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Car Culture

MC5: o nascimento do rock incendiado por gasolina

Como você já deve ter percebido, o Salão de Detroit 2015 começou exatamente hoje, e seu site favorito — também conhecido como FlatOut — está na Motor Town para fazer nossa cobertura especial do evento. Mas antes de falarmos dos carros, vamos aproveitar o gancho para falar de rock and roll — e dos bons!

Aperte o play e curta um post com trilha sonora – o cover do Rage Against the Machine para o maior hit do MC5

Se você curte stoner rock ou qualquer tipo de música catártica, com guitarras aceleradas por sua relação direta com os motores e a velocidade, saiba que isso não surgiu por acaso. Isso fruto da música de cinco caras que curtiam motores V8, hot rods, dragsters e borracha queimada que acabaram formando uma banda em Detroit: o Motor City Five, mais conhecido como MC5.

O MC5 surgiu em 1965, no berço da Chysler, Ford e GM, a partir do momento em que os guitarristas Wayne Kramer e Fred “Sonic” Smith, o vocalista Rob Tyner, o baixista Michael Davis e o baterista Dennis Thompson perceberam que compartilhavam mais do que o gosto pelo garage rock.

Não é preciso pensar muito para entender o motivo: em 1964 a Ford introduziu o Mustang, que se tornou um dos muscle cars mais icônicos da história. A Pontiac tinha o GTO, três anos depois a General Motors lançaria o Chevrolet Camaro e o Pontiac Trans-Am. Era um momento propício para que cinco amigos que amavam carros e corridas se juntarem para tocar rock & roll — um som rápido, agressivo e explosivo, como um hot rod movido a power chords de guitarra.

Esse som lançou a pedra fundamental para outro movimento: o punk na década de 1970. Como? Apadrinhando o The Stooges, do lendário Iggy Pop, que, ao lado do MC5, foi um dos primeiros grupos de proto-punk, unindo velocidade, peso e espírito garagista. Os Stooges só conseguiram seu primeiro contrato porque Wayne Kramer disse para Danny Fields, da Elektra Records, ir assistir a um show dos caras. Fields gostou tanto que ofereceu contratos para as duas bandas em 1968.

Deste contrato nasceu o primeiro álbum do MC5 — e também o maior clássico dos caras. Com o single Ramblin’ Rose e a faixa-título como destaque, o álbum foi seminal para o surgimento da cena punk na década seguinte. O que quase faz a gente entrar em parafuso, pois o som caótico que embala as letras de conteúdo social e político (ou anti-político) do punk rock surgiu, basicamente, porque cinco caras que curtiam carros queriam ter grana para comprá-los. E compraram.

Mas esta história fica melhor contada pelos próprios integrantes.

Wayne Kramer:

“Todos nós éramos apaixonados por hot rods e motores enormes. Até peguei um emprego de vendedor de sorvete na pista de dragsters – “OLHA O SORVETE BEM GELADO! SORVETE!” – só para poder estar lá toda semana. As corridas de dragster estavam no sangue da gente. Quer dizer, elas eram barulhentas e velozes, iguais à música.

A polinização cruzada entre corridas de carro e rock & roll é engraçada – minha primeira experiência com rock & roll ao vivo foi numa pista. Foi Del Shannon, acompanhado daquela banda instrumental de Detroit chamado de Ramrods. Eles usavam blazers vermelhos iguais, equipamento Fender todo novo, faziam movimentos coreografados ao lado da pista de corrida. Achei a coisa mais cool que já tinha visto.

Então Fred e eu formamos um supergrupo da vizinhança, juntando os melhores músicos das nossas duas bandas. Mais tarde entrou Rob Tyner, que era um tipo beatnik, e ele surgiu com o nome MC5. Rob disse que soava como um número de série – o que combinava com todo o lance de fábricas de carro.

Sabe como é, éramos de Detroit, e MC5 parecia-se com algo saído das fábricas. E a gente tinha visual de delinquente juvenil, aquele visual greaser.

Blues e psicodelia foram misturados com velocidade e potência inéditas para a época, uma pauleira executada com demência por músicos sofisticados que curtiam jazz. Numa ordem cronológica musical, o MC5 funciona como um dos pilares de todo o hard rock feito até hoje. E isso era apenas um dos aspectos da banda.

Ideologicamente, eles foram tudo o que o Rage Against the Machine sempre quis ser: uma novidade assustadora, uma ameaça real e estimulante contra o estado das coisas, no momento exato em que revoltas raciais deram início à degradação que tornaria Detroit uma cidade fantasma. Em meio à guerra do Vietnã, vincularam-se ao líder de extrema esquerda John Sinclair, criaram um coletivo revolucionário chamado Panteras Brancas, com o apoio dos Panteras Negras, e ganharam capa da Rolling Stone antes mesmo de lançar o primeiro disco.

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Mas todo esse simbolismo acabou se tornando uma camisa de força para aquilo que os caras mais queriam curtir: carros, essa praga capitalista.

Dennis Thompson :

Depois que assinamos o contrato (com a gravadora), rolaram uns milhares de dólares pra cada um, oba, oba! Então pegamos nossos pais pra serem avalistas pra nós. Wayne Kramer comprou um Jaguar XKE (denominação do E-Type nos EUA), Mike Davis um Buick Riviera, Fred Smith um Corvette ’66 Fastback com um V8 427, e Rob Tyner comprou uma perua, ha ha ha.

Fiz a melhor compra do grupo – um Corvette ’67, seis lanternas traseiras, V8 427, 390 cavalos, capota roxa. Aquele carro era um monstro. Perdi trinta e seis pontos na minha licença de motorista em questão de uns oito meses. Perdi minha licença três ou quatro vezes e fui parar na cadeia por dirigir com a carteira apreendida.

Eu e Mike fomos até a Flórida com aquele carro, e foi a viagem pra Flórida mais rápida que já fiz de carro – fomos numa média de cento e noventa quilômetros por hora. Foi divertido. Por que os carros deixaram as pessoas ficassem furiosas conosco?

Wayne Kramer: 

Fomos expurgados do movimento Panteras Brancas por ideais contra-revolucionários, porque compramos carros esportes no nome dos nossos pais. Comprei um Jaguar XKE. Yeah, cara, foi a coisa mais legal que consegui tocando rock & roll. Ainda sonho com aquele carro. Oh, era uma beleza. Fred Smith comprou um Corvette usado. Dennis comprou um Corvette Stingray – um 427 big block. Michael Davis comprou um Riviera.

E Rob Tyner comprou a perua da banda.

Dennis Thompson:

Sabe… todos nós crescemos nas corridas de dragsters. Mas carros velozes e cervejadas simplesmente não combinam com arroz integral e Zen. Há um choque aí. Não é nem um choque político, é um choque cultural.

Por ironia, o MC5 teve a popularidade prejudicada pela paixão que deu nome à banda. A formação terminou rápido, em 1972, mas teve tempo de apadrinhar o The Stooges – banda de Iggy Pop – e se tornar uma referência para diversas bandas modernas que compartilham a mesma paixão pelos carros e pelas guitarras distorcidas .

Entrevistas: trechos de Mate-me Por Favor (Please Kill Me), de Legs McNeil & Gillian McCain