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Car Culture

Os desafios do carro elétrico – Parte 5: a resistência

Todo mundo sabe o que é uma resistência: aquelas molinhas que ficam dentro do chuveiro ou da torneira para esquentar a água. Elas se chamam resistência porque é exatamente o que elas fazem: causam resistência ao fluxo elétrico. A corrente flui pelo circuito mas, no meio, encontra essas molinhas que dificultam seu fluxo. Os elétrons então colidem uns nos outros, como aquele monte de gente tentando sair e entrar no vagão do metrô às 18h ao mesmo tempo, e esse mega-acidente de elétrons transforma a energia elétrica (o fluxo de elétrons) em energia térmica que esquenta a água.

Com os carros elétricos, hoje, existe algo parecido. Eles são como os elétrons, fluindo pelo sistema, tentando chegar ao final do circuito, no caso, as ruas e garagens. Só que, no meio do caminho, eles encontram estas molinhas que dificultam sua passagem, no caso, o público que ainda não quer saber de carros elétricos.

Atualmente, cerca de 12% do público americano e 28% dos consumidores europeus consideram comprar um carro elétrico no futuro — isso considerando que a Europa e a Califórnia já determinaram que em 12 anos não será mais permitir comprar carros novos com motores de combustão interna. É uma situação deveras intrigante, afinal, a maioria do público não pretende comprar carros elétricos.

No cenário americano, a Gallup, tradicional empresa de consultoria e pesquisa local, indicou que somente 4% dos consumidores têm um carro elétrico, que 12% consideram realmente comprar um elétrico como próximo carro, que 43% poderiam considerar um elétrico no futuro, e que 41% não compraria um carro elétrico em nenhuma condição. Além disso, 39% dos entrevistados acham que o carro elétrico pode ajudar na questão climática, e 61% acham que ele colabora pouco ou nada para combater as mudanças climáticas.

Note que considerei apenas o percentual que já está decidido a comprar um carro elétrico no caso dos americanos, pois a pesquisa da Gallup não elaborou o questionário para que os entrevistados pudessem esclarecer as condições nas quais eles comprariam um veículo elétrico. Uma outra pesquisa da JD Power, contudo, aponta os principais motivos: alto preço de compra, falta de infra-estrutura de recarga, autonomia limitada e tempo de recarga.

Além destes, também há alguma preocupação com o desempenho do carro em temperaturas elevadas como as das regiões áridas e do Sul dos EUA, custo de manutenção e ausência de oficinas especializadas, além do risco de falta de energia. Um dado curioso trazido pela JD Power, é que mesmo a geração Z (nascidos entre o fim dos anos 1990 e os anos 2000) tem 33% de desinteresse nos elétricos em um futuro próximo.

Para os europeus, os motivos são semelhantes: há uma correlação entre a renda média e a proporção de elétricos na frota dos países europeus, o que indica que os Europeus simplesmente não conseguem bancar um carro elétrico, ainda que desejem ter um. Sobre a intenção de compra, a preferência dos europeus é pelos carros híbridos: 39% disseram considerar um híbrido como próximo carro. Depois, o segundo tipo preferido pelos europeus como próximo carro, são os carros a diesel ou a gasolina (33%). Ou seja: 72% (quase 3/4) dos Europeus não consideram um carro elétrico. 

Como curiosidade, o país com mais tendência dos consumidores a comprar um carro elétrico é a China — 44% dos consumidores consideram um veículo elétrico como próximo carro.

As pesquisas destacam ainda o crescimento nas vendas dos carros elétricos — na Europa, por exemplo, 12,1% dos veículos novos vendidos em 2022 eram elétricos. Apesar do crescimento (em 2021 eles eram 9,1% e em 2019, 1,9%) a proporção dos elétricos na frota europeia está crescendo em um ritmo mais lento — o que indica que a frota está envelhecendo, pois os carros elétricos não estão substituindo os carros antigos a combustão. Uma evidência disso é o envelhecimento da frota europeia, que tinha idade média de 11 anos em 2016 e chegou a 12 anos em 2022 — acredite: a média é mais alta que no Brasil. 

 

A questão ambiental: a outra resistência

Um dos desafios do carro elétrico é uma questão paradoxal. A resistência dos compradores é algo que pode ser superado com o tempo. A outra resistência é um problema mais difícil de se resolver. Carros elétricos são a solução limpa para a mobilidade individual, porém eles demandam matérias-primas obtidas do solo como cobre, ferro, zinco, cobalto, lítio, silício, níquel, cromo, cobalto, grafite e terras-raras como o neodímio.

Tudo isso vem da mineração, que é uma atividade com grande impacto ambiental. Hoje, a China é o maior exportador de minérios do planeta, com 61% do mercado global. Para expandir a extração destes minérios, será preciso aumentar a mineração em até 1.000% (no caso do lítio, por exemplo).

E aí está o problema: a expansão da mineração enfrenta a justa resistência das leis de proteção ambiental, além da pressão de organizações não-governamentais e grupos de pressão. A Sérvia planejava autorizar a abertura de minas de lítio, mas enfrentou uma oposição ferrenha dos ambientalistas.

Além dos protestos que reuniram milhares de pessoas, as organizações ambientalistas coletaram mais de 500.000 assinaturas de cidadãos contrários ao projeto. Em dezembro de 2022, a primeira-ministra da Sérvia, declarou que, diante dos fatos, não há a possibilidade de o projeto ser retomado. Não haverá mina de lítio na Sérvia.

Os EUA passaram por uma situação semelhante já neste ano: havia um projeto de extração de níquel e cobre no estado de Minnesota, mas pelo risco de contaminação dos rios do estado, o governo federal dos EUA proibiu a abertura destas minas pelos próximos 20 anos. 

O Peru, que produz 2% do cobre do planeta, também enfrentou problemas do mesmo tipo recentemente: as comunidades vizinhas da mina de Las Bambas fecharam as rodovias que escoam a produção local, exigindo a renegociação dos termos da autorização da atividade extrativista.

Como resultado, estamos a 12 anos do banimento do carro a combustão, mas o petróleo e os combustíveis fósseis ainda são usados por 99% do transporte global — estima-se que a eletricidade só chegará a 25% do transporte em 2050.

Este talvez seja o maior desafio que o carro elétrico precisará superar: a redução dos impactos ambientais não apenas pela sua popularização, mas também na obtenção de suas matérias-primas.


 

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