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Project Cars Project Cars #88

Project Cars #88: a transformação do motor AP do meu Gol GTS

Novamente demorei muito para mandar a outra parte do texto, isso está virando um péssimo hábito. De qualquer forma, voltando ao ponto onde o outro texto parou: certo dia, em ambiente controlado – e com um chapa oficial do lado – descobri que algo acontecia. Incêndio nas proximidades, óculos sujos ou fumaça pelo escape. Como o seguro morreu de velho, ou pelo menos é assim que a história é passada, resolvi conferir o motor para garantir que nada estava errado. O problema é que estava.

Normalmente qualquer esportivo costuma ser um pouco mais abusado. Um esportivo nacional de mecânica simples e baseado no modelo mais vendido da época costuma ser ainda mais abusado, já que o senso comum diz que se quebrar é fácil e barato de arrumar. Então não foi nenhuma surpresa abrir o motor e descobrir uma bela ovalização dos cilindros e um calo na parte superior dos mesmos, exatamente até onde os anéis iam. E não era o calo de carbonização, era metal gasto mesmo. Em outras palavras, o motor precisaria ser feito.

“Tá no inferno, abraça o capeta”, diz a sabedoria popular, então melhor colocar em prática uma antiga idéia.

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Lá nos idos de 2010, 2011, eram bem comuns as discussões a respeito de R/L e suas influências no funcionamento e desgaste do motor. Tudo bem, todo o resto era ignorado, mas isso não vem ao caso agora. O que importa é que conhecia bem o funcionamento dos AP 2000 e 1600 e tinha um 1800 ovalizado até a alma, então qualquer coisa que ajudasse a próxima montagem durar mais seria bem vinda – além de já virar um 1900, um velho desejo que tinha. Sendo assim, tome procurar pistões e que dessem certo para essa configuração. E acabai encontrando, com a ajuda do povo do Xpeed, que ia passando as medidas das peças achadas em catálogos, ferros-velhos e lojas de peças.

O que deu certo foi uma salada que também estava começando a ser explorada em alguns aspirados de arrancada e em um ou outro carro de rua: pistão de XLX 350 e biela de Golf SR (motor AKL, aquele com bloco de alumínio e camisas flutuantes). O pistão era aproximadamente 6 mm mais baixo que do AP 1800 (possui altura de compressão de 27 mm, contra 33,3 mm do AP 1800 carburado a gasolina), tinha 84 mm de diâmetro como primeira medida, uma cabeça com formato estranho e pino de 19 mm com travas. Já a biela possuía 149 mm de comprimento, exatamente 5 mm a mais que as do AP, pino de 20 mm e colo para moente de 47,78 mm (mesmas medidas do AP). Nesse caso, em teoria, seria necessário apenas tornear uma bucha em bronze fosforoso para o pino, que poderia ser concêntrica ou excêntrica e tudo estaria resolvido. Na teoria.

O pistão da XLX não tem espaço suficiente para abrigar o pé da biela do SR, seria necessário fazer uma cunha para entrar. E essa cunha teria que ter os dois lados iguais e ser repetida fielmente nas quatro bielas. Então lá foi o Candé fazer esse trabalho de monge, que acho que só ele gostava. Colocar a bucha – que optamos por ser concêntrica mesmo – fazer a cunha, equalizar peso e equalizar também centro de massa. Como disse, trabalho de monge.

Aqui uma breve observação. Os kits de pistões, cada um com pistão, anéis, pino e travas, era da KMP e custou na época R$ 35,00, valor unitário. Não faço idéia do motivo, mas os mais baratos que encontro hoje saem por volta de R$ 100,00. Ficou complicado repetir essa receita, porém ainda é mais em conta que um jogo de forjados.

Sobre a bucha concêntrica, a altura total do conjunto diminuiu, mas isso seria fácil de resolver através da altura do cabeçote. Daria uma taxa boa para gasolina, já que a idéia era continuar usando petróleo destilado. Poderia ter sido feita excêntrica e ter compensado um pouco a altura, mas a decisão da concêntrica foi mais por segurança, já que era mais fácil de tornear e montar e teria menos chances de ocorrer algum desvio na confecção das peças.

