Mais um ano se aproxima do fim; 2023 já ficou para trás e 2024 já está batendo na porta. Sabe o que isso significa? Que em apenas 11 anos, a Europa não irá permitir que veículos híbridos sejam vendidos. Apenas elétricos. Onze anos passam rápido. Janeiro de 2013 foi há quase 11 anos. O FlatOut já tem 10.
Significa que em um piscar de olhos, qualquer carro com pistões será banido das lojas europeias e de alguns estados americanos. Quando a ideia surgiu, parecia que teríamos tempo para tudo, mas o pessoal parece ter esquecido de combinar com a realidade. Porque a economia global, que foi profundamente afetada por uma pandemia que ninguém esperava, também está se mostrando um desafio para o carro elétrico.
Faltando apenas 11 anos para o prazo final da Europa, o mercado local tem apenas 25% de participação dos elétricos no volume de vendas de carros novos. Pior: o negócio é localizado no norte do continente, onde a renda média é mais elevada. E ela é mais elevada em países menos populosos, como Noruega, Holanda, Dinamarca, Suécia e Finlândia — todos com renda média anual acima dos US$ 60.000. Juntos, estes países têm apenas 45 milhões de habitantes. Parece muito, claro. Qualquer milhão é muito. Mas 45 milhões de pessoas é a população do Estado de São Paulo ou da Argentina. E isso distorce um pouco a perspectiva.
Porque, embora eles já tenham um quarto do mercado Europeu, estamos falando de um quarto de um volume relativamente baixo. A Holanda, por exemplo, vende 315.000 carros por ano — dois meses de Brasil em crise. Dos cinco maiores mercados da Europa — Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Espanha —, o market share dos elétricos chega a 17% nos três primeiros e a 5% nos dois últimos. Como conseguir o volume necessário para a economia de escala necessária para que o carro elétrico possa efetivamente substituir os carros de combustão interna?
Atualmente, os carros elétricos custam, em média US$ 53.000 — há carros de até US$ 21.000 em alguns países, caso do Dacia Spring (o nosso Kwid elétrico), mas este é o piso. Eles ainda não substituem um Dacia Sandero de 13.000 euros, por exemplo. Nem no tamanho, nem no preço, nem na autonomia.
Uma análise superficial dos dados, pode relacionar a participação dos carros elétricos no mercado europeu à renda média da população. Afinal, os países onde os elétricos correspondem a 25% do mercado são os países mais ricos da Europa, com renda média superior a US$ 60.000 como já mencionei mais acima. Alemanha, Reino Unido e França (onde os elétricos são 17% dos carros novos) também têm renda superior à renda Itália e da Espanha (onde os elétricos são 5% dos carros novos). Mas há um outro detalhe que dá um empurrão no desempenho dos elétricos…
A ajuda do governo
Pois é… existe também uma correlação entre subsídios e incentivos ao carro elétrico e sua participação do mercado. Na prática, o governo paga parte do carro elétrico das pessoas. E governo não gera receita: ele faz caixa com impostos. Ou seja: todo mundo paga o carro elétrico de uma minoria que pode comprar o carro elétrico — porque, afinal, eles são beneficiados com a melhora na qualidade do ar, então parece justo que eles tenham este incentivo.
Na Noruega, por exemplo, há desconto de 25% no imposto de valor agregado dos elétricos, e eles não pagam taxas de importação. Além disso, há descontos em pedágios e licenciamento anual. Na Holanda, os carros elétricos têm cerca de 4.000 euros de subsídios. Na França, o total varia entre 5.000 e 7.000 euros.
Nos EUA, o país onde o governo não tem um sistema de saúde para a população, os incentivos chegam aos US$ 7.500. Se você morar na Califórnia, ganha mais US$ 7.500 do estado. E se morar em Los Angeles, mais US$ 3.500 do condado. Não precisa somar, eu já fiz isso: US$ 18.500 em incentivos para um cidadão de Los Angeles comprar um carro elétrico. Não admira que 60% dos carros elétricos estejam em apenas três estados dos EUA — Califórnia, Flórida e Texas — e que na maioria dos 50 estados a participação de mercado não chegue a 5%.
Mesmo no Brasil, temos alguns incentivos, como a isenção de IPVA e do IPI — um subsídio que pode passar dos R$ 100.000.
Tudo isso parece positivo para o longo caminho que temos até a universalização do carro elétrico, proposta para as próximas décadas. Só tem um detalhe…
Os subsídios vão acabar cedo ou tarde
Até agora o sucesso dos carros elétricos foi, em parte, estimulado pelos incentivos. E mesmo em locais onde eles têm incentivos, como o Brasil, a Itália e a Espanha, eles não embalam por causa do poder de compra da população.
Não apenas nestes países, mas também em mercados mais ricos, eles irão enfrentar a realidade porque os governos já estão, aos poucos, reduzindo os subsídios. Será a hora da verdade para os elétricos: as pessoas continuarão comprando estes carros? Qual foi o motivador da compra: incentivos ou consciência ambiental?
A Noruega, país onde a política dos carros elétricos foi mais bem-sucedida, já tem algumas pistas do que pode acontecer em um futuro próximo no restante do planeta. Depois de atingir a marca de quase 90% da frota com algum tipo de eletrificação e de ter quase 80% do mercado formado por elétricos, o governo começou a suspender os subsídios no início de 2023 e, até agora, o volume total de vendas caiu 9,5% entre janeiro e outubro deste ano e pode não atingir a meta de ter um mercado de veículos novos totalmente elétrico até 2025 justamente devido ao fim destes incentivos.
Na Califórnia, o programa de créditos tributários será encerrado ao fim deste ano, devido ao fim dos recursos alocados para esta finalidade. A partir do ano que vem, somente consumidores de baixa renda terão tais créditos. Na França, os incentivos para carros importados já foram suspensos e agora somente os elétricos fabricados localmente terão direito a estas concessões.
Já no Brasil, onde os elétricos parecem estar “invadindo” as ruas — embora tenham somente 3,6% do mercado de veículos novos — voltarão a pagar o imposto de importação progressivamente. Em janeiro de 2024 eles passarão a pagar 10%, depois 18% a partir de julho, 25% em julho de 2025 e, finalmente, 35% a partir de julho de 2026. O problema aqui é, novamente, a bendita economia. Neste caso, a economia de escala, que não será possível sem o aumento da participação dos carros elétricos no mercado — além da baixa demanda por eles.
Até agora parece claro que o sucesso do carro elétrico foi comprado pelos governos, mas este quadro é temporário e insustentável. Foi um auxílio às fabricantes, uma contrapartida à obrigação de se fazer carros elétricos em um futuro próximo — algo como “Vamos te obrigar a vender apenas carros elétricos, mas também vamos te ajudar a vendê-los até que a demanda seja suficiente”.
Entre os early adopters dos carros elétricos, o público que os comprou entre 2012 e 2018, 80% estão satisfeitos e querem mais. Os outros 20% voltaram aos carros de combustão interna. Por outro lado, pesquisas de mercado indicam que a “gadgetização” dos veículos — algo muito evidente nos elétricos — deu origem a um novo tipo de motorista-consumidor: para ele, não basta o carro ser mais potente ou mais eficiente. É preciso ter novos recursos e funcionalidades, a mesma expectativa que os clientes têm dos gadgets. Mas isso é um papo para a próxima parte desta série.
Por enquanto, vamos ver como o mercado dos elétricos reage ao fim dos incentivos para descobrir se eles vieram para ficar, ou se foi uma paixão comprada.
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