
O leitor antigo do FlatOut sabe como a BMW, depois de um pós-guerra complicado, se levantou lentamente, primeiro produzindo Isettas sob licença, ao mesmo tempo que vendia carros de luxo V8 da série “500”. Mas foi com o famosíssimo Neue Klasse “1500” de 1962 que mostrou como seria seu futuro.
O 1500 era um sedã familiar premium, para gente que queria mais que Ford e Opel na Alemanha, mas não tinha dinheiro ou vontade de comprar os sisudos e grandes Mercedes-Benz. Era essencialmente um carro de classe média, mas um que, como os Alfa Romeo Giulia tipo 105 contemporâneos, tinham acentuada veia esportiva.
O 1500 era na verdade o primeiro de uma longa linha de sedãs que fariam a empresa, nos anos 1980 e 1990, um sucesso imenso. Tinha um motor em linha moderno dianteiro inclinado para o lado para capô e centro de gravidade mais baixo; tração traseira; suspensão independente nas quatro rodas, com McPherson e direção por pinhão e cremalheira na frente e pneus radiais; a distribuição de peso era próxima dos 50/50%. Onde você já viu essa descrição? Em todo sedã BMW desde então, right down to o atual 320i 2025 que se vê ainda vendendo bem pelo Brasil afora.

O sedã 1500, como sabemos, teve uma longa história de sucesso e criou a BMW que conhecemos. Passou por algumas versões maiores, com 1,6, 1,8 e 2,0 litros também, em sua longa vida de quase 10 anos de produção no mercado, com quase 350 mil veículos produzidos.
O motor do 1500 é importantíssimo para a marca, e para a história de hoje. O famoso M10 quatro em linha OHC. Obra do aristocrata-piloto-engenheiro da marca, o “Barão” Alex Von Falkenhausen, era um motor totalmente novo que estava destinado a vida longa, e até virar motor de F1!

O motor era inclinado para o lado para permitir capô mais baixo, e baixar o centro de gravidade do carro. Era superquadrado, inicialmente 82 x 71 mm e 1499 cm³, com bloco extremamente parrudo de ferro fundido, e um cabeçote sofisticado de alumínio. Este cabeçote tinha um comando único acionado por corrente, que acionava duas válvulas opostas por cilindro, em câmaras de combustão hemisféricas. O virabrequim era forjado, com contrapesos, apoiado em cinco mancais de dimensões boas. Logo estaria disponível com 1,6, 1,8 e 2 litros.
Seria a base da BMW por pelo menos um par de décadas. Em 1968, ganharia mais dois cilindros para fazer o seis em linha M30, que ia de 2,5 a 3,5 litros. O motor é uma lenda hoje, versões de competição em quatro e seis cilindros, com cabeçote DOHC, aparecendo nos famosos cupês E9, e ganhando campeonatos de F1 em versão quatro cilindros turbo, nas Brabham de Gordon Murray pilotadas por Nelson Piquet.

Impulsionada pelo sucesso do Neue Klasse, a BMW, na segunda metade dos anos 1960, colocaria em prática as fundações do que ficaria famoso depois. O sedã grande E3 de seis cilindros em linha desafiava a Mercedes a partir de 1968; mas de maior sucesso e influência mesmo foram os sedãs pequenos duas-portas derivados do Neue Klasse, inicialmente chamados de 1600-2.

Anunciado em 1966, o 1600-2 é um carro que foi fácil de fazer. Entre-eixos duas polegadas menor, um leve redesenho da carroceria e boa. Mas mais acessível, mais leve e divertido que o Neue Klasse, o 1600-2 seria em breve uma lenda. Tudo por causa do mercado americano, que pediu, via o importador Max Hoffmann, algo mais potente. Nascia o 2002, com o motor 2 litros no menor BMW. Logo apareceria o 2002 ti, com dois Webers duplos, o 2002 tii com injeção Kugelfischer mecânica, e até, brevemente, o primeiro turbo moderno de fábrica: o 2002 turbo. Um carro esporte para família, matador de gigantes. Um imenso sucesso: quase 850 mil dos ’02 seriam fabricados.
Pois bem, contei isso tudo para chegar aqui. Em 1968 havia o sedã pequeno, 1602 e 2002. O sedã 4 portas médio (o Neue Klasse) chamado então “2000”. E os sedãs grandes E3 de seis cilindros chamados de 2500 e 2800. Se você quisesse colocar o motor 2 litros de 4 cilindros no E3, algo possível e desejável até, era fácil tecnicamente. Mas como chama-lo? “2000 Grande”? Era necessário uma nomenclatura diferente, urgente.

