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História

Ícones dos anos 2000: Opel Speedster / Vauxhall VX220

Hoje ele não existe mais, mas por um quarto de século, o Lotus Elise foi um carro que parecia não ter envelhecido um dia sequer. Um verdadeiro símbolo do que todo entusiasta da direção tem como sagrado, o Elise, mesmo se fosse lançado hoje, seria recebido com paixão e festa.

Lotus Elise série 1, 1996

Afinal de contas, é um pequeno carro esporte ainda hoje tecnologicamente avançado em sua mecânica, simples, sem muita eletrônica, mas em alumínio extrudado, cola estrutural, fibra de vidro, e apenas 675kg. Por isso era sensacionalmente veloz mesmo com um motor qualquer: no início, um Rover K-series de 1,8 litro e 120 cv: 0-100 km/h em 4,4 segundos e chegava a 203 km/h. Uma volta, nos idos de 1996,  a tudo que a Lotus significa para os de nossa religião.

No coração do carro está seu chassi modular. Duas longarinas extrudadas, na verdade dois tubos grande de seção retangular, vão da suspensão traseira à dianteira, se alargando no meio para abrigar o motor-transeixo e os dois ocupantes. O motor é central/traseiro, uma unidade quatro em linha de carro de tração dianteira e alta produção, montada atrás dos ocupantes. As outras extrusões de alumínio, e algumas chapas que formam o resto do chassi, são todos unidos por adesivo estrutural de epóxi, técnica inaugurada na indústria aeronáutica.

O chassi do Elise

Como cola não esquenta o metal ao uni-lo, não há distorção: a precisão é incrível. Rebites são usados também, mas apenas para melhorar o desempenho em crash-test. Nas pontas do Chassi, dois subchassis de aço galvanizado são montados com as suspensões, duplo A sobreposto de comprimento diferente, claro, e direção por pinhão e cremalheira. O santantônio tubular também é de aço galvanizado.

O chassi é simplesmente genial: simples, leve e ideal para produção em pequena e média quantidade, e pesava, no Elise série 1, só 70 kg. Mas também, e importante aqui para a história de hoje, era modular: bastava aumentar o comprimento das longarinas extrudadas, ou separá-las mais, para se ter um carro mais comprido ou mais largo.

A Lotus, lembre-se, então era ativa vendedora de tecnologia e serviços de engenharia; uma forma de sobreviver com algo mais que apenas carros esporte, que nunca são, sozinhos, bom negócio para empresas com acionistas. Um chassi, assim modular, permitiu que a empresa comercializasse a solução para outros. Gente como a Hennessey, que fez seu primeiro Venom baseado no Elise, mas com um V8.

Mas se o Elise revolucionou a Lotus trazendo-a ao seu passado em espírito, senão forma (não há nada de retrô no Elise), maior foi a revolução que fez fora dela: o primeiro Tesla era um Lotus Elise licenciado para a empresa da Califórnia.

Tesla Roadster: um Elise elétrico

Os entusiastas de carros esporte elétricos Martin Eberhard e Marc Tarpenning fundaram a Tesla Motors no paraíso fiscal do Delaware em 1º de julho de 2003. Elon Musk entrou na empresa logo depois, a partir de 2004, com um investimento de US$ 7,5 milhões, e o resto, é história.

Mas seu primeiro carro foi basicamente, um Lotus Elise elétrico, usando as baterias de lítio que os fundadores da empresa acreditavam ser o pulo do gato desde o início. O Roadster foi o primeiro carro totalmente elétrico de produção em série a usar células de bateria de íon-lítio. O carro era feito em Hethel, e engenheirado lá; recebia apenas os motores e bateria na Califórnia. Um total de 2450 carros foram vendidos até 2012, viabilizando o gigante que hoje conhecemos. Sim, tudo começou com um Lotus.

A história começa na Lotus

Mas a matéria de hoje não é sobre a Tesla; é sobre o outro gigante americano chamado General Motors. A GM foi dona da Lotus de 1986 a 1993, mas nunca soube muito bem o que fazer com ela. Terminou o projeto do Elan M100, mas seu fracasso desanimou a direção da GM, que acaba por vender a Lotus.

Um grande erro. A GM poderia ter usado a empresa como uma engenharia avançada; um centro de desenvolvimento de ride & handling, motores avançados e estruturas leves, todos especialidades da empresa. Podia ser escola, mantido independente e pequeno, para seus engenheiros. Podia ser um canal aberto para a fórmula 1. Tudo por um gasto ridículo de pequeno; basicamente de vez em quando financiar novos carros. Mas a GM, se sabe, não entende isso: sua língua é o lucro, e se a divisão não o apresenta, é seu fim.

