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Achados Meio Perdidos

Achados meio Perdidos: Citroën Xantia VSX 2.0

Não queria fazer mais um Achados meio Perdidos de Citroën, depois de ter feito um já na semana passada. Mas se você foi esperto e abocanhou a chance da semana passada, pode agora fazer uma incrível garagem Citroën dos anos 1990. E como esta época foi o fim realmente da Citroën independente, seria uma coleção de respeito; e uma ainda perfeitamente usavel no dia-a-dia. Fora, é claro, alguns problemas em achar peças de reposição; nada é perfeito, né. O problema é real, saiba desde já.

Essa Citroën vale preservar, ainda que seja só para tentar educar as pessoas para a realidade de sua história. Pergunte a qualquer um hoje porque a Citroën acabou sendo comprada pela Peugeot em 1976, e a resposta normalmente vai passar pela complexidade de sua suspensão hidropneumática, e o desenho não convencional de seus carros.

“Isso nunca podia dar certo!” é o que pensa o mundo hoje acostumado a carros iguais com marcas diferentes, onde nada diferente parece ter lugar. Mas a verdade é que a Citroën acaba por uma série de investimentos que dão errado; não existia nada de errado com as vendas de seus carros.

Citroën tipo H

Sua linha de veículos era um sucesso absoluto. Da van tipo H, antiga, mas ainda onipresente Europa afora, passando pelo 2CV e suas variantes Ami, Dyane e Mehari, até o luxuoso, caro e sofisticado DS (e sua versão barata simplificada ID), tudo que a empresa produzia era um sucesso absoluto. Era uma marca, na verdade, vencedora. O problema, a razão do seu fim, foi sua visão do que seria o futuro, e onde investiu para isso. E quem pode adivinhar o futuro?

GS: o hidropneumático barato

Primeiro investiu, praticamente cinco minutos antes do mundo entrar numa dolorosa e irreversível crise de abastecimento de petróleo, na volta do GT francês. Patriótica e orgulhosa, a Citroën queria a volta da época áurea dos Bugatti, Voisin, Delaheye e Delage, mas agora em um carro mais avançado tecnologicamente. Queria um Citroën caro, potente, exclusivo, que por sua absoluta superioridade técnica obsoletasse todo Mercedes e BMW já criado. O resultado foi o SM, que para acontecer, obrigou a marca a comprar a Maserati italiana, que fazia seu exótico V6. Apesar de sensacional, vendeu pouco e drenou cofres; e os carros da nova subsidiária Maserati, viraram à prova de venda com gasolina cara.

O sensacional SM, com V6 Maserati

Depois, investiu pesado na inovação que parecia inevitável então: o motor Wankel. Com a NSU, criou a Comotor, uma nova empresa com uma nova estrutura, e uma gigantesca fábrica nova. Como sabemos, no fim produziu nada, o Wankel também vitimado pela ênfase repentina em economia e baixa emissão. A falência da Comotor levou com ela uma fortuna que é melhor nem calcular.

CX: o último independente.

E para terminar, em 1967 compra a veneranda empresa Panhard, para depois fechá-la e usar somente as fábricas, que de qualquer forma precisavam de investimento gigante para fazer Citroën. O gigante balança, e inevitavelmente cairia; o governo francês não pode deixar tanto emprego sumir, e “sugere” à família Peugeot que salve a marca do cais de Javel. Em 1976, ano do lançamento do último Citroën independente, o CX, nasce a PSA da junção das duas. A Peugeot é a dona; ela manda dali em diante.

BX: ainda diferente.

Muitos temiam o fim da inovadora marca, agora debaixo da conservadora Peugeot. Claro que tudo muda, e os planos futuros passam a obrigar os independentes engenheiros da Citroën compartilhar muita coisa com os Peugeot. Era inevitável. Mas a Peugeot, certamente por também admirar seu antigo concorrente, dá muita liberdade a ele. Por muito tempo, ainda conseguiu fazer muita coisa interessante, mesmo compartilhando plataformas e motores. Um exemplo claro disso: a Peugeot abandona definitivamente a tração traseira, que mantinha em seus carros médios e grandes, para se alinhar na tração dianteira com a Citroën. No fundo, ambas perdem a sua individualidade.