Com o conjunto pistão e biela decidido faltava basicamente todo o resto. E como o motor estava aberto mesmo, resolvemos balancear o virabrequim.

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Normalmente todo virabrequim balanceado que roda no DF é feito por uma empresa de Goiânia e que possui ótimas referências nesse tipo de trabalho. O problema é que ir até Goiânia só para isso estava fora de cogitação, então começou a busca, que foi bem curta, por uma empresa mais próxima. Para nossa salvação havia uma retífica em Formosa que fazia o serviço. O conjunto rotativo foi para lá, mas não sem antes ser feita uma escareada dos furos de óleo do virabrequim, uma prática bem antiga que alguns defendem e outros condenam – como quase tudo em se tratando de preparação. No fim, com tudo balanceado e com uma montagem certa a seguir, descobrimos que nem virabrequim nem embreagem estavam ruins, mas o volante, aliviado no torno, estava bem fora, mesmo sem ter apresentado vibração (crianças, fica a lição: não aliviem em qualquer torneiro, mas se aliviarem, confiram depois).

Agora que a parte de baixo estava toda balanceada, faltava, bem… o resto.

Cabeçote seria o mesmo, aquele preparado que desceu sede certa vez mas foi recuperado. Só que dessa vez utilizaria outro comando. A idéia foi enviá-lo para um empresa fazer outro diagrama, com 298° de duração, sobre o SamCams de 288° que estava usando. Só que aqui fica uma incógnita: eu simplesmente não lembro o resto do diagrama dele, nada de levante ou lobecenter, simplesmente só essa duração. Falha minha, que não anotei esses dados ou acabei perdendo com o tempo, como alguns outros.

Então se o comando seria outro, com mais duração, o motor seria 1.9 e teoricamente também estaria apto a girar mais, o nosso velho conhecido 2E, que já era fator limitante, limitaria ainda mais. Como já estava realizando aquele velho desejo de montar um AP 1.9 aspirado – cada um tem seus desejos estranhos e bizarros, esse era um dos meus – também resolvi que iria montá-los com Webers deitadas, como eram os melhores aspirados de antigamente e vários da atualidade. Só que entra um “pequeno” fator limitante: carburadores Webers DCO ou DCOE eram e ainda são caros, muito caros, e verba para mobilizar em dois carburadores novos e bons ou arriscar usados um pouco mais baratos mas todos futricados era algo que não tinha. Sendo assim, vem outro ditado, ou quase: se não tem tu, vai tu mesmo.

Entre as inúmeras fábricas que já estiveram no país, tivemos a Alfa Romeo (nesse momento alguns já mataram a charada). Antes como FNM, depois como Alfa Romeo propriamente dita, fabricaram carros que ficaram famosos por vários fatores, entre eles o desempenho. Acontece que parte desse desempenho era devido ao fato de alguns modelos usarem uma dupla de Solex deitadas, mais precisamente as C40 ADDHE. Carburadores duplos horizontais de fabricação italiana e muito mais baratos que Webers, pelo menos na época.

Com um pouco de procura encontrei uma tripla desses carburadores. Estavam no fundo de um barril cheio de peças em uma oficina. Na época ninguém queria, tinham fama de serem péssimos de acerto e não renderem como os italianos famosos. Parte verdade e parte mentira, mas tudo por causa da construção deles, simples mas não muito esperta. Porém isso fica para outra hora.

Carburadores em mãos, hora de levar para uma empresa especializada nisso. Diagnóstico: dois bons e um mais ou menos. Tudo certo, o terceiro viraria doador de peças. Hoje faria diferente, limpando e conferindo medidas e empenamentos em casa, além de fazer juntas caseiras de velumoide, mas na época não tinha confiança de mexer em algo que parecia complexo. O que importa é que deu certo, mas ainda faltava um coletor de admissão. Isso era fácil achar na internet, mas não tinha confiança em nenhum que encontrava, por mais pomposa e “engenhairística” que fosse a propaganda, além de que os preços não ajudavam nem um pouco. Mas nisso o povo do Xpeed ataca novamente. Recebi um aviso – valeu Brênio, tem muita ajuda sua nesse projeto – de um coletor usado anunciado em uma loja. Liguei lá, confirmei algumas coisas e comprei a peça.