O que viria a acontecer, em seguida, já sabemos: o sucessor do ’02 seriam agora os série 3, 320i por exemplo, no caso de motor 2 litros. O sucessor do Neue Klasse, série 5, e o do 2500/2800 E3 seriam os série 7. Aconteceu gradualmente: o primeiro série 5 aparece em 1972 no lugar do Neue Klasse “2000”. O primeiro série 3 aparece em 1976. E finalmente, em 1977, aparece finalmente, o série 7. Quando os anos 1980 começam, começa também a explosão da BMW mundialmente.

Pois bem, é sobre este primeiro BMW série 5 que falaremos hoje: o E12, substituto direto do seminal Neue Klasse e marco zero de uma nova BMW. Até no nome!
O primeiro série 5

De novo, o desenho do primeiro série 5, que influenciaria fortemente todo BMW até 1990 e o E36, não veio de dentro da empresa, mas de novo, como no caso do famoso kink de Hoffmeister, da Bertone na Itália. Mas não mais de Giugiaro; desta vez, de Marcello Gandini.

No Salão Automóvel de Genebra de 1970, a BMW revelou o carro-conceito 2200ti Garmisch, um sedã de 2 portas da Bertone que, pode-se ver claramente, é um exagero proposital do que seria o novo série 5. O carro final é lançado em 1972.

Comparado com o Neue Klasse, tecnicamente o novo carro tinha um novo requisito importante: segurança passiva em crash-test, com novas legislações aparecendo. Por isso, computadores foram usados pela primeira vez no desenvolvimento da BMW para calcular as zonas de deformação dianteiras e traseiras; o teto foi projetado com uma estrutura de proteção contra capotamento.

O carro era bem mais moderno que o Neue Klasse, claro: de teto solar elétrico ao ar-condicionado e direção hidráulica, uma coisa muito mais contemporânea que o antigo sedã.

Certamente penetração aerodinâmica não parece ser objetivo; a carroceria final tem um coeficiente de arrasto de 0,44. O carro era basicamente, mecanicamente, porém, muito parecido com o Neue Klasse/2002: braços arrastados independentes atrás, McPherson na frente, pinhão e cremalheira, pneus radiais e freios a disco. Até o motor inicialmente era o mesmo do sedã “2000” anterior: o mesmo quatro em linha de 2 litros M10.

Medindo 89 x 80 mm e 1990 cm³, o motor OHC quatro em linha continuava com válvulas opostas e desenho semi-hemisférico da câmara. Inicialmente havia dois modelos; primeiro o 520, com carburador, 115 cv a 5800 rpm e 16,8 mkgf a 3700 rpm. Depois, o 520i, o memo motor do famoso 2002 Tii, com injeção eletromecânica Kugelfischer: 130 cv a 5800 rpm, e 18,1 mkgf a 4500 rpm. O câmbio era de quatro ou cinco marchas, manual apenas, inicialmente.

Eventualmente apareceria um 518, com o 1.8 carburado de 90 cv, e em 1977, quando o novo seis em linha pequeno de 2 litros OHC “M20” foi lançado, ele foi montado no Série 5, criando um 520i de seis cilindros em linha e 122 cv. Em 1973, aparecem também os mais incríveis desses nopvos carros médios: os equipados com o seis em linha “bloco grande” M30, em 2,5 e 2,8 litros. O 528i de 177 cv fez muito para aumentar o cachet da BMW; mas é o M535i de 1980 que seria o mais famoso, o primeiro sedã “M” de rua, e um pré-M5 com 3,5 litros e 218 cv.

