Você pode gostar do Fusca ou odiá-lo, mas não pode negar que o Besouro tinha personalidade. O design de Ferdinand Porsche para o primeiro carro popular alemão não era revolucionário, não trazia nenhuma ideia ousada ou inédita. Mas tinha identidade de sobra: o perfil composto por três semicírculos, o rosto sorridente formado pelos faróis e pelo capô e as proporções bem resolvidas não encontraram equivalente na época. Tanto que o Fusca tornou-se um símbolo perene da cultura sessentista – feito notável para um carro lançado em 1938.
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Esta personalidade ajuda a explicar a imensa popularidade que o Fusca ganhou ao longo dos anos. Além de ser um carro acessível e fácil de encontrar (afinal, foi fabricado aos milhões em vários países), ele também tem a curiosa capacidade de se tornar uma espécie de afirmação ao mundo. Muitos donos de Fusca os encaram como uma extensão de sua própria pessoa – ou até mesmo o enxergam de forma semelhante à de um membro da família ou animal de estimação. Fuscas ganham nomes e apelidos, e muitos se tornam a melhor a maneira de reconhecer seu dono de longe. Em menor grau, isto também vale para os derivados do projeto – Kombi, Brasilia, TL e 1600.
Com isto em mente fica fácil entender por que o mercado de acessórios para o Fusca sempre foi tão cheio de opções. Já na década de 1950, quando a importação começou a dar lugar à produção em massa em mercados como os EUA e o Brasil, existiam tantos Fuscas que era natural tentar tornar o seu carro único.
Os mais dedicados realizavam diversas modificações na aparência e na mecânica do Fusca. Havia os Cal-look e Cal-style, estilos californianos inspirados pelos lowriders e também pelos carros de competição; os German look europeus, com componentes Porsche e rodas BBS; os Baja bugs, criados para encarar as dunas de areia na América Central; e os Volksrod, que buscavam inspiração nos hot rods – sem para-lamas, com teto rebaixado ou cortado, e pimenta no motor.
Contudo, havia quem não quisesse ser tão radical – nada de tuning ou preparação pesada, apenas acessórios para reforçar individualidade. Havia muita coisa, e alguns deles beiravam a bizarrice.
Talvez o caso mais curioso seja a cafeteira de painel da Volkswagen. Sim, uma cafeteira elétrica que era montada no painel do Fusca, e ligada ao acendedor de cigarros: a Hertella Auto-Kaffeemaschine.
Sabe-se pouco a seu respeito. Fotos do que parece ser a imagem de um catálogo de acessórios da Volkswagen circulavam pela Internet há alguns anos – em fóruns, páginas de Facebook e publicações do Instagram.
Não parece um anúncio oficial da Volkswagen – a fonte é diferente, e sabemos que a VW faz questão de utilizar a mesma fonte em todo seu material impresso. Como se pode ver, a cafeteira tinha versões de 6V e 12V. Elas custavam a mesma coisa: 65 marcos alemães, ou € 115 nos dias atuais. Pouco mais de R$ 700.
Sendo um acessório obscuro e incrivelmente raro, é muito difícil estimar quantas foram vendidas – e praticamente impossível encontrar um exemplar à venda. A maior parte das informações vem de um entusiasta chamado Dave Hord, que escreve no site americano Classic Car Adventures e encontrou recentemente um exemplar à venda na Sérvia, de todos os lugares possíveis. Ele procurava o item havia anos, e chegou a considerar a fabricação de uma réplica para colocar em seu Beetle.
Dave compartilhou sua experiência no Reddit. Ele disse que a cafeteira veio sem manual de instruções, e a caixa sequer traz a voltagem do aparato. Também não há manual de instruções – portanto, Dave só consegue presumir como a cafeteira funciona. Ele diz que, ao ser plugada no acendedor de cigarros, a cafeteira começa a esquentar imediatamente. Não há sequer um botão para ligar ou desligar. A única coisa que se pode fazer é colocar o pó e a água quente no compartimento – o que, para Dave, significa que a cafeteira funciona por infusão, como o café fosse chá.
