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Car Culture

Os bancos do Gol GTS: a história da Recaro

Existem algumas marcas que fazem seu trabalho com tanto esmero e dedicação ou por tanto tempo mantendo seus valores que elas se tornam sinônimos ou referências em seus segmentos. Eu nem preciso citar o nome delas para apresentar um exemplo — você fará isso por mim: pense em um estúdio de design, em uma marca de relógios, uma marca de computadores, uma marca de carros esportivos e em uma marca de pneus e você terá cinco bons exemplos.

As marcas, no fim das contas, são importantes até mesmo para nossa escolha como consumidores. A experiência de compras anteriores nos faz preferir umas marcas às outras. É bem provável que você tenha uma marca preferida de refrigerante, de arroz, de tênis, de calças jeans e camisetas, de escovas e pasta de dentes, de celulares e até de carros. Principalmente carros, não?

E embora isso pareça natural e até meio óbvio de se dizer, isso deixa de ser assim, tão óbvio, se eu te perguntar uma marca de sofá, cortinas, tapetes ou qualquer segmento ao qual você não esteja familiarizado. “Será que tal marca é boa?”. Você sempre acaba meio perdido e inseguro, pede a opinião de um amigo, pesquisa no Google (taí outra marca unânime), mas fica inseguro até ver o produto na sua frente e só tem alguma certeza depois da segunda compra. É por isso que você faz a associação lá do início. E algumas marcas acabam tão fortes que praticamente não têm concorrentes. Ou vai me dizer que usa o Bling, o Yahoo ou o Duck Duck Go em vez do Google?

Trazendo para o mundo dos carros, eu poderia citar os bancos da Recaro. Eu sei que existem bancos da OMP, da Sparco, da Bride, da Corbeau e Momo, mas quantos destes expressam uma imagem tão forte e tão abrangente quanto os Recaro?

Os Recaro do Audi Quattro

Ao menos no Brasil, a marca mexe com o imaginário do entusiasta. Foram décadas de construção de uma reputação sólida como parte dos grandes objetos de desejo do nosso mercado. Começou em 1983 com o Passat GTS, depois a Ford decidiu usar eles no XR3, enquanto a Volkswagen ampliava sua utilização no Gol GT, que foi a razão para ele estar no GTS e no GTi. A Chevrolet adotou os Recaro no Monza S/R e, quando o Kadett GS chegou, em 1989, seus bancos nem poderiam ser outros. Ficaram até 1994, mesmo ano em que deixaram de ser usados no Escort — em 1995 tanto a Ford quanto a Chevrolet fizeram seus próprios bancos esportivos.

A Volkswagen, por outro lado, continuou usando Recaro no Santana, no Pointer, na Parati, no Voyage e no Gol — e não apenas no GTi. Isso tudo sem mencionar os esportivos importados que vieram com estes bancos, como os modelos Audi S e RS.

Agora… isso tudo você já sabe. O que você talvez não saiba é que a Recaro começou como uma fabricante de carrocerias, a famosa Karosseriewerk Reutter, de Stuttgart. E os carros que ela fabricava eram nada menos que o Fusca e o Porsche 356.

 

O começo

A Recaro nasceu em 1906, quando Wilhelm Reutter fundou a encarroçadora que leva seu nome, na região de Stuttgart. Nos anos 1920 a Reutter tornou-se uma das mais requisitadas fabricantes de carroceria da Europa, e foi responsável por algumas inovações importantes naqueles anos de infância do automóvel, como a primeira capota de tecido instalada em uma carroceria de desenho padronizado. Em pouco tempo vieram encomendas de fabricantes importantes como Daimler, Benz, BMW e Opel.

Mas a mais importante parceria da Reutter na primeira metade do século XX foi com a Porsche: primeiro, no fim dos anos 1930, a karosserie foi contratada para fabricar os protótipos do Volkswagen, que mais tarde viria a se chamar Käfer e se tornar um dos automóveis mais populares de todos os tempos. Nos anos 1940, foi a vez de assumir a fabricação das carrocerias do Porsche 356, primeiro modelo produzido em série pela lendária fabricante de esportivos.

