Mesmo 22 anos após ter saído de linha, o McLaren F1 permanece relevante. Não só por ainda ser o benchmark para todos os superesportivos “analógicos” que vieram depois, mas também por toda a mitologia que se construiu ao seu redor ao longo do tempo. Além disso, ele é um carro extremamente raro – apenas 106 foram feitos – e cada exemplar tem uma história para contar.
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Um deles, por exemplo, está desaparecido desde o fim dos anos 1990. Incansáveis tentativas de rastreá-lo, até agora, provaram-se infrutíferas. Eis a curiosa história do McLaren F1 de chassi 039.
O carro tinha tudo para ter uma vida extremamente glamourosa desde o início. Para começar, ele foi encomendado pessoalmente pelo próprio Ron Dennis, CEO da McLaren na época, para uso pessoal. O McLaren F1 marrom “Brazilian Brown Metallic” com interior monocromático. A ordem foi prioritária, o carro foi montado exatamente como Dennis queria… mas o chefe acabou não ficando com o carro. O motivo? Corre a boca pequena que a esposa do executivo não curtiu a combinação de cores. Pois é: não importa se você é o dono da fabricante… se não consultar as “autoridades”, nada feito.
O carro foi enviado de volta para a fábrica e Dennis acabou tendo que se contentar com outro McLaren F1, o carro de chassi 050 – um carro prata “Magnesium Silver” com interior cinza. Bem mais tradicional, com o look clássico do F1. Talvez até meio sem graça, não fosse pelos espelhos retrovisores externos elevados e pela placa “F1 MCL” que foi registrada no Reino Unido.
O McLaren F1 039, então, foi vendido a outro cliente britânico, cuja identidade jamais foi revelada. Ele não durou muito tempo em sua terra natal, porém: acredita-se que, já por volta de 1997, o F1 foi parar no México – onde, presume-se, permanece até hoje.
O contrabando de carros da Europa para as Américas não é novidade – foi assim que muitos carros exóticos europeus vieram parar no nosso continente antes de poderem fazê-lo legalmente. A diferença é que, ao que tudo indica, este McLaren F1 em especial foi parar nas mãos do cartel de drogas mexicano. E mais: pelo que se conseguiu descobrir até hoje, o superesportivo tem ligação com ninguém menos que El Chapo em pessoa.
Para quem não sabe, Joaquín “El Chapo” Guzán era o líder do maior de todos os cartéis de drogas do México – a Alianza de Sangre, também conhecida como Cartel de Sinaloa. Ele nasceu em Badiraguato, Sinaloa, em 1957, e envolveu-se na produção e comércio de entorpecentes ainda adolescente, por influência do pai. No final dos anos 70, El Chapo começou a trabalhar para Heitor “El Güero” Palma, um dos traficantes de drogas mais prósperos do México na época. Foi ali que tudo começou: com o passar dos anos, El Chapo passou de vendedor a supervisor, de supervisor a líder, e de líder a fundador de seu próprio cartel em 1988.
El Chapo foi preso pela primeira vez em 1993 e fugiu em 2001. Então, ele foi capturado em 2014, fugiu mais uma vez, e foi capturado novamente em 2016. Atualmente, El Chapo cumpre pena em Nova York.
Até sua prisão, a Alianza de Sangre foi um dos principais cartéis de drogas do México até meados da década passada, sendo responsável por uma parte considerável da distribuição de substâncias proibidas no sul dos Estados Unidos. Assim, é de se imaginar que não apenas o chefe El Chapo, mas os membros do alto escalão do quartel, fossem pessoas muito bem sucedidas em suas atividades.
Tudo o que se sabe sobre o carro até agora foi catalogado por Ed Bolian, do site VINWiki – uma plataforma dedicada justamente a encontrar carros exóticos cujo paradeiro é desconhecido, ou desvendar a história de carros cujo passado não se conhece. Ele já falou sobre o Porsche Carrera GT brasileiro, por exemplo, e nós até contamos a história aqui.
Bolian diz que, no fim do dia, a única coisa de que se tem certeza é que o carro foi levado para o México em 1997 – entre as poucas fotos que existem, algumas mostram o F1 no México. As circunstâncias da compra, porém, são um mistério: há fortes indícios de que o carro entrou no país através do Texas, e também alguns relatos de que antes disto ele passou pelo Brasil.
Quase não existem fotos ou vídeos do carro, exceto alguns registros feitos em circunstâncias duvidosas, e os boatos a seu respeito do carro são contraditórios, mas todos eles concordam com o fato de que o McLaren F1 foi comprado por alguém muito próximo de Guzmán. Seu nome é desconhecido, mas há rumores de que se trate de Ricardo Beltrán, membro do alto escalão da Alianza cujo apelido é “El Roba Chivas”, ou “O Ladrão de Cabras” em português.