Molas de aço e desenho menos estranho: ZX

Mas divago novamente. O importante aqui é uma característica da marca que seria mantida inicialmente, e continuaria evoluindo: a suspensão hidropneumática. Presente nos carros de Javel desde 1954, dispensava os tradicionais mola e amortecedor por um sistema interconectado hidráulico, comandado por esferas com nitrogênio, para conseguir conforto e segurança únicos, além de autonivelamento da carroceria independente de carga e esforços dinâmicos, e altura de rodagem selecionável. Além disso, o mesmo sistema hidráulico operava freios a altíssima pressão. Era uma das várias diferenças da Citroën: seu rodar impassível de tapete mágico de Aladim.

Em 1982 aparece o substituto do médio GS: o BX. Apesar de usar motores quatro-em-linha transversais (nada de quatro contrapostos arrefecido a ar como no GS) e compartilhar plataforma com o futuro Peugeot 405, bastava olhar para ele e saber que ainda era um Citroën. A suspensão era totalmente hidropneumática, um sistema sofisticado e caro que elevava o nível da marca: era fabricado numa gigantesca fábrica com ambiente, umidade e temperatura controlados, com tolerâncias mínimas. Além da Citroën, apenas a Mercedes-Benz e a Rolls-Royce usaram sistemas semelhantes, pagando licença à Citroën; obviamente não era barato.

O Xantia aparece, 1992

Em 1989, aparece o XM: agora a suspensão era chamada de Hydractive. Ao contrário do hidropneumático mais simples anterior, esta tinha dois modos de operação, macio e rígido. A suspensão normalmente funciona no modo macio, mas o computador agora podia detectar situações limite, e assim alterar para o modo rígido para melhorar segurança e aderência. Chamados de “Sport” e um “Confort”, esses modos eram selecionáveis pelo motorista, alterando as curvas de amortecimento de acordo. A eletrônica ampliava o potencial da suspensão hidropneumática da marca.

Duas coisas importantes aconteceriam em seguida. Primeiro, o BX se mostrou um carro caro; era necessário algo mais barato, para substituir as versões mais baratas do defunto GS. Este substituto é o ZX de 1990. Um carro que, para ser barateado, usa suspensão convencional, com molas e amortecedores, algo que a marca abandonara desde o lançamento do GS em 1970. O ZX é tão bem feito, porém, que se mostra um sucesso, o que acaba gerando dúvidas sobre a real necessidade da sofisticada suspensão hidráulica na marca. Resolve-se dividir a categoria, um Citroën barato (o ZX), e um premium, hidropneumático, o carro que mataria o BX, lançado em 1992 com o nome de Xantia.


Xantia: apoteose hidropneumática

Compare um Xantia a um BX: muito do desenho tradicional Citroën desapareceria ali, agora substituído por algo mais normal, menos diferente. Não era só a suspensão hidropneumática que fazia um Citroën, também: a marca, lentamente estava se diluindo dentro da Peugeot. Primeiro, passava a usar o princípio McPherson na frente, para compartilhar plataforma com a Peugeot, ao invés de seus braços arrastados de geometria diversa. Perdia também o raio de rolagem zero (a linha da inclinação do pino mestre cruzando o meio da área de contato do pneu no solo) e a bitola traseira mais estreita que a dianteira, princípios de desenho que André Lefebvre tinha trazido desde a Voisin nos anos 1920.

O freio agora era separado do circuito de alta pressão, se tornando um sistema comum e compartilhado com a Peugeot: assim era bem mais barato, e comprado de fora, não fabricado em casa. Mais barato, não melhor, parecia ser o caminho. Agora o desenho externo do carro era normal, também, e o único vestígio da marca antiga era o sistema hidropneumático no lugar da mola e amortecedor.