Dito isto, a Wilhelm Reutter fazia questão que sua companhia diversificasse sua atuação. Assim, além de carrocerias, desde o início a Reutter fornecia também interiores para os automóveis, sendo uma das primeiras companhias a dar importância ao design de bancos e painéis de instrumentos. O ajuste do banco do motorista é uma invenção atribuída à Reutter, por exemplo.

A partir da metade dos anos 1940, porém, o mercado de carrocerias feitas sob encomenda começou a entrar em declínio – em parte pelos efeitos da Segunda Guerra Mundial, mas também por causa do desenvolvimento de novos métodos de construção e estampagem do metal, que permitiam fabricação mais rápida e barata de componentes em série. O contrato com a Porsche durou até 1963, quando a própria fabricante comprou a divisão de carrocerias da Reutter para assumir a produção por conta própria.

Àquela altura, a Reutter havia produzido 78.000 carrocerias para a Porsche, mas era hora de mudar o foco. Também mudou o nome: naquele 1963 a Reutter Karoserie foi rebatizada como Recaro GmbH & Co., aproveitando as iniciais do antigo nome, e passou a dedicar-se exclusivamente aos bancos.

 

De fora para dentro

Foi uma bela jogada: a empresa já era famosa por seus bancos e tinha uma excelente reputação, logo de cara assinando um contrato com a Porsche como fornecedora de bancos para o 911 e, a partir de 1969, para o 914. E, como primeira cliente, a Porsche foi muito fiel: por 20 anos, de 1963 a 1983, todo Porsche saía de fábrica com bancos Recaro.

O que não quer dizer que a Porsche tinha exclusividade. Desde que começou a fornecer bancos esportivos, a Recaro começou a colecionar clientes. Hoje é difícil lembrar de alguma fabricante que, em algum ponto de sua história, não tenha colocado bancos Recaro em um de seus modelos.

Dito isto, o trunfo da Recaro foi investir nos bancos aftermarket antes de todo mundo. A empresa sabia que não eram apenas os compradores de carros esportivos que estavam interessados em bancos ajustáveis confortáveis, bem feitos, bonitos e com bom apoio nas curvas. Assim, no Salão de Frankfurt, a companhia apresentou o Recaro Sportsitz, seu primeiro modelo próprio – e a escolha da Porsche para o 911.

Os bancos de corrida também tiveram seu espaço, e logo cedo: em 1967 a Recaro lançou seu primeiro banco concha fixo, o Rennsitz (algo como “banco de corrida”, em uma tradução livre), que em 1974 ganhou uma versão pioneira com armação em Kevlar.

Outros modelos marcantes da Recaro lançados nos anos 1970 e 1980 foram o Idealsitz, de 1971; o Recaro LS, de 1983; e o Recaro A8, que foi lançado em 1989 e foi o primeiro modelo com armação exposta de fibra de vidro.

A Recaro também foi uma das primeiras a investir em bancos feitos com encostos ortopédicos, feitos para pessoas com problemas de coluna, bem como poltronas para a aviação e outras aplicações que exigiam projeto ergonômico especial — e é por isso que você vê bancos Recaro nos bancos de reservas dos estádios de futebol e até cadeirinhas infantis da marca.

Em comum, todos os bancos da Recaro seguem uma diretriz: a forma dos bancos precisa seguir o corpo humano –form follows human, ou “a forma segue o ser humano” é o lema da empresa – e deve ser capaz de manter o motorista confortável e bem posicionado por horas a fio. Seja em um Escort RS Cosworth, um Porsche Singer ou um Gol GTS 1989.

E se você está se perguntando qual modelo Recaro era usado nos esportivos nacionais, eles eram todos variações do Recaro LX dos anos 1980. Cada fabricante usava especificações diferentes de base, encosto de cabeça, tecidos e ajustes, mas o modelo básico fornecido pela Recaro era o LX.

No Brasil, os bancos eram produzidos pela Keiper Recaro, que também produzia bancos convencionais — e que pode explicar a mudança da Ford e da GM na linha 1995; bancos sem a marca Recaro são mais baratos pois não precisam ser licenciados. No Brasil a empresa entrou em recuperação judicial, mas no exterior a Recaro continua sendo um nome-referência em bancos, cadeiras e poltronas.