O Chevrolet Corvette reinou sozinho por décadas como símbolo da car culture norte-americana. Deixando de lado sua fama de remédio para crise de meia-idade é fato que o Corvette foi, pela maior parte de sua vida, um esportivo dos bons, com histórico de competição e vocação para encarar supercarros europeus muito mais caros sem fazer feio. Motor V8 naturalmente aspirado, carroceria leve de fibra de vidro e acerto cuidadoso na suspensão – além de engenheiros e chefes entusiastas sempre envolvidos no projeto – deram resultado por muito tempo.
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Então, em 1991, o mundo conheceu o Dodge Viper. O projeto idealizado pelo então presidente da Chrysler, Bob Lutz – que, ironicamente, havia trabalhado na GM na década de 1960 – tinha a proposta de ser um Shelby Cobra moderno: um esportivo tradicional, com motor grande, tração traseira e totalmente analógico. O motor V10 foi seu cartão de visita por toda a sua vida – um monstro baseado na arquitetura do V8 LA, com comando pushrod e no mínimo oito litros de deslocamento. E quem sentiu mais foi o Corvette, que já não era a única opção no mercado.
Acontece que, antes mesmo de o Viper ser apresentado ao público como pace car da Indy 500 de 1991 (um papel que, aliás, já havia sido do Corvette várias vezes nos anos anteriores), a Chevrolet já sabia o que a Chrysler estava aprontando e decidiu revidar. Foi assim que nasceu o Corvette ZR-12 – o Corvette com motor V12.
Na verdade, dizer que “a GM decidiu revidar” não é totalmente correto. O projeto foi idealizado por engenheiros entusiastas, e era do tipo que a direção da GM não aprovaria – custos dispensáveis, diriam os diretores, que poderiam ser convertidos em aperfeiçoar o V8 small block para fazer frente ao V10. Então, os engenheiros disseram que queriam testar a resistência do chassi do Corvette C4. E instalar um V12 no cofre seria a forma perfeita de fazê-lo, aparentemente.
Com os fundos obtidos – que não eram tantos assim – foi preciso improvisar. Desenvolver um V12 só para o protótipo seria inviável, e então a equipe teve de buscar um motor pronto.
Uma empresa chamada Ryan Falconer Industries, ou simplesmente Falconer, construía motores V12 para barcos e lanchas de corrida usando o V8 small block da GM como base. Colocando de forma rude, o trabalho consistia em adaptar mais quatro cilindros ao bloco do V8 – era como “um V8 e meio”. A Falconer faz isto até hoje, e não é difícil entender o motivo: como o Marco Antônio Oliveira destrinchou recentemente por aqui, o V8 da GM sempre foi robusto, leve, compacto, barato e fácil de encontrar, além de ser muito receptivo a preparações – sobrealimentadas ou não.
A Falconer se valia disto para criar um V12 de 9,8 litros (600 polegadas cúbicas!) capaz de entregar 695 cv e 94 kgfm de torque – bem mais que o Dodge Viper, e muito mais perto dos superesportivos atuais. Para se ter ideia, em um teste da Motor Trend feito em 1993, o carro cumpriu o quarto-de-milha (402 metros) em 11,6 segundos a 214 km/h. O Viper fez o mesmo em 12,9 segundos a 181 km/h. Aliás, o V10 do Viper também era derivado de um V8 – no caso, o motor LA, família da qual faz parte o V8 318 dos Dodge brasileiros.
Para acomodar o motor, o chassi do Corvette teve de ser alongado em quase 20 cm, e o comprimento extra ficou entre as rodas dianteiras e o compartimento dos passageiros. Com isto, as proporções não se alteraram tanto assim – só comparando na hora com um Corvette normal para notar.
E o a carroceria também foi convertida com capricho, recebendo acabamento completo de funilaria e pintura. Ele até recebeu um nome, com direito a emblema especial – ZR-12, pois era como um ZR-1 com motor V12. Os envolvidos no projeto, porém, apelidaram o carro de “Conan” – como Conan, o Bárbaro.
Como deve ser óbvio, o ZR-12 não passou de protótipo. E o motivo era simples: a viabilidade de um Corvette com motor V12 marítimo era quase tão baixa quanto a criação de um V12 in-house. Cada motor custava, na época, US$ 45.000. Para colocar em perspectiva: o Dodge Viper partia de US$ 50.000, e mesmo o mais caro dos Corvette – o próprio ZR-1, que usava o exclusivo V8 LT5, com comando duplo no cabeçote e desenvolvido pela Lotus – não chegava aos R$ 60.000.
Fora isto, o Corvette com motor V12 também tinha outros problemas. Apesar da aceleração impressionante, o motor V12 e o chassi esticado acrescentavam pelo menos 100 kg ao peso total do carro, a maior parte na dianteira. A frente pesada atrapalhava bastante o carro nas curvas. E o sistema de arrefecimento era claramente subdimensionado para o motor – como consequência, o Corvette ZR-12 superaqueceu mais de uma vez durante os testes com a imprensa. Era evidente que, mesmo se por um milagre o Corvette V12 tivesse sido aprovado, a equipe de engenharia ainda teria bastante trabalho pela frente, com vários bugs para resolver.
Assim, depois de passar algum tempo trancafiado em um galpão na sede da General Motors, o Corvette ZR-12 foi cedido ao acervo do Museu Nacional do Corvette, que foi inaugurado em 1994 em Bowling Green, no estado americano do Kentucky – o mesmo museu onde, em 2014, um buraco que se abriu no solo de repente engoliu oito Corvette que estavam expostos. Por sorte, o Corvette V12 não estava ao alcance do buraco e escapou ileso. Na verdade, o ZR-12 raramente é exibido aos visitantes do museu e passa a maior parte do tempo guardado.
Um de seus únicos registros em vídeo foi publicado recentemente por um canal do Youtube – DtRockstar1, que conseguiu permissão de um dos funcionários para fazer um breve vídeo e gravar o V12 funcionando. Claro que o motor só acelerou de leve, mas já dá para ter uma noção da selvageria.
Hoje em dia existem algumas empresas que fabricam motores V12 com base nos V8 da GM para uso em pista – tecnologia e materiais evoluíram bastante, e provavelmente alguma preparadora poderia criar uma série limitada do Corvette com um V12 (Hennessey, é com vocês). Se um Corvette C8 com motor V12 fosse feito, seria uma Ferrari Made in USA que deixaria os italianos de cabelos em pé – afinal, o Viper não existe mais.
Pena que imaginar um Corvette com motor V12 naturalmente feito pela GM, em pleno 2020, soe mais absurdo que em 1990.