Mas era realmente um sistema genial. O Hydractive II, segunda interação do sistema variável eletronicamente lançado no XM, aparecia em 1993. Foi projetado para resolver o maior problema do sistema anterior, o modo “rígido” muito desconfortável. Neste sistema, selecionar o modo “Sport” não significava mais um carro desconfortável. No Hydractive II, em ambas as configurações (“Normal”, o novo nome da “Comfort”, e “Sport”), o computador podia alternar para qualquer um dos modos quando achasse necessário, para um compromisso melhor entre os dois. No entanto , quando definida como Sport, a suspensão se torna mais sensível e mudará mais cedo e com mais frequência para o modo rígido.

Existia também uma função que trava o sistema quando o carro não está funcionando, usando mais uma esfera. Seu único objetivo é evitar que o carro afundasse ao chão quando não em uso, tradicional característica da marca não muito compreendida pelo mercado agora.

As suspensões geometricamente eram simples: dianteira McPherson com barra estabilizadora, traseira braços arrastados independentes. O carro era oferecido como um hatchback de cinco portas, ou uma perua. Na dianteira, o motor e transeixo estavam alinhados e transversais para tração dianteira, agora adotando o universal sistema criado por Dante Giacosa na Fiat.

Os motores em si eram unidades agora comuns às duas marcas da PSA, e eram todos excelentes. Os quatro em linha eram da família XU, em versões SOHC com 8 válvulas, ou DOHC com 16 válvulas, todos com injeção eletrônica. Na Europa existiram versões 1.6 e 1.8 de 8 válvulas, e uma 1.8 de 16V, além de vários diesel com e sem turbo. Aqui, vieram as versões de topo a gasolina somente: 2.0 8v de 123 cv; 2 litros 16V com 150 cv; 2 litros 8V turbo com 147 cv; V6 DOHC 24V de 2,9 litros e 190cv. Transeixo manual ou automático era oferecido, com tração sempre dianteira.

No gráfico, graus de rolagem da carroceria em função da aceleração lateral. A diferença é incrível.

No ano modelo de 1995, porém, vemos o aparecimento da próxima evolução da suspensão hidropneumática, a que realmente faz acontecer o milagre do teste do alce: o Xantia Activa é o mais rápido no teste de desvio do animal, que ficou famoso com o Mercedes A-class, até hoje. O Xantia Activa, era disponível apenas com os motores de 2 litros e V6 (e os mais potentes turbodiesel em mercados onde isso é possível), e por fora não parecia muito diferente: apenas um discreto spoiler atrás. Mas era algo realmente especial.

Quão especial? Atuando diretamente agora também nas barras estabilizadoras, o novo sistema hidropneumático “Activa” podia alterar agora não somente o amortecimento e o rate das molas; agora poderia comandar diretamente também a rolagem da carroceria. Mais que isso, como era um sistema variável por princípio, podia começar uma curva como um carro normal, com rolagem linear (quanto mais aceleração lateral, mais rolagem) mas em seguida podia alterar essa curva. Quanto? Que tal rigidez infinita?

As barras estabilizadoras hidráulico-mecânicas do Activa começam a curva da mesma forma que o sistema Hydractive, quando a aceleração lateral é mínima. Mas, enquanto o Hydractive permanece quase linear (quanto mais forte a curva, maior será o ângulo de rolagem do carro), o Activa compensa mantendo o ângulo de rolagem constante abaixo de 0,5 grau até uma aceleração lateral máxima de 0,6g, como se de repente a barra estabilizadora ficasse infinitamente rígida! Depois dos 0,6g, tendo se contraído ou estendido o máximo que pode, as barras permanecem ainda rígidas pacas: o ângulo de rolamento aumentará apenas um pouco, até um máximo de 1 grau. Um grau de rolagem a 1g de aceleração lateral é pouquíssimo: para todos os efeitos práticos, basicamente a Citroën fez um carro de rolagem zero.

