentes essenciais – especialmente em carros modernos, onde os espaços são muito justos.
Para ser realista, comece pelos coxins. Veja quais são os pontos de fixação do bloco que você quer instalar e comece a fritar alguns neurônios para ver se a adaptação no monobloco do seu carro é viável – e qual a posição aproximada onde o motor iria ficar.
Há três componentes que costumam dar dor de cabeça logo de saída: na ordem de dificuldade, bateria, cilindro-mestre do freio e a coluna de direção. A bateria é relativamente fácil – é só jogar lá para o porta-malas, redimensionar o cabeamento (o calibre aumenta bastante) e pronto. O cilindro-mestre você pode reposicionar na parede corta-fogo – e dá pra eliminar o hidrovácuo se for necessário (prepare as suas pernas para frear com força!). Mas não há muito o que fazer com a coluna e a caixa de direção. Isso é algo crítico especialmente em projetos que envolvem mudança na configuração de cilindros, como ao passar de quatro ou seis cilindros em linha para um boxer, V6 ou V8. Dependendo do projeto, o motor e o escape podem brigar com espaço até com as articulações do sistema de direção, como os terminais e os braços auxiliar e pitman.
Tem mais coisas para se considerar: a altura final do motor pode exigir que se faça um ressalto no capô. Certamente você precisará fazer coletores de escape sob medida, o que é bem caro. Dependendo do espaço, o motor pode entrar, mas você talvez precise levantá-lo do cofre para tarefas muito simples, como trocar velas – quem tem um Maverick com motor 351W sabe o que é isso.
E jamais despreze a diferença de massa do novo motor: não estamos falando só de distribuição de peso, mas sim, se o quadro onde você vai instalar a nova usina segura mesmo a onda. E veja como a coisa facilmente se torna uma espiral: com um motor mais pesado, é preciso usar molas de maior carga. E com isso, você sobrecarrega a estrutura do automóvel tanto com o peso estático quanto com o que a suspensão mais travada vai repassar ao monobloco. Dá pra reverter isso aliviando componentes como o capô e os para-lamas. E a própria migração da bateria. Dependendo do caso, dá até pra terminar com uma frente mais leve do que antes!
Eletrônica
Costuma ser a nota de corte para swaps mirabolantes modernos. Antigamente (década de 1960/1970 e começo da de 1980), o módulo só servia para controlar o sistema de ignição do motor. Hoje, há tantos recursos de assistência que a central eletrônica de um automóvel é composta de vários módulos interdependentes – os módulos que controlam a ignição e a injeção conversam diretamente com o câmbio e com os controles de tração, de estabilidade e freios ABS.
Não subestime o custo desta adaptação. Para se ter uma ideia, o custo de um kit de conversão eletrônica para se instalar o Hemi 5.7 (usado por quase todos os atuais carros grandes da Chrysler) em carros antigos custa 4 mil dólares! Frente a isso, a alternativa mais usada são os sistemas independentes, como o Megasquirt e a brasileira Fueltech, que podem cortar pela metade o sal do orçamento – mas ainda é bastante grana. Instalar, adaptar e fazer bons mapeamentos de injeção e de ignição não são tarefas muito simples, mas ao menos são viáveis.
Transmissão
Outro pesadelo em potencial e uma boa razão para você não exagerar o swap está no que vai imediatamente depois do virabrequim. Volante do motor, caixa seca, sistema de embreagem, possíveis flanges, caixa de câmbio, possíveis recortes no túnel do câmbio, possíveis adaptações nos consoles, árvores de transmissão e todos os componentes do diferencial: é uma lista bem gorda de coisas que precisarão ser analisadas com muito carinho, especialmente as especificações de tolerância de torque. Dependendo do tamanho da arte, é fácil gastar o mesmo na transmissão do que se gastou no motor – especialmente se for na base de tentativa e erro. Pesquisa é fundamental.
Arrefecimento e lubrificação
Lembre-se de que você está montando um frankenstein. O motor do carro X foi projetado e dimensionado para funcionar no carro X – o que inclui o tamanho do radiador, o fluxo das bombas e o sistema de lubrificação, que foi desenvolvido dentro daquelas condições de centro de gravidade e de aceleração lateral. Uma vez que o engine swap foi concluído, o trabalho de acerto e monitoramento de instrumentação deve ser levado muito a sério. É mais do que preparar um motor: ao fazer um swap, você literalmente criou outro carro.
Nossos engine swap dos sonhos
Naquele velho papo de boteco, cheio de espuma e com pouca substância, a equipe do FlatOut fez uma enquete interna: qual o seu swap dos sonhos? O que temos:
Leo Contesini – Mercedes-Benz “E722 TouringSport”: uma perua W210 Touring com o V12 M275 do S600, do qual deriva o motor do Pagani Zonda. Pacato, apropriado. Um bom veículo familiar – quase tanto quanto um Corolla champagne.
Dalmo Hernandes – Volkswagen Gol “R”: que tal um modelo atual de duas portas equipado com o powertrain do novo Jetta – motor 2.0 TSi de 211 cv, câmbio DSG de sete marchas… um carro que renderia profunda crise existencial no novo Golf GTI.
Juliano Barata – “Vettesun” 240Z: há dois motores que considero os “bacons” da engenharia automotiva. O K20 do Civic Si e o LS7 do Corvette. É um sacrilégio e até mesmo um 2JZ do Toyota Supra soaria como algo mais apropriado, eu sei, mas… e daí?
Ilustração feita por Victor Braga e Bravo especialmente para este post. Confira mais aqui.
Agora queremos ouvir de vocês: quais os projetos de engine swap dos sonhos de vocês?