Outra coisa que poderia fazer sendo dona da empresa seria impedir o acesso de concorrentes a ela. Por exemplo, a Tesla não começaria. Pelo menos não com base num Lotus. Já pensou? E a Tesla é só um dos beneficiados da tecnologia e know-how de Hethel; há muitos outros. Particularmente, acredito que a GM perdeu chance de melhorar muito sua situação aqui.

Mas enfim. O fato é que mesmo tendo vendido a empresa, a GM continuou por meio de contratos de desenvolvimento, ligada à Lotus. Dois exemplos famosos disso são o Vauxhall Lotus Carlton / Opel Lotus Omega, e o V8 DOHC do primeiro Corvette ZR1, o da geração C4.

Opel Speedster

Hoje, vamos falar do mais interessante desses desenvolvimentos conjuntos; um que conseguiu colocar o melhor da Lotus, e o melhor da GM dos anos 2000, em um só carro. Criando algo que apesar da vida curta e relativa obscuridade, certamente hoje é um ícone da década de 2000: o Lotus Elise versão General Motors.


Opel Speedster / Vauxhall VX220

O ano de 1999 seria o último ano em que a GM Europa como um todo teria lucro líquido. O caminho ali não parecia bom, e é incrível que algo como o Opel Speedster viesse a acontecer.  Mas ao mesmo tempo, algo começava a mudar na empresa na sede americana; Rick Wagoneer traria Bob Lutz para a empresa em 2001, mas entre 1999 e 2000, o executivo já sabia que precisava fazer algo para tornar seus carros mais interessantes.

Opel Speedster, 2000

Paralelo a isso, na Lotus se sabia que no ano 2000, novas legislações de segurança passiva entrariam em vigor na Europa, e o Elise como estava não passaria nela; e o dinheiro para remodelar o carro não havia. A Lotus precisava de um parceiro para isso. Encontrou esta ajuda no seu antigo dono, e parceiro comercial constante desde então: o gigante General Motors. O interesse da GM era criar versões Opel e Vauxhall do Elise, para apimentar a linha europeia da empresa.

Vauxhall VX220, 2000

Mas o CEO da GM Europa, Louis Hughes, acreditava basicamente em cortar custos, não em gastar em melhores produtos. O do Elise GM era, para Hughes, exatamente o tipo errado de carro no qual a Vauxhall e a Opel deveriam se envolver, e foi a razão pela qual o desenvolvimento foi tão rápido. Hughes mudava de ideia sobre o carro quase mensalmente. Os envolvidos sabiam que quanto antes o carro estivesse pronto, melhor.

E não há nada que aproxima os manicacas mais do que um projeto de carro esporte. Os engenheiros envolvidos se mataram de trabalhar, não parando nem em fins de semana ou noite, mesmo sem receber hora-extra. Eles sabiam que a empresa precisava daquilo; e eles precisavam de algo que lhes desse orgulho.

Realizado junto com a Lotus, o projeto recebeu codinome “Skipton”, e o Lotus Elise série 2 (Lotus type 116) que foi feito junto e misturado, se chamou “Monza”. Contaria também com, pela primeira vez, uma nova variação, o cupê de pista hardcore chamado Exige. Desde cedo, sabia-se que os dois carros seriam diferentes; o carro da GM mais espaçoso e luxuoso que o Lotus, além dos motores diferentes.

Tanto o Elise Série 2 quanto o Opel Speedster/Vauxhall VX220 seriam construídos na mesma linha de produção, em uma nova fábrica em Hethel. O chassi do VX220, usado posteriormente no Europa S, não é exatamente o mesmo que o chassi do Elise S2, com uma distância entre eixos 30 mm maior e soleiras das portas mais baixas. A única diferença entre um Opel Speedster e um Vauxhall VX220, além de logotipos, seria o lugar da direção, direita ou esquerda.

Os primeiros esboços do design da GM foram iniciados no final de abril de 1998. O seu papel era iniciar uma transformação na imagem pública de ambas as empresas, particularmente a da Opel. O australiano Niels Loeb foi responsável pela maior parte do exterior, enquanto Steven Crijns criava o interior, ambos trabalhando em Russelsheim, sede da Opel.

O Elise Série 2 também muda, claro: recebeu um extenso facelift, a passaria eventualmente a receber o motor Toyota 2ZZ-GE I4, um quatro em linha aspirado de 1,8 litro, que girava até 8000 rpm e dava 190 cv. Já o Opel Speedster/Vauxhall VX220 receberia motores de quatro cilindros da GM; os Ecotec da Opel.