Pode parecer que não, mas o Brasil possui um bom histórico em matéria de preparação. Só que como a memória do povo brasileiro é curta em todos os aspectos, acabamos não sabendo disso – ou ignorando mesmo. Como pode ser visto na foto, há um pequeno H e outro pequeno B no alumínio fundido. HB, Hot Birds, famosa loja de peças e preparadora paulistana dos anos 80. Entre os feitos mais conhecidos está a preparação do motor do primeiro Gol boxer de rali, aquele que foi tema de reportagem da Quatro Rodas em julho de 1982. Para todos os efeitos esse coletor tinha uma boa linhagem, fora o valor histórico e o fato de usar o’rings de borracha no lugar dos tradicionais pezinhos de borracha na base dos carburadores.

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Finalmente tudo estava junto, só montar. A junta de cabeçote era uma de AP 2.0, comprada em concessionária (na época que ainda custava R$ 120,00), bronzinas novas, bomba de óleo calçada que já estava montada e parafusos de cabeçote antigos (sim, podem jogar as pedras). Aproveitando o embalo, novos coxins de motor foram feitos a partir de um tarugo de nylon, deixando o motor firme na posição correta e eliminando a solução do pino de pistão dentro do coxim para o coletor de escape não bater na longarina.

Apenas sobre o nylon: sim, a mesma peça também foi usada para confeccionar os suportes das bielas na balança e também o acionamento dos carburadores. Não achava que tinha tantas utilidades.

Durante a montagem, ocorreram alguns imprevistos, como era esperado. O mais chato foi começar rodando com o 049G mesmo, já que o outro comando ainda demoraria chegar. Fora isso, a primeira Solex precisou de um desbaste na parte de fora do corpo do primeiro cilindro, por causa da bomba e reservatório da direção hidráulica, e foram feitos furos no coletor de admissão para equalização de vácuo, algo que não aprovei muito tanto pelos furos em si quanto pela dificuldade posterior que isso causou para realizar um acerto ao meu modo. Mas já estava feito e o jeito seria andar assim.

Então após tudo resolvido, hora da primeira partida, que infelizmente não pude acompanhar de perto. O que importa é que a dirigibilidade mudou muito, estava mais forte e solto em todos os giros, mas novamente amarrava perto de 5.500 RPM e estancava em 6.000 RPM. Não adianta, por melhor que seja o bom e velho 049G não faz milagres. Mas comparado ao que estava antes ficou ótimo, era só esperar chegar a outra peça para finalmente ver como toda aquela salada ficaria. Como ponto positivo fica o fato do acerto original que veio no carburador ter ficado quase perfeito, apenas com a lenta meio gorda.

Após algum tempo rodando com o 049G, chegou o comando novo. Só que foi preciso resolver um problema bem chato, que era acertar a altura dos tuchos para que não fosse necessário usar pastilhas de regulagem gigantes, já que esse comando tinha círculo base menor. Em outra época eu teria tomado vergonha na cara e comprado qualquer tucho seco de regulagem por baixo que se acha internet afora. Só que naquele momento resolvi usar os originais mesmo, só que com algum calço por baixo para dar altura.

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Longe de ser a solução ideal ou mesmo a recomendável para esse caso – ou qualquer caso – mas após algumas tentativas o jeito foi soldar um pedaço de balancim de motor GM dentro do tucho e dar acabamento, fazendo a regulagem por cima mesmo. Perde-se um pouco de carga inicial de mola mas ganha-se um pouco de curso antes de encostar elo, algo que não precisaria ser ponderado se simplesmente tivesse comprado os outros tuchos.

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Já finalizando, nesse ínterim foi adquirida e montada a barra de amarração superior, da IMohr, bem como outras coisinhas para montagem posterior. Infelizmente o texto já estourou o tamanho que deveria ter, então relatos do comportamento com o outro comando e acerto ficarão para a próxima parte.

Por Marcos Amorim, Project Cars #88

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