Ainda pensando sobre o que eu havia acabado de presenciar na Serra do Rio do Rastro, entrei no carro, coloquei para tocar a minha playlist de estrada e comecei a voltar para casa — uma viagem de quase cinco horas pela frente, segundo o Waze.
As estradas são ótimas, mas o lugar é tão embrenhado no cânion verde da Serra Catarinense que a primeira parte da viagem é feita praticamente todo em perímetro urbano de cidades bucólicas. É pouco movimentado, é bonito, mas é lento. Deve ser proposital para apreciar a vista.
Já que o ambiente é bonito e a música é boa, fica tudo bem. A BR-101 estava logo ali, e eu poderia ganhar tempo viajando a 120 km/h. E eu realmente ganhei. Até que o Waze e a PRF entraram em cena — o primeiro como protagonista, o último como coadjuvante.
À medida em que eu me aproximava da capital Florianópolis, o trânsito ficava mais denso até parar… por dez minutos e voltar, do nada. Era um congestionamento fantasma. Você sabe do que estou falando — já falamos deles por aqui: o congestionamento que começa e termina sem motivo aparente.
Por que o trânsito para de repente – e a fila ao lado fica mais rápida?
Esse tipo de congestionamento começa por uma reação em cadeia: há um fluxo denso de carros, uma parte dos carros reduz a velocidade por alguns instantes e essa redução se propaga para trás como uma onda. Até que o trânsito para de vez. Eu estava tranquilo, conformado com o trânsito — afinal, fui eu quem decidiu pegar a maior rodovia do Brasil, aquela que transporta os turistas do Cone Sul pelo litoral catarinense, em pleno domingo de janeiro, às 18h. A culpa é toda minha. E como eu estava tranquilo e conformado com o trânsito, comecei a observar o movimento.
A primeira coisa que notei, foram, claro, os idiotas do acostamento. Eles forçam a entrada mais adiante e, por isso, a fila, atrás do ponto onde eles voltaram para a pista, fica travada. Enquanto eu ofendia mentalmente o sujeito que passava em alta velocidade pelo acostamento, notei que o Waze estava me pedindo para acessar a saída logo adiante para acessar a pista marginal. E ali eu fui me meter, achando que eu teria de mudar de rodovia.
Não: o Waze, ao perceber o trânsito lento, desenhou uma rota mais rápida que usa a marginal da BR-101. Eu acessei a marginal e ali percebi que deveria voltar para a BR-101, segundo o Waze, em 800 metros. Ou seja: o Waze me induziu a ser o espertinho que corta o congestionamento pelos acessos e saídas das cidades pelas pistas marginais.
Mais adiante o Waze fez a mesma coisa. E aí notei que havia um ponto de desaceleração: um par de radares de 60 km/h. Tudo fez sentido: muitos carros passando a muito menos de 60 km/h causaram um efeito dominó de redução de velocidade. O Waze, que é uma máquina e, por isso, burrinho, detectou a lentidão e procurou uma rota mais rápida. E assim ele jogou centenas (talvez milhares) de carros para as marginais, só para jogá-los de volta na BR-101 uns metros adiante.
Os acessos às rodovias são feitos normalmente por faixas de aceleração. Mas elas só funcionam quando a pista está livre ou o fluxo está rápido. Quando tudo está parado, elas se tornam gargalos. E aí você já viu o que aconteceu: o trânsito na faixa da direita ficava travado por causa dos carros acessando a BR-101 novamente depois de terem “cortado caminho” por 500 ou 800 metros pela marginal. É evidente que o Waze acabou colaborando para piorar o trânsito ainda mais.
Curioso, segui todas as instruções do Waze, que acabaram me colocando dentro de uma cidade onde eu já não via mais a BR-101. É claro que as ruas desta cidade ficaram igualmente travadas. O Waze disse para centenas (talvez milhares) de motoristas que aquela cidade era um caminho rápido. E aí ele deixou de ser rápido. E mais: o acesso de volta à BR-101 cerca de 10 km depois, também estava congestionado. E o trânsito antes do acesso estava parado na faixa da direita.
Percebeu o que aconteceu? O Waze, tentando ajudar seu usuário, comprometeu todo o fluxo no local. Não que ele tenha sido o único culpado, mas ele não ajuda a melhorar um congestionamento causando gargalos.
E a PRF, onde entra nessa história? Bem, não é culpa dela, mas dos motoristas que, por alguma razão ignoram a sinalização e decidem passar em frente ao posto policial na menor velocidade possível. Eles avistam o predinho amarelo e azul com o PRF na frente e ancoram os carros, reduzindo a velocidade drasticamente. Como a rodovia está adensada… a pista que o Waze não travou acaba travada.
No fim das contas, foi só passar esse trecho com dezenas de acessos, marginais e o posto da PRF que o trânsito voltou a fluir em velocidade mais alta, cerca de 80 km/h, o que é muito bom para um domingo à noite de verão, à beira-mar. A partir dali a viagem foi tranquila.
E antes de ir, uma dica de estrada para você espalhar para seus amigos e familiares: se você está na faixa da direita e um caminhão ou ônibus te ultrapassa, você está lento demais. Mas isso é papo pra outra hora.