Ninguém tem dúvida de que Gianpaolo Dallara, o primeiro engenheiro-chefe da Lamborghini, e o tema do capítulo 1 desta série, era um gênio precoce. Todo mundo lembra dele como o gênio que bolou o Miura. Depois, criou o De Tomaso Pantera, o BMW M1, e em sua empresa, a Dallara, teve um sucesso incrível em competições, criando carros de corrida de sucesso para todas as categorias.
Mas isso não quer dizer que estava sozinho na genialidade, em seus dias de Lamborghini. O seu assistente, Paolo Stanzani, era comparativamente low profile: um cara tímido e quieto, e feliz em estar na sobra de seu jovem chefe.
E se Dallara é a mente principal do Miura, a contribuição de Stanzani para a Lamborghini é muito maior. Dallara vai embora já em 1969, e depois disso, Stanzani criou todos os outros Lamborghini clássicos. Sim, Urraco (e os subsequentes Silhouette e Jalpa), o Espada (o seu carro preferido) e o Countach. Sim, foi Stanzani que criou o incrível esquema de câmbio debaixo do cotovelo do piloto no Countach, marca registrada da Lamborghini por décadas.

Stanzani começou cedo na Lamborghini, coisa de um mês depois de Dallara. Disse ele: “Comecei na Lamborghini quando ainda era estudante e a empresa era muito nova, com apenas dez ou 12 funcionários. Foi meu tutor na universidade que sugeriu que eu trabalhasse lá. Mas depois do meu primeiro dia de trabalho presencial com Ferruccio, não tinha certeza se haveria um segundo dia! Meu professor me incentivou a voltar para um segundo dia, mais tranquilo, com Dallara, e foi aí que descobri o que eu podia fazer e decidi ficar.”

Dallara e Stanzani se dariam bem trabalhando juntos; diria depois também que “o Miura foi um bom carro desde o início, graças a Dallara, que é um gênio técnico, e o carro final nos deixou com poucos problemas para resolver: como dissipar mais calor da traseira e como melhorar a visibilidade traseira. A ideia original era um painel de acrílico, mas, devido aos vapores de óleo, a traseira embaçava imediatamente ou ficava suja, impedindo qualquer visão traseira. Foi por isso que optamos pelas cobertura com aberturas que hoje é lendária.”

Sua experiência na empresa nesta época mítica da Lamborghini abriu sua cabeça e o fez algo que ele mesmo reputa como melhor. Esta liberdade completa para experimentar novidades na Lamborghini levou Stanzani a estabelecer seu lema Fare oggi quello che altri faranno domani (Fazer hoje o que os outros farão amanhã).

A partir de 1967, Stanzani assumiu o cargo de Gerente Geral e, a partir de 1968, tornou-se também Diretor Técnico. Este segundo cargo deveria ter sido atribuído por Ferruccio Lamborghini a Dallara, mas o proprietário ou preferia a dedicação de Stanzani ou acreditava que Dallara sempre fora mais adepto das corridas, e não duraria muito ali. Dallara saiu logo depois de qualquer forma, mas, mesmo assim, manteve boas relações com Stanzani pelo resto de sua carreira.
No início, Stanzani dedicou-se enfadonhos mas necessários cálculos dimensionais e estruturais, ao Departamento de Testes “Reparto Esperienze” (salas de testes de motores, testes de estrada, homologação) e às relações com os fornecedores de carroceria (Touring, Bertone, Marazzi, Zagato, Silat). Mas principalmente, o principal desafio foi tornar o motor V12 da empresa, projetado por Bizzarrini, algo usável.

Disse ele em 2016: “Uma das minhas primeiras tarefas foi transformar o motor projetado por Bizzarrini – uma unidade de corrida que seria impossível de fabricar em série e intratável para as ruas – no motor Lamborghini que instalaríamos no 350 e no 400. O motor Miura é filho disso, mas tem muitas diferenças, incluindo o bloco, o eixo de comando, o distribuidor, uma nova embreagem e um câmbio diferente. Viemos de uma configuração padrão com motor dianteiro e tração traseira, câmbio e diferencial convencionais da Lamborghini, e tivemos que descobrir como fazer o câmbio e a embreagem funcionarem juntos. Uma embreagem seca multidisco, a solução perfeita para corridas, não é fácil de usar no trânsito diário, mas teria ajudado, pois o eixo principal da caixa de câmbio precisava de menos sincronizadores e, portanto, haveria menos inércia para superar.
Quando optamos pelo disco de embreagem único e maior, ele não se encaixava na caixa de câmbio, então tivemos que conectá-lo ao virabrequim, com a adição de um cárter úmido, e o risco de o óleo causar patinagem da embreagem. Então, decidimos compartilhar o óleo entre o motor e a caixa de câmbio, mas percebemos que era um erro e, a partir do SV, os separamos, porque, para funcionarem da melhor forma, os óleos precisam ser de especificações diferentes. Comparado a isso, inverter a rotação do motor não foi uma tarefa difícil.”

