Antigamente, se você perguntasse à Rolls-Royce qual era a potência de qualquer um de seus carros, a resposta seria um sonoro e sisudo “o suficiente”. Hoje em dia, até por causa da legislação e da importância muito maior dos números, a RR não é mais tão concisa e misteriosa, mas a cavalaria de seus modelos, do Wraith ao Phantom, ainda é só um mero detalhe – quase uma curiosidade.
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No caso da Bentley, “a outra fabricante mais luxuosa do mundo”, sempre houve um pouco mais de carinho pelo desempenho dos carros. Não é por acaso: a Bentley já se aproxima dos 100 anos de tradição no automobilismo, e o alto desempenho tem um papel muito mais importante em seu legado que no caso da Rolls-Royce. Mesmo que, por muito tempo, as duas empresas tenham sido uma só.
O caso é que a Bentley nunca foi avessa a criar versões esportivas de suas banheiras ultra-luxuosas. Especialmente se a versão esportiva em questão for uma encomenda especial de uma das pessoas mais ricas do mundo. Mais especificamente, do Sultão do Brunei – sim, ele de novo.
Os entusiastas não são muito fãs do monarca, em grande parte porque ele é dono de uma das coleções de automóveis mais absurdas do mundo, com centenas de modelos (incluindo alguns que jamais viram a luz do dia), e raramente anda neles. Na verdade, a maior parte dos carros do Sultão está parada no tempo, sem cuidados, e apodrecendo. O fato de a fortuna da família ter origem no mínimo questionável – e de ser mantida por métodos igualmente suspeitos – também contribui, claro.
De qualquer maneira, apesar das circunstâncias, a família Bolkiah guarda verdadeiros tesouros sobre rodas na garagem. E um deles é o Bentley Continental SuFaCon – que, por acaso, é o Bentley mais potente fabricado antes da compra da marca pela Volkswagen. Uma marca histórica que, se não fosse pela Internet, talvez jamais ficasse conhecida fora dos domínios do Sultão.
A verdade é que o Sultão não encomendou um, mas 14 exemplares do Continental SuFaCon à Bentley – um exagero mas, segundo conta-se, cada carro seria usado por um membro da família.
Como tudo que envolve o Sultão, a história desses carros é nebulosa e cheia de desencontros. O que se sabe com certeza: SuFaCon é uma palavra formada pelas iniciais de Super Fast Continental – que, acreditamos dispensa tradução. Em algumas fontes, diz-se que os carros foram fabricados em 1993 e 1994. Contudo, há registros de que todos os carros foram feitos em 1994 e 1995 – incluindo o blog Bentley Spotting, que menciona até os números de chassi. Segundo a publicação, os carros encomendados pelo Sultão usavam um código especial no número do chassi – em vez de trazer a letra B na quinta posição, como nos Bentley normais, eles vinham com a letra H, reservada especialmente para os carros do Sultão (presumivelmente de “Hassanal”, embora não existam dados oficiais que comprovem essa teoria).
Um dos clientes mais fiéis do programa de encomendas especiais da Bentley, o Sultão do Brunei não teve problema em pedir aos britânicos para criar uma versão ainda mais forte do carro mais potente da marca na década de 1990: o Continental R. O cupê, lançado em 1991, foi o primeiro Bentley moderno a não dividir a carroceria com um Rolls-Royce.
Na época, ambas as empresas pertenciam ao chamado Vickers Group, cujo diretor era o empresário David Plastow. Foi dele a iniciativa de aproveitar o legado da Bentley nas pistas para construir uma imagem mais esportiva – o que, no começo da década de 1980, resultou no icônico Bentley Mulsanne Turbo. O próximo passo era criar um cupê da Bentley, cujo primeiro protótipo, ainda estático, foi revelado no Salão de Genebra de 1985.
O processo de desenvolvimento do carro foi longo, mas valeu a pena: mostrado de surpresa no Salão de Genebra de 1991, o Bentley Continental R causou furor com sua mistura de sofisticação e agressividade – coroado com um V8 de 6,75 litros turbinado debaixo do capô. Para mostrar que aquele era mesmo um carro diferente, e não um Rolls-Royce rebatizado, a Bentley até divulgou os números de potência do carro: 330 cv a 4.000 rpm e 62,2 kgfm de torque a baixas 2.000 rpm. Hoje parece pouco, mas imagine ler esses números em um Bentley há 30 anos. Só para ilustrar, naquela época a Ferrari mais potente da linha era a 512 TR, com um V12 de 428 cv.
Apesar do visual que evocava esportividade – ausência de cromados, grandes rodas de 17 polegadas (novamente, considerando o contexto de 30 anos atrás) e emblemas específicos, o Continental R original era menos um esportivo e mais um grand tourer. Um carro de luxo para dispensar o chauffeur e viajar rápido, mas com conforto e requinte. Assim, ele tinha suspensão autonivelante ativa, câmbio automático GM de quatro marchas e acabamento com altas doses de couro e madeira no interior. Alguns itens eram novidade, e só seriam vistos em carros mais baratos muito tempo depois – como o ajuste elétrico dos bancos e retrovisores com memória (que, a partir de 1996, passou a incluir também a posição da coluna de direção, que também era elétrico).
Mesmo pesando seus 2.420 kg, o Continental R era rápido: ia de zero a 100 km/h em 6,6 segundos, com máxima de 250 km/h. Mais que suficiente para qualquer pessoa… menos para o Sultão.
Cada um dos 14 carros feitos para Hassanal Bolkiah recebeu um motor bem mais potente – o chamado P300, que passava por um retrabalho de fluxo e ganhava mais pressão no turbocompressor Garrett. Com isso, o V8 desenvolvia nada menos que 534 cv – que o colocavam muito perto dos Bentley atuais. O que um cheque bem gordo não faz, hein?
Os detalhes da preparação nunca foram divulgados – por pouco sequer a existência desses carros não foi um completo segredo, mas o fato é que o Continental R SuFaCon era capaz de ir de zero a 100 km/h em cinco segundos cravados. A suspensão e os freios do carro foram ajustados de acordo – um acerto mais firme para os amortecedores e pinças duplas na dianteira foram adotados.
Cada um dos 14 carros tinha um esquema de cores. Já apareceram exemplares azuis e verdes à venda, de alguma maneira – e, recentemente, o pessoal da DK Engineering anunciou em seu site um SuFaCon preto com interior preto. Supostamente, esse é o exemplar que está em melhores condições de conservação.
Ele foi o último SuFaCon produzido, e pelos documentos oficiais, foi dado de presente a Jefri Bolkiah, o irmão mais novo do Sultão.
Pelo que diz a DK Engineering, o carro foi completado em 8 de outubro de 1994, e registrado como modelo 1995. Jefri Bolkiah rodou pouquíssimo com ele – apenas 7.300 milhas, o que dá quase 12.000 km. Um seminovo, por assim dizer.
O carro foi enviado do Brunei para o Reino Unido em marçoo de 2021, e passou por uma restauração completa nas mãos da DK Engineering. Lembre-se que os caras são especialistas em veículos especiais, ultrarraros e valiosíssimos, como o Porsche 911 GT1 que mostramos aqui há algumas semanas.
Quanto custa? Boa sorte preenchendo o formulário no site da DK Engineering para descobrir. Mas saiba que um Continental R comum mint condition raramente é vendido por menos de £ 90.000 no Reino Unido – o que dá nada menos que R$ 650.000 em conversão direta (junho de 2021). Esse carro, raro como é, tem potencial para custar o dobro.
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