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Car Culture Sessão da manhã

V12 de 10 litros, pneus estreitos e mais de 100 anos de idade: a insanidade do S.F. Edge trophy em Goodwood

Você já parou para pensar por que gosta tanto de carros e corridas? O que é que nos faz parar alguns minutos por dia, todos os dias, para conferir o que andou rolando na Fórmula 1, mesmo que a Fórmula 1 atual esteja entediante? O que nos faz defender com unhas e dentes um carro de corrida que nunca vimos, que jamais acelerou no Brasil, e que nem existe mais? Que diabos faz todo entusiasta escolher uma equipe do coração, mesmo que jamais tenha assistido a uma corrida ao vivo?

O que nos faz gostar tanto de corridas?

O que quer que seja, já estava presente desde que a primeira vez em que dois cavalheiros decidiram ver quem tinha o carro mais rápido. E uma prova disso é este vídeo, divulgado recentemente pelo pessoal de Goodwood – um verdadeiro templo dedicado ao automobilismo histórico, onde carros de corrida de muitas décadas atrás revivem momentos de glória sobre o asfalto como se voltassem no tempo. Mesmo os carros de corrida que já estão por aí há mais de um século.

Você já sabe o que fazer: tem a ver com a cadeira, o volume do computador e o botão de tela cheia.

Estamos às vésperas do Goodwood Members Meeting, que acontece neste fim de semana, nos dias 18 e 19 de março. O evento funciona como uma prévia para o Goodwood Festival of Speed e, para muitos dos sortudos frequentadores, é bem mais interessante: as exposições de antigos e apresentações de conceitos são deixadas de lado, e o foco é a pista. Seja para desfiles com carros icônicos, como quando dezesseis exemplares do McLaren F1 GTR aceleraram juntos; ou para corridas de verdade – pegas entre bólidos antigos divididos por categorias, normalmente com base na época em que competiram ou no deslocamento do motor.

A categoria que engloba os carros produzidos antes da Primeira Guerra Mundial se chama S.F. Edge Trophy, em homenagem a Selwyn Francis Edge, piloto e fabricante de automóveis nascido na Austrália e naturalizado britânico. Sua companhia, a S.F. Edge, era uma das poucas do Reino Unido a reconhecer a importância do automobilismo no desenvolvimento do automóvel, e Edge começou a pilotar carros de corrida já em 1900.

Nada mais justo que a homenagem, não? Pois o S.F. Edge Trophy permite a participação de carros de corrida exatamente desta época – que competiram até 1923, na verdade. Eles são divididos em duas categorias: B, para carros feitos entre 1905 e 1918; e C, para carros feitos entre 1919 e 1923. Em ambos os casos, os automóveis devem usar pneus de medidas equivalentes ao que utilizavam na época, diagonais com largura de no máximo 4,5 polegadas.

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Ou seja, os pneus são muito estreitos e pouco aderentes. E isso resulta na maior característica dinâmica destes carros: as escorregadas em sequência. Sem muita aderência dos pneus a suspensão quase não rola nas curvas, pois a transferência lateral de peso depende totalmente do grip. Ou seja: quando a massa do carro se desloca para o lado de fora da curva, não há o que mantenha o carro em sua trajetória. Muitos deles, aliás, ainda usavam transmissão por corrente e alguns sequer tinham diferencial.

Repare também na cambagem positiva da suspensão dianteira. Como as vias naquela época tinham um formato mais abaulado, a cambagem positiva ajudava a reduzir o esforço no esterçamento e também o shimmy, a trepidação da dianteira em alta velocidade.

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Sem falar na suspensão, que usava amortecedores rudimentares e molas semi-elípticas — que resultavam em um acerto bem rígido. Os carros eram feitos sobre um chassi de metal não muito diferente do que as carruagens utilizavam, e só traziam uma carenagem sobre o motor e, às vezes, em volta do cockpit. E eles eram todos muito parecidos, o que torna a tarefa de identificá-los no vídeo uma tanto quanto penosa.

O evento em questão é parte do S.F. Edge Trophy do ano passado, no qual Duncan Pittaway, ao volante de seu pequeno Curtiss V8 GN 1921, dá um baile em rivais muito maiores e mais potentes.

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O carro usa um V8 aeronáutico de 8,2 litros que é capaz de entregar algo entre 90 cv e 105 cv a 2.900 rpm e, no vídeo, realiza algumas ultrapassagens impressionantes para a idade do carro.

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Entre seus rivais estava o Sunbeam Indianapolis 1916 de Julian Majzub, com seu surpreendentemente moderno (ao menos em concepção) seis-em-linha de 4,9 litros com comando duplo no cabeçote, quatro válvulas por cilindro e pelo menos 150 cv. Ele tem este nome porque competiu nas 500 Milhas de Indianapolis e chegou na quarta posição.

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Outro era o Delage V-12 1923 de Mathias Sielecki, cujo motor de 10,5 litros entrega mais ou menos 280 cv, e fez dele um dos mais potentes no grid. Aliás, Pittaway, Sielecki e Majzub  largaram juntos na primeira fila e terminaram a corrida nas três primeiras posições, exatamente nesta ordem.

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Note como, apesar de não fazerem manobras sujas e agressivas, os caras não poupam os carros. Tudo bem que eles dificilmente passam dos 150 km/h, mas imagine a sensação de velocidade que os caras têm sentados em uma posição tão elevada (se comparada aos carros atuais), quase totalmente expostos aos elementos e ouvindo o ronco alto dos gigantescos propulsores. Estes carros só tem o mínimo que precisam para acelerar: motor, câmbio, volante, pedais, freios e pneus.

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Agora imagine que, em seu tempo, estes carros eram conduzidos por caras usando camiseta, luvas, capacetes de couro e óculos para proteger os olhos, quando muito – nada de capacetes, macacões e sapatilhas especiais. Eles não corriam sobre pistas de asfalto lisinho e bem cuidado, e sim ovais de terra, desertos e estradas ruins no interior da Europa (como o Alfa Romeo abaixo, que disputou a Targa Florio em 1923). Se algum deles se acidentasse, não havia muito o que fazer sem uma ambulância e sem a medicina que temos hoje.

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E mesmo assim os caras corriam. A maioria destes automóveis, aliás, era construída especificamente para disputar corridas, e muitas vezes o cara responsável pela construção também era o piloto. Alguns deixaram seus trabalhos normais para dedicar-se exclusivamente ao automobilismo em um tempo quando não se ganhava dinheiro com isso, e muitas pessoas ainda achavam que o carro era uma febre passageira e que não demoraria para que todo mundo voltasse a andar por aí de charrete.

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Como sabemos, não foi o que aconteceu. E não poderia ser diferente: vendo esses carros de corrida de cem anos atrás acelerando, e imaginando a adrenalina que era pilotá-los naquela época, fica evidente que esse negócio de correr de automóvel não tinha como dar errado. É impossível não ficar hipnotizado por estas máquinas maravilhosas. Aliás, você pode conferir todos os 15 minutos da corrida, na íntegra, abaixo:

Fotos: Goodwood Road & Racing