Se você se lembra do depoimento de Dallara no capítulo anterior desta série, uma percepção diferente: Dallara, o inventor do cárter/transeixo com óleo compartilçhado, disse que o mais trabalhoso era inverter a rotação do motor, e que não existia problema com a caixa compartilhando óleo com o motor. Mas sim: o óleo diferente, é um problema, bem como a possibilidade de limalhas de aço da transmissão chegarem ao motor. Assim que Dallara foi embora, Stanzani mudou tudo isso para o então novo Miura SV.
Mas ambos concordam em como chegaram no desenho do Miura: “Como inspiração, olhamos para o Ford GT40, o Honda F1 e o Mini, os carros mais inovadores em seus segmentos, porque sabíamos que, para ter sucesso, precisávamos nos tornar o símbolo da inovação. Para superarmos a Ferrari, nossos clientes nos pediam para fabricar os carros mais avançados do mercado. E quando terminamos a parte mecânica, sabíamos que precisávamos buscar uma carroceria bonita.” – disse o grande Stanzani.
“A mesma abordagem de um homem em busca de uma amante”
Stanzani conta como o desenho do Miura veio a acontecer: “Desde o início, Bertone adorou a ideia de vestir o chassi mais incrível que já viu. Em março, apenas quatro meses depois de Turim, tínhamos o carro pronto, e ainda me lembro do primeiro que vi pronto: laranja sobre preto. Era algo simplesmente indescritível.

Quando clientes em potencial olham para um carro como este, eles têm a mesma abordagem de um homem em busca de uma amante: Ela precisa impressionar à primeira vista. Se ela também for uma pessoa maravilhosa, melhor ainda, mas isso será descoberto mais tarde.”
Desde os primeiros Lamborghini 350 e 400 GT, Stanzani tinha o privilégio de ser o primeiro a dirigir o carro novo pelas instalações da empresa, para mostrar o novo produto aos funcionários. Apoiado por Bob Wallace, geralmente no banco do passageiro, e pelo próprio Lamborghini, geralmente no banco de trás, se tornou uma tradição importante, e parte da superstição na empresa: se não acontecesse, o carro seria um fracasso! Os italianos são sensacionais.

Disse Stanzani de quando fez isso com o novo carro de motor traseiro: “Com o Miura, o espanto no rosto das pessoas era claramente visível. O que me impressionou desde o início foi o “efeito piloto” de estar sentado tão baixo e o som fantástico vindo da traseira.”
Sobre o famoso problema aerodinâmico, disse ele: “Aerodinamicamente falando, não tivemos que resolver nenhum problema; somente acima de 250 km/h a frente fica mais leve, mas isso era um problema com todos os outros carros esportivos da época. Tivemos que desviar uma descarga de ar quente do radiador que atingia o para-brisa e endurecer os suportes da suspensão traseira.” Stanzani também concorda com Dallara em seu maior erro: “O único erro real que cometemos foi manter o mesmo tamanho de pneus dianteiros e traseiros.” Stanzani também resolveu isso no último Miura, o SV, com rodas maiores atrás.

Mas o grande engenheiro, em retrospecto, via aquela época com carinho e estupefação, como todos que participaram deste conto de fadas. Disse: “Com os olhos de hoje, é incrível ver o que foi feito por uma equipe tão pequena e jovem: Dallara e eu éramos os mais velhos, com 27 anos, enquanto Bob Wallace, promovido à função de piloto de testes devido à sua experiência como mecânico na Lotus, Camoradi e Scuderia Serenissima, tinha 25.

Ferruccio Lamborghini só temia que o carro fosse de corrida, e tivemos que convencê-lo de que não estávamos pregando peças nas suas costas, mas ele gostou desde o início. Lembro-me de minhas viagens a Bertone com o Miura. Meu carro do dia a dia era um Fiat 500, definitivamente lento demais, e eu tinha permissão para levar o Miura para as viagens. Certa vez, na chuva, um collaudattore da Ferrari chegou perto de mim; não sei o que aconteceu comigo, mas simplesmente decidi que ele tinha que ficar para trás. Eu me vi dirigindo a 250 km/h na chuva…
Mas durante os fins de semana, não me sentia confortável dirigindo o Miura porque era muito chamativo, mas Ferruccio adorava. Nas manhãs de sábado, eu o dirigia até a casa dele e, para voltar para casa, ele me dava seu Mini-Cooper S, um carro que eu adorava!”

Sobre o fim do Miura, inevitável com a chegada do futuro Countach, disse Stanzani: “Foi triste, porque o Jota que Bob e eu preparamos durante nosso tempo livre teria sido a próxima evolução, com ainda menos detalhes, menos peso e mais potência.”

Ferruccio Lamborghini vende a empresa para os suíços Georges-Henri Rossetti e René Leimer, e depois disso tudo muda; Stanzani teve dificuldades para obter decisões e apoio financeiro dos novos proprietários e, por isso, deixou a Lamborghini Automobili em fevereiro de 1975. A empresa faliria em 1978. Depois disso, foi o engenheiro do sensacional Bugatti EB110, e trabalhou na Osella de F1, onde se reencontrou com Dallara. O menos conhecido dos pais do Miura vem a falecer aos 80 anos de idade, em 2017.
Requiescat in pace, Ingegnere!