Como apreciador de um bom café, não consigo imaginar um café muito bom saindo pela torneira. Mas a cafeteira em si é uma peça interessante. E bem engenhosa: ela vinha com xícaras especiais com base de metal, feitas para encaixar perfeitamente em uma base com um íma – assim, teoricamente elas não cairiam com os movimentos do carro. Algo me diz que isto seria má ideia em qualquer estrada que não fosse uma Autobahn alemã com asfalto impecável…
O mais curioso é que não se encontra muitas informações a respeito da cafeteira Hertella ou de sua fabricante – que outros produtos eles faziam além da Auto-Kaffeemaschine, por exemplo? Porém, o que se encontra é outra fabricante que fez cafeteiras automotivas para o Fusca: a Paluxette. Embora sejam, aparentemente, menos raras que a Hertella, elas são igualmente misterioisas. O que se acha a respeito delas na Internet são alguns anúncios em sites como o eBay, tópicos em fóruns e algumas fotos de banco de imagens datadas de 1950. Mais nada.
Também é curioso o fato de não existirem itens equivalentes para outros carros na década de 1950 – só para o Fusca.
Na verdade, a cultura dos VW aircooled é cheia destas tendências exclusivas – sendo o Fusca seu maior representante. Além da cafeteira, ao redor do mundo existiram outros acessórios curiosos para o Volkswagem mais popular do planeta.
Outro deles – que, verdade seja dita, não foi feito especificamente para o Fusca mas usava um Fusca como exemplo – era este aspirador de pó movido pelos gases do escapamento.
O dispositivo era constituído por uma ponteira de escape com duas saídas, uma delas ligada perpendicularmente à outra e dotada de uma mangueira. Por conta do fluxo dos gases, a pressão dentro da mangueira é reduzida, o que faz com que ela sugue o ar para dentro dela. A fabricante prometia economia de eletricidade ao dispensar o uso de um aspirador de pó, mas provavelmente o custo extra de deixar o carro ligado só para limpar o interior anulava qualquer benefício. Além de não parecer nada prático.
O Fusca também tinha uma série de acessórios estéticos que só eram populares para ele e alguns de seus derivados – como bandejas de vime para colocar embaixo do painel e “pestanas” para os faróis – muitos deles populares também no Brasil. Mas estes eram até que convencionais. Curioso mesmo era o rack para esquis, que era preso no para-choque e nas fendas para arrefecimento abaixo do vigia traseiro – e, como tal, só servia para o Fusca.
O rack, até tinha sua funcionalidade – quer dizer, desde que você tivesse a coragem necessária para ir esquiar de Fusca. Por outro lado, havia também acessórios puramente estéticos que simplesmente não faziam sentido.
A própria VW oferecia alguns acessórios extremamente específicos, como um cabide para pendurar roupas e um extensor para o banco traseiro da perua Squareback. A Volkswagen dizia que todos os seus carros saíam de fábrica cheios de potencial oculto para diversão e utilidade – os acessórios só davam uma forcinha.
Mas talvez o exemplo mais intrigante não seja oficial: as bolhas para o painel de instrumentos. Elas eram exatamente isto: lentes transparentes em forma de bolha que iam encaixadas no velocímetro e, quando disponível, no marcador de combustível. Não havia outro objetivo que não estético, e ainda existiam versões tingidas que tornavam a leitura das informações no painel uma tarefa quase impossível.
Elas foram bastante populares no Brasil. Bem como outro acessório ainda mais desconcertante – uma moda que, aparentemente, começou no Brasil justamente nos anos 1970: as manoplas de câmbio de resina com um caranguejo de verdade dentro. A origem deste acessório perdeu-se no tempo, mas elas eram onipresentes nos carros personalizados da época. Especialmente no Fusca e na Kombi, mas também em outros carros da época.
Com preocupações éticas com o uso de um animal de verdade em um acessório automotivo, uma bola de câmbio como esta é incrivelmente difícil de encontrar hoje em dia – só garimpando sites de classificados e grupos de Internet para achar um exemplar de época.