O motor era uma evolução do família II, substancialmente reprojetado em 2000 para se tornar o Ecotec Gen I. Ao contrário de seu antecessor, o famoso C20XE, notavelmente agressivo, o motor foi projetado para proporcionar suavidade. Eixos de balanceamento duplos no bloco eram parte integrante do projeto, a bomba de direção hidráulica era montada diretamente no cabeçote e acionada pelo eixo de comando de admissão, a carcaça da bomba d’água era fundida no bloco e o compressor do ar-condicionado e o alternador eram montados diretamente no bloco, sem suportes.

VX220 Turbo

O “L61”, usado inicialmente nos Opel Speedster/Vauxhall VX220, é uma versão que media 86 x 94,6 mm e 2.198 cm³; com taxa de 10:1 dava 150 cv a 5800 rpm e 20,7 mkgf a 4000 rpm; todo em alumínio, pesava apenas 139 kg. Um motor bem menos girador que o bravo 2ZZ-GE I4 Toyota, que dava aos GM um comportamento mais tranquilo, mas mais suave em funcionamento, e em um motor ainda potente, e muito leve. O transeixo era Getrag F23, manual de cinco marchas.

O Elise subiu de peso, claro, para resistir a impactos: pesava agora 850 kg. O carro da GM, ligeiramente maior e mais equipado, não era muito mais pesado: 870 kg. Se o desenvolvimento tivesse sido deixado apenas para a Lotus, o VX220/Speedster teria sido um carro mais focado em esportividade, mas a GM queria garantir que o carro fosse “tolerante o suficiente para que um motorista “médio” não tivesse dificuldades”, o que resultou em uma experiência ligeiramente diluída em comparação com um Elise. A Lotus também queria instalar rodas dianteiras menores de 16 polegadas com rodas traseiras de 17 polegadas, mas a Vauxhall ignorou essa ideia e optou por rodas de 17 polegadas nas quatro rodas: regras internas diziam estepe para todas as rodas, e o estilo insistiu em tamanho igual de rodas.

Turbo, em 2004

O carro foi lançado com rodas exclusivas de alumínio 7,5J X 17 com pneus Bridgestone Potenza 225/45 de perfil baixo, especialmente desenvolvidos para o carro, e na dianteira, 5,5J X 17 mais estreitos com pneus Potenza 175/55. A maior parte da calibração inicial do chassi foi realizada pelos engenheiros da Lotus.

Opel Speedster Turbo

Lançado em 2000, o carro foi um relativo sucesso; mas um sempre eclipsado em comparação com o mais focado Elise. O carro dificilmente podia ser chamado de lento: o 0-100 km/h se dava em 5,6 segundos, e chegava a 217 km/h. Mas mesmo assim, uma versão turbo era inevitável; a GM é uma empresa americana, afinal de contas, e além disso, os alemães da Opel queriam mais para suas autobahn.

Esta aparece em 2004, chamado de Opel Speedster Turbo / Vauxhall VX220 Turbo. Tinha 203 cv, mas em compensação, pesava agora nada menos que 930 kg. Ainda assim, era capaz de atingir uma velocidade máxima de 242 km/h e acelerar de 0 a 100 km/h em 4,7 segundos.

Vauxhall VXR220

Os ingleses fariam uma versão ainda mais interessante em 2004: o Vauxhall VXR220. Focado em pista, tinha bancos mais esportivos, freios maiores, pneus semi-slick e suspensão rebaixada, além de mais potência, 223 cv. E veja só: as rodas Speedline eram de 16 polegadas na frente, e 17 atrás, como o Elise. Vermelho Calypso era a única cor externa disponível.

Em 2005, a General Motors apresentou um Vauxhall VX220 com a marca Daewoo no Aeroporto Internacional de Incheon, na Coreia do Sul, no showroom da GM Daewoo. No entanto, apenas uma unidade foi fabricada para fins de marketing.

Este ano de 2005 seria o último dos Opel Speedster / Vauxhall VX220 também; não era realmente um grande sucesso, de qualquer forma. A GM de Bob Lutz também agora preparava um novo carro esporte barato, feito por ela mesma nos EUA, e que iria aparecer como Opel GT na Europa; esta, história para outro dia. Ainda assim, hoje o Lotus da GM é cobiçado por colecionadores; parece que dura mais em uso que o Elise, e tem uma pequena vantagem em conforto e refinamento em relação aos Lotus. Quem diria?