O novo série 5 era ligeiramente maior também: media 4620 mm num entre-eixos de 2636 mm, contra 4,500 mm em um entre eixos de 2,550 mm do Neue Klasse “2000”. Com a mesma distribuição de 50/50 em cada eixo, o peso agora era de 1250 kg para os carros iniciais de quatro cilindros, chegando até 1450 kg para um M535i.

A maioria dos E12 foi fabricada na antiga fábrica da Glas, comprada justamente para dar mais capacidade de produção para a BMW; algumas foram feitas em Munique no início. O crescimento da BMW é emblemático no sucesso deste E12: de 1972 até 1981, vendeu 738 mil unidades. E o primeiro série 3, o E21, 1,3 milhão de veículos mundialmente.
Um 520i 1973 a venda no Brasil

Já contei quando fiz o MAO Drives da minha Alfa Romeo 156 que tinha 3 opções de carro antigo com 4 portas e ar-condicionado para comprar, antes de comprar a Alfa. além dela, havia por exemplo o Mercedes-Benz 190E 2.0 manual do meu amigo Matheus, que no fim não estava a venda. e também a BMW 520i 1973 que vocês podem ver nas fotos, que é de outro amigo e xará, o Marco Pigossi, da Veloci Motori.
A Veloci Motori, não é por ser do amigo não, é sensacional: cada coisa diferente e legal que aparece lá que não é brincadeira. E sempre, os valores me parecem condizentes. Um oásis num mundo de falta de conhecimento e rariedades com preços psicodélicos. Jogo na loteria regularmente, e sempre tem um carro deles que compraria com a bolada.

Este carro por exemplo: é uma das primeiras E12, ainda feita em Munique (6 de julho de 1973) e tem hoje pouco de 105 mil quilômetros. Originalmente era Riviera Blau, hoje tem pintura ainda bem nova em prata. Tem um magnífico e original interior azul, e tanto o painel quanto o console estão em excelente estado, com grande parte das funcionalidades operacionais. Veio de fábrica com ar-condicionado, teto solar elétrico e direção hidráulica, tudo raro em 1973. Está com rodas BBS e pneus modernos.

É um carro magnífico, um exemplo irresistível da BMW dos anos 1970. Um 520i desses deve fazer o 0-100 km/h ao redor dos 10 segundos e chegar a mais de 180 km/h; desempenho plenamente satisfatório, sem contar, claro, o modo como faz isso.

O preço, R$ 120.000, estava acima do que eu podia pagar, e por isso que não é meu. Mas me espantei de ainda não ter vendido; considero um negócio ótimo. Relativamente, está bem barato. Sim, barato: veja que um 2002 Tii custa duas ou três vezes mais; e é essencialmente o mesmo carro. Sim, o 2002 é mais esportivo, mais leve e menor; anda mais por isso. Mas a suspensão, motor e tudo mais são basicamente a mesma coisa. E apesar de mais pesado por coisa de 200 kg, o que não é desprezível, a contrapartida é que o 520i é mais espaçoso, e tem ar-condicionado. Para mim, seria um BMW vintage perfeito. Ainda mais porque poderia pegar meu amigo Murad e sua Alfa Romeo GTV6, e recriar esta cena famosa aí embaixo!
O Marco diz que em 2020, quando comprou, o motor foi refeito com peças importadas da empresa alemã Wallothnesch e mão de obra especializada. Uma vez pronto, o carro foi seu daily driver por alguns anos, participando de passeios e rallyes de regularidade, como as Mil Milhas Brasileiras do MG Club em 2023. O carro está em ótimo estado e pronto para uso, sendo bastante confiável, ainda mais olhando sua idade. É mais velho que era meu Chevette, mas parece um carro 20 anos mais novo.








Mas o que mais me dói não é isso: é que o preço é o mesmo que minha esposa pagou no freakin Nivus zero km dela recentemente. Eu ofereci a 520i para ela, lógico, mas a minha incrível oferta foi rapidamente descartada com um sumário “Não, Deus que me livre de seus carro véio!”.
Ele, na verdade, definitivamente não dá asa para cobra. Imagina o que ela poderia fazer! Mas você ainda pode comprá-lo: veja o anúncio aqui, e diga ao Marco que foi o FlatOut que te enviou. E boa sorte!
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