Beltrán foi assassinado por outro membro do mesmo cartel em 1997, durante a operação policial que tentava desmontar a Alianza. Esta informação é importante, pois os boatos em torno do McLaren F1 039 mencionam que, de fato, seu proprietário morreu em algum momento entre o fim da década de 1990 e o início dos anos 2000.
Segundo Bolian, a família do dono – que pode ser Ricardo Beltrán ou qualquer outra pessoa, segundo o que se sabe até o momento – deu um jeito de esconder o carro em um galpão no interior de Sinaloa, no meio do mato. A ideia era evitar que as autoridades o encontrassem e apreendessem.
Acontece que o proprietário morto já havia tomado suas próprias providências em relação ao supercarro: ele guardou a chave em algum lugar secreto e nunca contou a ninguém, levando sua localização para o túmulo.
Em 2004, sua família decidiu que era hora de colocar o McLaren para funcionar e entrou em contato com a fabricante para pedir uma chave reserva. Naturalmente, a McLaren pediu por provas de que eles eram os guardiões legais do veículo – o que obviamente não era possível, já que muito provavelmente sua entrada no México foi feita de forma ilegal.
Por outro lado, era de interesse da própria McLaren encontrar o carro e saber detalhes do seu histórico. Por isso, na segunda vez que a família pediu uma chave, a McLaren concordou em fornecê-la mediante um pagamento de US$ 200.000 ou £ 200.000 – não se sabe ao certo. Obviamente a família recusou a oferta e, pelo que se imagina, o carro continuou em Sinaloa por mais algum tempo.
É aqui que a história fica interessante. Além de cuidar do VINWiki, Bolian também compra e vende carros exóticos – é sueu principal ganha-pão, na verdade. E ele decidiu, há alguns anos, procurar pelo McLaren F1 mexicano.
Segundo ele, trata-se de uma missão arriscada por si só – algo que envolve ir até Sinaloa e procurar o carro pessoalmente na área controlada pela Alianza. Uma missão para quem não tem medo de morrer por conta de um carro.
Por incrível que pareça, Bolian estava disposto a reunir alguns conhecidos que também trabalham com revendas de carros. Especialmente porque, em 2019 – após quase dez anos no encalço do F1 – ele descobriu que havia um título de leasing para o carro nos Estados Unidos. Era só recolher a papelada e tentar reaver o carro através deste título, em uma operação tão arriscada quanto parece. Porém, por conta da pandemia de coronavírus, os planos foram todos cancelados. No fim das contas, foi uma coisa boa: há alguns meses, a família de El Chapo e as forças de combate ao narcotráfico no México entraram em uma verdadeira guerra civil, e as ruas de Culiacan, onde os parentes de El Chapo vivem, tornaram-se perigosíssimas para gringos.
Paralelamente, porém, Bolian tem uma teoria interessante. Isto porque a placa do carro – P 440 CPJ – é a mesma do conhecidíssimo McLaren F1 de David Clark, ex-diretor de vendas da McLaren Cars. Trata-se um GTR com a pintura amarela e verde da Harrods, chassi #06R, que com frequência é visto em eventos de pista e encontros como o Goodwood Festival of Speed e o Goodwood Revival. Clark não dá detalhes a respeito de como conseguiu a placa, mas Bolian acredita que ela foi comprada para permitir que o GTR, que é um carro de competição, circule livremente em vias públicas no Reino Unido. A teoria é corroborada pelo fato de que uma consulta pela placa no sistema do Reino Unido traz como resultado o chassi 039, do carro desaparecido, e não o chassi #06R, como deveria ser.
Para Bolian, das duas uma: ou David Clark comprou a placa para “esquentar” o McLaren F1 GTR e poder rodar com ele sem grandes problemas (afinal, não é como se a polícia fosse parar Clark em uma blitz para questioná-lo a respeito do carro); ou a família do ex-dono do F1 #039 o vendeu para Clark a um preço camarada – afinal, trata-se de um carro que ficou parado por anos e não pode ser registrado, não tem chave, e tem uma combinação de cores esquisita – para que ele pudesse aproveitar a placa em seu GTR.
É bem provável que o mistério nunca seja esclarecido. É possível que, incrivelmente, os familiares do traficante de drogas mexicano ainda mantenham o F1 escondido até hoje, ou que ele esteja em alguma garagem climatizada do Reino Unido, guardado como um troféu.