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Car Culture

Os curiosos microcarros da Hungria comunista

Quando eu era pequeno, meu sonho era um carro de verdade, totalmente funcional, mas todo em miniatura – perfeito para uma criança de cinco ou seis anos. Eu realmente não entendia muito de carros e achava que era só procurar alguma fabricante, como a Volkswagen ou a Fiat, e fazer minha encomenda. Crianças são ingênuas e inocentes.

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O que eu não sabia naquela época era que, décadas antes, em meados dos anos 1950, os húngaros estavam fazendo algo muito parecido – carros pequenos, tão pequenos que sequer poderiam ser considerados carros de acordo com a legislação da época. Legislação esta definida pela União Soviética e acordada entre outros países – entre eles, a antiga Tchecoslováquia, Bulgária, Romênia, Polônia e, claro, a própria Hungria.

Era o chamado Comecon, ou Conselho de Assistência Econômica Mútua, que vigorava entre os países da URSS e definia campos de atuação para as indústrias das nações do Leste Europeu. A União Soviética ditava as regras e os outros países acatavam, na prática.

E assim a Hungria ficou proibida de produzir carros de passeio – algo que nunca havia conseguido decolar naquele país, mesmo. Desde o começo do século passado, a indústria de veículos húngara concentrou-se nos utilitários e veículos de carga e, para a URSS a harmonia econômica da Comecon se beneficiaria se as coisas continuassem assim.

Mas os húngaros queriam mesmo fazer carros de passeio. Já em 1946 esta ideia quase foi colocada em prática por uma empresa chamada Weiss Mánfred, que antes disso fabricava scooters e, antes ainda, fabricava munição e equipamentos bélicos. Passada a Segunda Guerra Mundial, a Weiss Mánfred pretendia produzir seu primeiro automóvel – um carro deliberadamente inspirado pelo VW Fusca pelo Fiat 500 Topolino. Ele tinha as formas arredondadas, os para-lamas salientes e o motor traseiro do Fusca, e as dimensões reduzidas e motor de 500 cm³ do Topolino (não literalmente, claro). E o plano era que ele custasse metade do que custava o pequeno Fiat.

Chamado Weiss Pente, em referência ao seu projetista, János Pentelényi, o carrinho chegou a ganhar protótipos já em dezembro de 1946. O motor de 500 cm³ só aguentava chegar até os 60 km/h com quatro pessoas a bordo, mas como carro urbano pequeno e barato, o Pente mostrava potencial. Só que, no ano seguinte, uma crise no abastecimento de petróleo na Hungria e a estatização da indústria colocaram uma pedra nos planos.

Naquele mesmo ano, porém, havia gente brincando com esta ideia. Um deles era Endre Surányi, que na década de 1940 era piloto de motocicletas e, na década de 1960, tornou-se motorista particular de oficiais do governo húngaro.

Ele também era entusiasta da engenharia automobilística e, em 1946, criou o Surányi “Cipö” (“sapato” em húngaro), que tinha um motor de 50 cm³ e pesava pouco mais de 80 kg. Ele era quase um brinquedo e até chegou a ser proposto oficialmente, mas jamais deixou a fase de protótipo.

Foram feitas outras duas versões, com motores de 150 cm³ e 250 cm³, mas todos foram considerados pequenos demais para terem uso prático ou oferecer alguma vantagem real sobre uma scooter.

Tentativas mais sérias de criar um carro húngaro vieram na década de 1950, quando o acordo do Comecon já estava em vigor. O Ministério da Metalurgia e Indústria da Hungria teve iniciativa de juntar uma equipe de engenheiros para desenvolver um automóvel pequeno e barato que fosse tolerado pela União Soviética. E eles foram, de todos os lugares, à Alemanha para buscar inspiração.

Um BMW Isetta (sobre o qual o Marco Antônio Oliveira fez uma bela matéria há alguns dias) e um Messerschmitt – possivelmente os dois microcarros alemães mais relevantes da época – foram importados para a Hungria, onde seriam minuciosamente estudados e serviriam como inspiração para os húngaros.

Foto: Marc Redmond

Em 1956 foram apresentados os dois automóveis que resultaram do esforço: o Balaton e o Alba Regia. Ambos eram praticamente iguais do ponto de vista técnico, com carroceria de alumínio e motor traseiro de 250 cm³. Os critérios que eles seguiam: ter motor de motocicleta e serem capazes de levar duas crianças e dois adultos, além de alguma bagagem. O motor vinha da motocicleta Pannónia, que era fabricada pela já citada Weiss Mánfred, e girava ao contrário para que o carro andasse de ré – o motorista só precisava desligar o motor, apertar um botão na cabine e ligar novamente. Esta solução veio do Messerschmitt, enquanto que o posicionamento do motor na traseira era influência direta do BMW Isetta. As rodas eram as mesmas usadas na traseira de aviões pequenos.

Os carros tinham design pouco convencional, e ambos tinham soluções curiosas para acesso ao interior: o Alba Regia tinha uma portas suicidas, com uma porta que abria para cima; e o Balaton tinha uma espécie de canopi removível.

Nenhum dos carros, porém, acabou chegando à linha de produção. Eles foram avaliados ao lado de um Goggomobil alemão, que tinha um motor de 247 cm³ e 14 cv. E foram considerados inferiores – provavelmente tornando-se sucata pouco depois.

Ainda existiram outras tentativas particulares de construir um microcarro na Hungria – nada que pudesse ser levado muito a sério pela falta de recursos, mas ainda assim ideias interessantes ou, no mínimo, inusitadas.

O Úttörő era uma delas: um roadster que usava a mesma mecânica dos projetos do governo e era capaz de atingir os 80 km/h – e que também chegou a ser avaliado com os outros dois, mas era o que tinha menos probabilidade de ser aprovado por ser um projeto independente.

Outro era quase um devaneio: o Fesztivál, que foi criado por um artista chamado Kálmán Szabadi. Seu projeto pessoal, ele era inspirado pelas banheiras norte-americanas da década de 1950, com rabo-de-peixe na carroceria e pintura em dois tons. O motor era da BMW Isetta, com 300 cm³, e era de longe a parte mais normal do carro todo.

A carroceria, por falta de materiais disponíveis, foi produzida usando “ingredientes alternativos”: sangue de porco, penas de galinha e goma laca. O resultado era uma resina leve e, embora não fosse muito resistente, era moldável e parecia fibra de vidro uma vez seca e finalizada.

No fim das contas, porém, todos estes carros acabaram como experimentos. A indústria automobilística húngara só veio nascer em 1988, com a queda da Cortina de Ferro e a construção de fábricas da Suzuki e da General Motors no país.