O resultado é positivamente extra-terrestre, ficção científica feita possível: o carro familiar, equipado com pneus 205/60 R15, adequados para seu peso de 1.440 kg e seu desempenho (230 km/h e 8 segundos de 0-100km/h na versão V6 manual), ainda assim atingia acelerações laterais de supercarro: 1,2g no skidpad. E fazia o infame teste do alce mais veloz que Porsches e Mclaren. Mais veloz que qualquer outro carro à venda, na verdade. Até hoje!

Mas, ao contrário do que se imagina, dali em diante o sistema lentamente vai desaparecendo. O C5, substituto do Xantia, tinha um sistema simplificado, com vários sistemas antes mecânicos agora controlados eletronicamente. O sistema parece ser caro, e cada vez menos gente parece disposta a pagar mais por ele. Claro; o Citroën era uma proposta diferente, por dentro, por fora e em cada parafuso; só a sofisticada suspensão num carro normal parecia que não era mais o suficiente. A exigência é baixa hoje em dia: as pessoas parecem satisfeitas com batentes mais sofisticados como os hidráulicos e os de PU microcelular, que fazem um compromisso decente de conforto e aderência, a um custo várias ordens de grandeza menores. Amortecedores magnetorreológicos também trazem de volta uma parte da adaptabilidade dos Citroën de vinte anos atrás, nos carros mais caros.

Mas nunca mais um carro de produção normal de alto volume teria uma suspensão tão sofisticada.


Um Xantia para chamar de seu

Pois bem. A gente que gosta desse tipo de coisa sempre está de olho nos Xantia; mas é difícil de achar um em bom estado. Mantê-lo não é fácil, então é recomendável achar um bem inteiro. Um barato para restaurar? melhor deixar esse tipo de coisa para carros com peças mais fáceis de encontrar, como um Gol ou Chevette.

E é difícil pois a maioria acaba em estado lastimável. As pessoas não querem gastar dinheiro em carro que não vale muito dinheiro, então foram sendo cada vez mais abandonados por aí, retratos tristes de um carro que outrora era chique, mas hoje, cada vez mais, parece lixo abandonado sem condições de ser revivido.

Mas esta semana, para minha surpresa a loja virtual de automóveis do amigo Fernando Chinelli, a @brooklincars , apareceu com um exemplar extremamente interessante, que imediatamente me tirou o sono. Se não tivesse já recentemente comprado outro sedã chique dos anos 1990 com interior de tecido para chamar de meu, compraria com certeza este; mesmo na situação atual a vontade foi tanta que resolvi expiá-la mostrando o carro aqui, para vocês, queridos leitores.

Trata-se de um Citroën Xantia VSX 2.0 1995. O motor é o menor motor que veio, o dois-litros 8v de 123 cv, mas vem com o ótimo câmbio manual de cinco marchas; e como o carro pesa 1250 kg, o desempenho deve ser bem aceitável; testes europeus dão 0-100 km/h em menos de 12 segundos, e 206 km/h de final.

O caro já vem com a placa preta, com 95,5 Pontos na vistoria. Pelas fotos, é um carro realmente perfeito, com apenas 68 mil km rodados. O interior não é de couro, o que é raro: é num sensacional tecido xadrez verde, que combina com o exterior em verde metálico.

E como todo carro dos anos 1990, tem tudo o necessário (aqui, até rádio Pioneer com Bluetooth mais moderno já instalado), mas não apita por nada; nem para ré, nem para sair do carro com ele funcionando, nada. Que paz! A lista de equipamentos é extensa porém: código para partida, carpete original verde, vidros, travas e retrovisores Elétricos, Airbag duplo, rodas originais de alumínio de 15” com pneus Michelin, Manual + Chave Reserva. E, é claro, a sensacional suspensão Hydractive com ajuste de altura, que segundo o Fernando está em pleno funcionamento.

O carro, lembre-se, já tem placa de coleção e não paga IPVA. Tudo isso pode ser seu por bem módicos R$28.900. Melhor você ir ver logo, antes que eu mude de ideia e quebre o cofrinho. Fale com o Fernando via mensagem no Instagram @fernando_chinelli ou veja o anúncio aqui. E boa sorte!


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